Epílogo - Minhas Mortes

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Eu nunca tive muitas expectativas... nunca achei que viveria por muito tempo, sempre me achei, de certa forma, fraco, para encarar o imenso jardim de decepções que é a minha vida. Sempre fui bem criativo nas maneiras as quais poderia usar para agilizar o serviço, mas nunca corajoso o suficiente para fazer isso. Cortes verticais nos pulsos, me atirar de uma ponte, uma corda no pescoço, pílulas, talvez, ou o mais fácil e doloroso: a porra de um relacionamento tóxico.

Mas nós fomos feitos um para o outro, e eu tenho total certeza disso, até acredito com convicção que se tivermos um final juntos, este será feliz, e é essa "esperança" que me mantém vivo e fingindo absorver tudo o que o psiquiatra me diz. Mesmo se eu quisesse, eu estaria mentindo e totalmente equivocado se eu dissesse que, se eu pudesse, eu escolheria esquecê-lo. Danos emocionais são irreversíveis para mim, e podem até tomar rumos inimagináveis.

É muito provável que você só saberá que o seu relacionamento é abusivo se alguém que estiver fora deste te disser, de preferência alguém que entenda do assunto, e no meu caso foi o psiquiatra que tenho que frequentar duas vezes na semana. Também estou tomando remédios mais fortes para dormir, ou para não ter crises de ansiedade e pânico, e acho até que estou ficando dependente destes. Posso dizer que tenho melhorado, pois há um tempo atrás, eu não conseguia me concentrar nas coisas as quais precisava fazer, e então começava a pensar de mais e tremer. E esse foi o "efeito Henri" e os seus danos na minha vida. Quanto a ele, eu literalmente quase morri quando soube da notícia.

Se eu já não tinha um trauma relacionado a acidentes de carro, acabei desenvolvendo naquele dia, a diferença é que dessa vez eu não me enfiei em baixo dos lençóis para chorar. A pessoa fraca que existia dentro de mim não tinha mais chances de me dominar naquele dia, então eu peguei o carro e dirigi até o hospital mais próximo ao acidente.
Os policiais no corredor falavam sobre uma perseguição a um foragido, que acabou acelerando e saindo da pista. O carro estava em pedaços, não sabiam se ele sobreviveria. Foi pedido emergência para um dos quartos. Eu estava perdido.
Admito que nunca fiquei tanto tempo num corredor de um hospital. Eu sempre odiei hospitais, mas como eu tenho dito, a droga do amor nos faz fazer coisas inimagináveis. Perguntei umas mil vezes na recepção se tinham um paciente com o nome de "Henri West". Me disseram que não podiam me dar essa informação.

As horas passavam e eu continuava na recepção. Na TV, eu podia ver os repórteres no local do acidente. A antiga rodovia estava fechada, e eu reconheceria aquele carro em qualquer lugar, mesmo estando destruído. Não pude deixar de notar o sangue presente na cena, o que me fez engolir em seco.
Mais algumas horas de espera, e os meus olhos já estavam quase fechando sozinhos. Eu não tinha dormido caralho de nada, e ainda estava sob efeito de medicamentos.
Foi então que levantei e fui providenciar um café, bom, eu precisava ficar acordado. Aí eu tive um sinal. Talvez tudo o que eu precisava ouvir naquela noite terrível.

"O cara é duro na queda, ele acordou e parece que recuperou a consciência por um instante" Ouvi um enfermeiro dizer para outro enquanto eu fingia estar interessado em um cartaz sobre quimioterapia na parede. "Aquele que matou o pai e tentou fugir?" Perguntou o outro. "Sim. Ele acordou e meio que parecia querer dizer um nome... Kody, eu acho... eu não sei o que significa". Eu sorri quando ouvi aquilo. Não porque sabia que estava vivo, eu também sabia que o seu estado era crítico e que poderia piorar a qualquer momento, ou simplesmente porque recuperou a consciência por um instante, mas porque tudo o que fez, desde o início, foi por mim. Ele me ama, e foi naquele momento que eu tive o mais próximo a uma certeza. Ele faria qualquer coisa por mim.

Durante alguns dias, os pesadelos com o cadáver do Dr. West e com um Henri descontrolado me empurrando da escada para me tornar um também eram frequentes, me causavam uma sensação de quase morte constante, o que agravou a minha ansiedade.
Mantive contato com Karen nos primeiros dias, ela costumava me acompanhar até o psiquiatra, hoje, pretendo manter a distância de qualquer pessoa que diga "nem pense nisso" na primeira oportunidade, ou que diga que faltou muito pouco para eu estar morto.
E além disso, não posso mais tentar mentir para mim mesmo dizendo que carrego a culpa. O Dr. West morreu, a minha mãe e a minha familia estão seguras, e Henri também. O que mais me importa? Claro, a sua companhia. Bem, isso será resolvido hoje mesmo.

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