Capítulo 23 - Tédio

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Eu continuo ficando entediado e deprimido (muito mais do que antes) aos domingos. É o dia que mais detesto, mais até do que a segunda-feira. Eu e Seth saíamos na maioria das vezes para acabar com os nossos tédios juntos.

O tédio conspirou com a saudade e me fez fazer uma loucura, algo que eu jamais faria normalmente. Peguei o carro do meu pai, que usei apenas uma vez ou duas para buscar a Lili no colégio e outras vezes para ir às consultas no psicólogo. Dessa vez, fui até o cinema que costumava ir com Seth. É um lugar tranquilo, pois o filme sempre é ruim e o lugar é meio deserto, mas não é pelo filme que as pessoas vão lá.
Tínhamos privacidade mesmo do lado de fora, e isso era a melhor coisa. E esse é o único motivo pelo qual o lugar ainda é frequentado.

Deixei a sala no meio da sessão e saí, eu não estava me sentindo bem.

Eu nem prestei atenção nas cenas que vi, deixei a pipoca cair no chão e quase tropecei ao sair. Eu estava realmente mal, precisava tomar um pouco de ar.
Seth e eu geralmente saíamos no meio ou perto do fim do filme, ele não gostava, mas eu sou bom em insistir quando quero. Eu não saía para assistir os filmes idiotas, saía para ficar com ele.
É uma porcaria, desde que cheguei na entrada desse maldito cinema hoje, senti como se fosse desmaiar e cair. Estava zonzo e sem conseguir raciocínar. Acho que a emoção me causou isso. Foi tudo uma loucura.
Caminho até o carro para ir pra casa. No mesmo lugar onde sempre estacionavamos, a diferença é que dessa vez não sou o único no estacionamento.

-Ei! É você!-Ouço uma voz masculina desconhecida atrás de mim, reduzo os meus passos, porém não paro de andar e nem me viro para olhar.-Vi você e outro cara se pegando aqui uma vez! Em um lugar público! Vocês não tem vergonha?!

-Cara, essas bichas estão por toda parte!-Ouço outra voz dizer, eles estão claramente bêbados, se eu tivesse noção, não deveria me importar, mas eu não tenho.

Primeiro olho por cima do ombro, e depois me viro. São dois caras, nunca os vi antes, e sim, estão claramente bêbados. Um deles segura uma garrafa de vidro, o que pode ser perigoso. Um é relativamente mais forte, mas o outro é tão magro quanto eu. Talvez sejamos as únicas pessoas aqui, agora que alguém entrou em um dos carros e acabou de sair. Eu estou a um passo de pegar a chave e abrir a porta do carro. Não sei se é uma boa idéia.

-Isso não faz... sentido nenhum.-Digo, ainda tentando recuperar a minha consciência por completo.

-Que tal a gente matar ele?-O que não está com a garrafa na mão sugere.-Eu não quero que o meu filho vire gay porque viu dois caras se beijando em um estacionamento público...

Para minha sorte, o outro não concorda. Mas tem um olhar sádico e se aproxima imediatamente quando começo a me afastar de costas. Ele tenta me dar um soco, mas está bebado de mais para isso, eu me afasto ainda mais, a tempo de não acertar, porém, acabo tropeçando em uma pedra grande que tinha atrás de mim. Recupero a minha consciência quando caio de bunda no chão. Que merda, isso sempre tem que acontecer?!

O cara que tentou me socar murmura um palavrão enquanto o outro ri e o insulta.

-Me dá a porcaria dessa garrafa, deixa isso comigo!

Minhas mãos se apoiam no chão para tentar levantar, e quem sabe correr.
Tenho aquela sensação que temos quando algo ruim está prestes a acontecer, é inevitável. Eu tinha certeza de que morreria naquele momento. Quando aquele psicopata bêbado tomou a garrafa de vidro vazia da mão do amigo e a levantou para me acertar. Tento proteger o rosto com a mão. Mas ele não fez isso.

Vejo o outro cara que estava atrás, o mais magro ser puxado e acertado por um soco na cara, e em seguida por outro, e mais outro. O que ia me atacar vira para trás imediatamente para tentar descobrir o que estava acontecendo, e eu também tento saber.
O carro ao meu lado, a tontura e a luz forte de um refletor me impedem de ver quando aquele cara cai com a cara ensanguentada no chão. Me arrasto um pouco para descobrir o que está acontecendo.

E então eu vejo o Henri. O que diabos está acontecendo?!

Ele encheu de socos um dos caras que queria me matar, e está prestes a fazer o mesmo com o outro, que ligeiramente lhe acerta, mas isso nem o afeta.
Sinto um breve alívio quando aquela garrafa finalmente cai no chão e quebra.

Eu posso até sentir a raiva que Henri possui ao dar um soco na cara daquele agressor. Imagino que nem sinta suas mãos doerem. Também tento imaginar o que ele está fazendo aqui, mas é meio difícil nesse momento.
Ele continua chutando o cara que finalmente caiu ao chão. Começo a me levantar com dificuldade quando sinto que ele vai me bater também, só precisa finalizar o serviço.
Me apoio na lateral do meu carro e fico de pé mais rápido do que imaginei.

Tudo o que vejo são aqueles dois caras desacordados e ensanguentados no chão, e Henri de costas para mim, olhando pra sua bagunça. Sua respiração está ofegante, quase posso ouvir-la daqui. A minha também está, mas a diferença é que ele me salvou.
Penso um milhão de vezes antes de andar na sua direção, ele continua parado de uma forma assustadora, sei lá, pode ser que me ataque também se eu for agradecer.

Mesmo assim eu o faço. Já tive medo o suficiente por hoje, não custa nada ter um pouco mais.
Estou quase não conseguindo respirar quando chego a sua frente, ainda olhando para o chão. Vejo seus punhos cerrados.

-Valeu.-É tudo o que consigo dizer, e ainda com uma certa dificuldade. É estranho dizer essa palavra para quem acaba com os meus dias.

-Vai embora.-Diz, com uma certa frieza.

Me dou conta de que Henri odeia quando não estou olhando para ele enquanto falo, e é então que subo o meu olhar de encontro ao seu rosto. Percebo um corte no seu supercílio. Não parece ser tão grave, mas ainda assim é uma marca da luta que ele entrou por minha causa. Eu odeio estar nessa situação.

Respiro fundo.

Está escorrendo um pouco de sangue que vai quase de encontro ao seu olho.
Quase instintivamente a minha mão sobe até o seu rosto, a mesma ia em direção ao corte. Seu olhar não a segue, mas ele segura o meu pulso com força ainda no meio do caminho. Aperta com uma certa força desnecessária.

-Eu falei para ir embora.-Volta a murmurar suas ordens, que também é uma espécie de aviso.

-D-desculpa.-Quando digo essas palavras, Henri solta o meu braço e eu corro de encontro ao meu carro, não tão longe. Quase não acerto a entrada da chave do tanto que minhas mãos tremem, mas tudo acaba dando certo. Eu queria poder dizer que tudo deu certo com mais frequência.

Quando levo a chave até a ignição, vejo Karen sair de dentro do cinema. Ela parece um pouco sem paciência, não é para menos, o garoto que a convidou para sair deve tê-la deixado plantada lá dentro esperando equanto me salvava.

-Você tem que arrumar confusão em todo lugar que passa?! Porra!-Não muito surpresa, observa os dois caras caídos e o ferimento no seu rosto. Mexe a cabeça negativamente e volta a caminhar para dentro. Henri a segue.
E então eu vou embora.

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