Capítulo 2 - Retorno

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Antes mesmo de me levantar, eu já estava arrependido de ter passado todo o resto da tarde e boa parte da noite passada conversando com Seth no telefone. Eu sei que deveria ter estudado um pouco e dormido mais cedo, mas não deu certo. Eu o encontrei no caminho da escola para casa, como foi sugerido na mensagem que eu tinha recebido antes. Conversamos sobre absolutamente quase tudo naquela mesma cafeteria de sempre -eu detesto café, mas estar com Seth me fazia gostar, mesmo que fosse por alguns minutos.- não contei em momento algum sobre como eu tinha sido importunado pelo idiota do Henri, não era relevante, e Seth não precisava saber, ele nem é da nossa escola.

Quando cheguei em casa, esqueci completamente que tinha afazeres e liguei para que pudessemos conversar mais ainda. Fingi não ouvir a minha mãe me chamar para jantar mas valeu a pena, só vai me proporcionar mais alguns minutos de lamentação.
Eu estava começando a achar que estava apaixonado de verdade. Mesmo tendo somente alguns dias que começamos a namorar, sinto como se conhecesse Seth por uma eternidade.

*

-Você tá fora do ar até de mais ultimamente...-Callie chama a minha atenção enquanto risco o meu caderno de desenhos no refeitório. Só então reparo que ela comeu a minha fatia de pizza. Dá de ombros quando vê que percebi, eu tento sorrir.-Eu achei que você não queria mais.

-Tudo bem.-Digo. Fechando o caderno para "voltar ao ar" e Callie não achar que estou apaixonado por demais. Ela jogaria na minha cara para sempre.-Mas e você, o que tem feito para manter essa aparência?

Observo sua pele pálida e olheiras super visíveis. Não muito diferente de mim, mas pelo menos eu não tenho usado drogas.

-Ah... Não precisa me elogiar.-Diz, ciente de toda a ironia presente na minha frase. Seu celular começa a alarmar, e eu sei muito bem o que acontece agora. Callie sorri, pega a sua bolsa na mesa e começa a revirá-la levantando de onde estava sentada.-Eu volto em alguns minutos.

É a hora do seu "remedinho", erva "medicinal" que ela diz usar para tratar a "bulimia". Todos os dias às 12:30 ela sai do refeitório e desaparece por alguns minutos.

Eu não me importo de ficar sozinho, na verdade eu até prefiro o silêncio em algumas situações, mas era algo que não acontecia alguns meses atrás, antes do Henri dizer para todos que eu sou gay, o Jonz sentava com a gente, mas ele simplesmente parou (Callie o ameaçou com um canivete para que ele dissesse o porque, e ele contou que tinha medo de que eu me interssasse por ele), tínhamos também a Cami, mas ela começou a namorar com um menino do time e nos deixou de lado. Em fim, restamos somente nós dois, e eventualmente somente eu... Ou não.
Sinto minhas costas molhadas. Que merda, será que eu não posso ter um momento de paz?

Vejo que o líquido de cor roxa também molhou a mesa. Eu odeio suco de uva! Ele deve ter se esforçado para descobrir.

-Cara, me desculpa! Eu escorreguei.-Henri em pessoa, passa por mim se desculpando, é claro que ele não está se desculpando de verdade, só quer me humilhar. Evito olhar para ele não quero que pense que me importo.-Você não deve ter gostado né? Foi só suco. Deve preferir que jorre outras coisas.

Ouço alguns risos por todo o lugar enquanto o vejo sair dali rindo da minha cara. Eu estou começando a odiá-lo em um nível acima da escala permitida para um ser humano de 17 anos. Desco o olhar para o meu caderno de desenhos, agora encharcado de suco de uva. Obrigo a lágrima que surge no meu olho a voltar para onde ela saiu, eu não vou chorar por isso.

-Ei! O que aconteceu?-Callie retorna, não tão chapada quanto eu imaginei que estaria. Senta-se novamente, mesmo vendo que a mesa está encharcada.-Deixa eu advinhar...

-Eu preciso de um favor seu.-Digo. Ela sorri, mesmo sem imaginar o que vou pedir. Deve saber que já estou quase sem paciência.

*

Eu nunca esperei tanto por algo como pelo fim da última aula. Consegui em parte dar um jeito na bagunça de cor roxa que ficou na minha roupa. Permaneço me encarando no espelho que tem dentro do armário de Callie e tenho um motivo para estar aqui.

-Tá bom, isso já está estranho, você está se admirando, eu entendo e admito que o seus olhos são até bonitos, mas você pode fazer isso em casa, sabia? Já podemos ir embora!-Diz, fechando a porta do mesmo na minha cara.-Eu tô morta de fome.

-Eu estou esperando por ele.-Respondo com um pouco de entusiasmo a mais.

-Pelo valentão?-A princípio, Callie dá uma olhada no meu corpo magro de cima a baixo.-Você não tá pensando em...

-Não...-Respondo, indicando com a cabeça o início do corredor. Como eu esperava, lá estava vindo Henri com o treinador do time.

Em meio a conversa, provavelmente sobre o jogo de abertura da semana que vem, Henri decide abrir o seu armário para para a sua infelicidade.
O que cai de lá é um baseado de maconha que somente alguém com experiência poderia fazer.

-Espera, foi para isso que me pediu?-Pergunta, meio indignada porém ainda assim rindo daquilo.-Eu achei que você também queria se medicar.

O treinador está puto da vida, e não é para menos. Diz algumas coisas que não posso ouvir de tão longe enquanto Henri tenta se explicar, acho que nunca o vi tão desesperado.
Eu gostaria de ficar para ver mais, porém quando o seu olhar me encontra ali, parado e olhando para ele com uma garota de cabelos verdes que é ativista do uso de tal substância, só me resta correr.
Mas não deixo de achar que valeu a pena, mesmo que seja em parte.

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