Capítulo 22 - Armário

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-Eu prometo que não vou machucá-la muito, só vou cortar uma das mãos.-Callie senta-se ao meu lado no banco do pátio do colégio. Está hiperativa, acho que alguém abusou do café hoje.-Deus vai me perdoar, eu posso até ir na igreja depois.

-Não. Não é assim que eu resolvo as minhas coisas.-Digo, sério, me referindo a descoberta que fiz ontem em relação a aquela tal de Laurie. Passei a última noite imaginando possíveis motivos. Talvez por ela ser uma fanática religiosa, ou sei lá, mas ainda assim acho que isso não é motivo o suficiente.-Fica na sua.

-Mas não é você quem vai resolver!

Viro-me para ela, ainda sério.

-Estou preocupado com você... e suas tendências homicidas.-Brinco.

-Cala a boca, eu te devo uma.

A verdade é que eu ainda não sei o que vou fazer ou falar. Nada que envolva violência, tanto física quanto verbal, eu detesto violência. As vezes até me questiono se realmente foi a Laurie, tão exemplar e responsável, entretanto, tudo indica que sim. Todo tipo de coisa tem passado pela minha cabeça ultimamente.

*

A aula é de física, e a minha paciência está tão esgotada quanto a do professor, que está quase sem voz de tanto gritar com seus alunos desobediêntes.

-Quero que formem seus grupos agora! Quem não tiver na sala vai ficar de fora! Eu odeio espertinhos.-Sua fala é seguida de um pigarro.

Corro o meu olhar por toda a sala a procura de Callie. Não está em lugar nenhum. Que merda! Ela falou que iria ao banheiro vinte minutos atrás e até agora não voltou.
Procuro por Karen, que também está desaparecida. Reunião das líderes de torcida, é claro. Porque diabos tem que ser durante a aula?! A professora de ginástica deve ter algo contra o professor de física.
Porém, a única pessoa que não deveria estar aqui, está. A vida faz de tudo para ferrar comigo, e está tendo sucesso. Eu não suporto ficar perto de Henri, não é atoa que me sento no lado oposto a ele quando temos aulas juntos, e se ficar perto dele já é ruim, ficar perto dele sozinho é pior ainda.
Respiro fundo começando a folhear o meu livro para não ter que ver enquanto ele se aproxima.

-Parece que seremos só nós dois.-Ele diz, ao que parece o seu tom cômico voltou. Pelo menos é melhor do que estressado. São seus únicos dois humores.-Aposto que mandou a sua amiga cair fora.

-Eu não a trato como você trata a sua namorada.-Respondo, sem ao menos pensar, e sem tirar os olhos do livro. Não quero que pense que merece atenção.

Henri senta-se na minha frente, minha mesa nos separa.

-Não é minha namorada. Você nunca vai saber o que é transar com uma garota sem compromisso.-Coloca as duas mãos na nuca e relaxa na cadeira. Luto para não dar uma olhadinha nos seus bíceps.-Pelo menos não com garotas...

-Já entendi.-Interrompo, fingindo estar super interessado nas fórmulas, sendo que não entendo quase nada.

Quando o assunto é fazer Henri acreditar que eu esqueci por completo de algo, admiro a mim mesmo. Sou realmente bom em fingir que algo não aconteceu ou está acontecendo, são anos de experiência.
Seria praticamente impossível esquecer daquilo, se ele for ingênuo, vai achar que penso que foi tudo coisa da minha cabeça.
Conheci parte do seu lado mais intenso durante aquele beijo que durou segundos. As vezes chego a sentir, e sentir também um leve peso na consciência. O lado intenso de Henri é o que infelizmente me atrai um pouco. E ele provoca o único sentimento intenso em mim, o ódio. O odeio com -quase- todas as forças.

-E eu vou tratar aquela vadia do jeito que eu quiser.

Dessa vez, decido encará-lo enquanto respondo, por alguns segundos tiro os olhos do meu livro:

-Eu disse que já entendi.

Volto para as malditas fórmulas. Para mim, todas elas param, de alguma forma, nos seus bíceps bem definidos.

-Você tá fazendo de tudo para me tirar do sério.-Diz, talvez eu realmente esteja.

-Não tô nem me esforçando.-Dou de ombros. Sei que esse tipo de coisa deixa o Henri puto pra caralho, ele gosta de respeito e atenção, e eu não estou pronto para dar nenhum dos dois.

Meu sangue congela quando ele levanta-se imediatamente da cadeira onde estava sentado. Luto comigo mesmo para não transparecer o susto, é quase impossível, mas consigo não me mexer.
Henri curva-se, suas mãos apoiam-se na mesa a minha frente. Eu imploraria para ele simplesmente sair daqui e não se aproximar tanto de mim. Eu não quero ter essa maldita sensação de novo.

-Eu sei muito bem o que está tentando fazer. Não vou cair nessa.-Quando ele sussurra no meu ouvido, um arrepio percorre por todo o meu corpo imediatamente. Suspiro em silêncio. Uma voz quase muda na minha cabeça diz que ele vai me beijar a qualquer momento, no meio de todo mundo nessa sala de aula, eu a ignoro.-Eu já estou te devendo uma surra... não me faça prometer outra.

Por apenas um segundo, a minha montanha russa mental está nas nuvens e não me importo com o que ele diz. Mas juro que só por um segundo.
Recupero o meu fôlego aos poucos enquanto Henri se afasta devagar. Percebo o quanto estou encolhido e torço para que ele não perceba. Não era exatamente medo o que eu sentia, bem, de certa forma era sim, mas não de suas ameaças.
Meus olhos o acompanham enquanto ele volta para o seu lugar, do outro lado da sala, sem mas nenhuma palavra. Fico parado por alguns segundos, não sou capaz de perceber nada que acontece ao meu redor, além disso. Meu corpo estava totalmente em choque, e não aconteceu nada de mais. Foram só minhas malditas memórias voltando como se eu as tivesse chamado.

*

Antes de ir para casa, decido resolver algo que sinto que deveria, mas não queria ter que fazer. Eu odeio ter que exigir que alguém me conte a verdade sobre alguma coisa, e também odeio assuntos pendentes, a minha ansiedade me sufoca.

Dispensei a minha companhia de cabelos verdes, eu preciso encarar a minha realidade sozinho e esse assunto é só meu.
Meu coração dói de ter que falar sobre Seth com alguém mais uma vez, porém não tenho escolhas.

Laurie está guardando o que parece ser metade dos livros da biblioteca no seu armário, eu duvido que caibam todos, e no topo posso ver com clareza uma bíblia enquanto me aproximo.

-Qual era o resto da frase?-Digo, cruzando os meus braços. Eu tinha mil perguntas para fazer, mas todas dependiam dessa.

-Ah, Kody! Como vai você?-Me olha por cima do ombro enquanto tenta não derrubar todos aqueles livros. Eu a ajudaria, mas ela não merece.

-Eu te fiz uma pergunta.

-Não sei do que está falando.-Não sabe nem disfarça e posso perceber muito bem como está nervosa, suas mãos agora tremem. Achou que eu jamais imaginaria que a garota cristã e careta da classe de biologia fosse tentar ferrar com alguém.-É sobre a lista do baile? Não fiquei responsável por isso, a única festa, para mim, acontece na casa do nosso senhor Deus.

-Sabe muito bem que não estou falando da lista do baile.

Laurie já terminou com os livros no armário, mas finge ainda estar ocupada para não ter que me encarar.

-Eu...

-Você não pode sair por aí tentando assustar as pessoas com essa coisa de ir para o inferno. Não é você quem determina isso.-Interrompo para ser o mais breve possível. A quase santa está com a cara praticamente dentro do armário, não é para menos, eu também ia querer cavar um buraco e entrar.-Cada quem escolhe o caminho pelo qual quer seguir, Laurie. E o medo não vai fazer as pessoas mudarem o percurso. Você não precisava fazer isso.

-Eu queria que você conhecesse a verdade... a verdade está em Deus.-Mal ouço o que ela diz, ainda evita me encarar, mas pelo menos admitiu o que fez.-Eu não quis ofender o seu amigo... ou você.

-O Seth era meu namorado.-Tento manter a paciência, um dos maiores desafios da minha vida.-Eu respeito a sua religião, então tente ao menos respeitar a minha sexualidade.

Vou embora deixando-a ainda com a cara dentro do armário e sem argumentos. Uma ironia, pois de acordo com a lógica dela, quem deveria estar no armário era eu.

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