Capítulo 24 - De Joelhos

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Não consigo descobrir ao certo o porque de ter vindo para o colégio hoje. Dormi por menos de duas horas e mal consigo ficar de pé. Carrego café em um copo térmico para todos os cantos em que vou por hoje, é tudo o que preciso.

-O Henri West não tem jeito mesmo... Não consegue ficar nem um minuto sem descer a porrada em alguém e causar problemas.-Para a minha surpresa, Callie o diz, de uma forma totalmente aleatória. Nem estávamos falando sobre Henri, e eu não contei o que aconteceu ontem.

-O que?!-Pergunto, na intenção de saber como ela descobriu e o que mais sabe. Não pode nem sonhar que eu estava lá, e muito menos que ele me salvou.

-Ah, a Karen me contou. Somos quase "BFFs".-Talvez Callie esteja exagerando, mas eventualmente Karen também desaparece as 12:30 e volta a aparecer minutos depois muito mais calma. A encaro como se tivesse ouvido uma mentira.-Tô brincando. Eu vi que ele provavelmente levou um soco na cara.

Callie pega o copo com café da minha mão e toma um gole enquanto fecho a porta do meu armário após pegar o livro de francês. Me inscrevi na aula porque a professora não se importa se estou dormindo ou não. E também porque ninguém mais que eu conheço está.

-Não foi culpa dele.-Digo, quebrando o silêncio e tomando o meu copo de volta. Callie parece surpresa pelo que deixei escapar, até eu estou um pouco, admito, mas eu gosto de ser justo.-Quer dizer... eu acho que não foi...-Coço a nuca.

-Hm.-Desconfia, estreitando os olhos e cruzando os braços.-Onde estava ontem a noite?

-Em casa, deixei o celular no silencioso.

A julgar pelo seu olhar, continua desconfiando. Eu detesto desconfiança, por mas que eu esteja mentindo. Começo a andar, indo para a sala.

*

Preto tem sido a minha cor favorita desde que Seth se foi. Eu só tenho vestido essa cor, talvez o meu sentimento reflita na minha personalidade atual. Preto é uma cor vazia e cega, e é assim como eu me sinto.

Hoje, em específico, decidi mudar com um casaco azul escuro. Meu humor pode ter variado um pouco sem que eu perceba, é a primeira vez que visto algo que não seja preto desde aquele dia. De fato tenho me sentido razoavelmente mais leve e nem estou tomando tantos remédios para me deixarem parecendo um zumbi. Eu estou superando a morte de Seth e me abrindo mais, de alguma forma, e também estou tentando descobrir se isso vai ser bom ou ruim.

-Eu não preciso nem dizer o que vocês devem fazer agora!-O professor de física grita de sua mesa, sem ao menos tirar os olhos do seu notebook. Eu estava tão perdido nos meus pensamentos que nem tinha percebido que o mesmo já estava na sala. Eu até sei bem o que está vindo por aí.-Grupos!

-Maravilha.-Sussura Callie, sentada ao meu lado. Ela se diverte como ninguém nessa aula. É bom que esteja aqui dessa vez.

Vejo Karen se aproximar, não está tão puta da vida hoje, para o bem de todos. Arrasta uma cadeira colocando-a de frente para nós do outro lado da mesa.

-Eu odeio essa aula.-Essa é sua frase favorita.

-Nós também te amamos!-Callie a pirraça do jeito que gosta de fazer. O olhar da garota denúncia tudo; aquele famoso tipo de amizade que só existe por interesse em algo específico. Nesse caso é a erva o que as une, e apenas isso.-Espero que esteja melhor... nossa, esse tipo de coisa mata a gente...-Leva a mão até a própria testa, dramática.

-O que?-Karen indaga, interessada.

-A foto nua que você postou por engano.

-O que?! Como assim? Isso... é mentira!

Se Karen não estava puta, agora ela está. E deveria. Sei que Callie está mentindo, a chuto por debaixo da mesa, ela me ignora e continua:

-Serio? Meu Deus. Juro que vi o Henri West falando sobre isso no corredor mais cedo.-Finge estar pensando, o que deixa Karen ainda mais estressada. O que a faz acreditar no que Callie diz?

-Callie, para com isso.-Sussurro.

-Aquele... idiota!-Exclama, cerrando os punhos sem se importar se suas unhas postiças vão quebrar ou não. Tenta relaxar.-Ele mente! Deve ser por isso que o pai o odeia e a mãe o abandonou!

Como um robô, Callie vira o pescoço para mim e ergue as sobrancelhas, perdendo o riso. Não sei o que ela ganha absorvendo esse tipo de informação. Eu mexo a cabeça negativamente, sério. Saber disso não vai edificar a minha vida de nenhuma forma.

-É foda. Mas acho que ele não falou por mal.-Não achando suficiente, volta a colocar lenha na fogueira.

-Não! Cala a boca!-Karen tenta esconder as lágrimas de raiva e vontade de cometer um homicídio enquanto diz isso.-Eu não vou mais fingir ser namorada daquele idiota! A gente nem transa direito! Ele é um...-Levanta-se subitamente sem completar o seu protesto.-Deixa pra lá! Eu o odeio, não sou obrigada a ficar nessa porcaria de grupo!

Pisar no chão como se quisesse o perfurar parece ser a única forma que consegue andar. Karen caminha em direção a porta da sala, e para a surpresa de todos, dá de cara com Henri, que estava prestes a entrar. Ela o ignora e segue ainda agredindo o chão. Ele não esboça nenhuma reação, também a ignora. Isso deve ser bem comum de se acontecer.

-Você vacilou dessa vez.-Digo para Callie, que ri de tudo aquilo, agora não precisando mais atuar ou esconder a boca com a mão.

-Ah, relaxa. Vou resolver.-Levanta-se, tentando parar de rir. Eu não sabia que ela poderia ser tão maquiavélica assim.-Agora ele é todo seu. Meu canivete tá na bolsa, pode precisar.

Reviro os meus olhos enquanto ela sai e Henri se aproxima. Mais uma vez, o universo (ou talvez a minha colega de cabelos verdes) conspirou para ficarmos a sós. Eu estou odiando os dois envolvidos.

Não consigo nem fingir que estou interessado no livro de física, só de imaginar que ele nos mataria se soubesse dessas mentiras que Callie tem inventado para conseguir informações e se entreter.
Também lembro imediatamente de tudo o que aconteceu na noite passada. O que o fez me defender? Será que eu tenho que ser a sua vítima, e apenas sua? Sendo ou não, acho que devo agradecer de uma forma cordial. Não quero nem imaginar o que teria acontecido se não fosse por ele.

Henri arrasta a cadeira onde Karen antes estava e senta-se.
A minha ansiedade sai da minha linda mente detonada e desce pelo meu corpo, me fazendo pressionar o botão da minha caneta de uma forma repetitiva enquanto meus olhos inquietos estão no livro aberto sobre a mesa. Eu sei que o barulho é irritante, mas eu não consigo simplesmente parar.

Sei que o seu olhar está em mim, assim como sei que uma hora ou outra irá agir.

Henri paira a sua grande mão sobre a minha para me fazer parar. Vejo as marcas que entregam a confusão de ontem nos seus dedos. Seu toque não é agressivo como de costume, mas sinto que se eu pressionasse aquele botão mais uma vez, ele me faria engolir a caneta.

-Para com essa merda.-Diz, calmo, recolhendo sua mão logo em seguida.
Largo a maldita caneta e cruzo os meus braços, pois sei que estou tremendo um pouco, e não quero deixar transparecer nenhum vestígio de insegurança.

-Obrigado.-Dessa vez eu quis dizer.

Finalmente subo o meu olhar até ele, Henri não está nem aí, é bom que ele não esteja prestando atenção, pois estou começando a achar que foi loucura dizer isso para alguém que já declarou que me odeia diversas vezes. Vejo o pequeno curativo na sua sobrancelha e sinto um pouco de culpa, mas não deveria. Sei lá.

-É melhor esquecer isso. E quando for me agradecer de verdade, não esteja sentado.-Não chega nem a me olhar quando diz isso. Como eu disse, ele não está nem aí. Mas ouviu o que eu falei.
Deixo escapar um riso ridicularizando o que ele falou.

-Quer que eu agradeça como? de joelhos?

Henri me ignora. Reviro os olhos e volto para o livro, mesmo que eu não consiga nem raciocinar o que estou lendo.

-Você estaria com a boca muito ocupada para poder falar...-Sussura, baixo o suficiente para que somente ele mesmo ouça, mas eu acabei ouvindo. Meu corpo estremece quando suas palavras entram pelo meu ouvindo.
Não é uma reação estranha da minha parte quando é algo ligado a Henri.

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