Capítulo 35 - Mudança

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Percebi que eu estava meio que destruído por dentro no caminho para o quarto de Henri. Em questão de segundos eu fiquei daquele jeito, nada além de uma enorme angústia interna.
Talvez porque sei que nada disso será para sempre, tentei expulsar da minha mente a palavra "sempre", pois isso nunca dá certo para mim.

Eu voltaria para Henri, ficaríamos juntos mais um pouco, mas e depois? O que eu faria quando tudo acabasse? Pois com certeza acabaria. Se eu não estragasse tudo, ele estragaria.

Permaneci na minha relutância por algum tempo, até que fui pego de surpresa quando ouvi, em meio ao silêncio, o barulho da porta se fechando lá em baixo. O pai de Henri obviamente tinha voltado para casa. E se eu não quisesse cruzar com ele no meio do caminho teria que me esconder imediatamente, e não havia lugar melhor para isso.

Corri e abri a porta. Se eu pudesse avaliar, diria que a minha montanha russa mental estava no subterrâneo. Entretanto eu não poderia ir para casa me isolar agora, se eu fosse teria que ter uma boa explicação para dar ao Dr. West. E dessa vez eu não poderia fingir que não o vi, quando passar por ele.

Assim que entrei no quarto de Henri, comecei a girar a chave na maçaneta. Não queria nem correr o risco de ser visto e saber que mais alguém está se preocupando comigo desnecessáriamente.

-Ei. O que está fazendo?-Virei para reparar, como não tinha feito antes, Henri largou o seu celular, o qual tinha em mãos antes, e sentou-se na cama, antes deitado. Permaneci parado, de frente para a porta e segurando a chave.-Não precisa se preocupar, ele quase nunca vem aqui.

Suspirei, parcialmente aliviado, mas logo depois percebi que não era tão simples assim. Ainda estava preso em um quarto com Henri.

-Tá bom.

-Ele geralmente não demora também.

Assenti, meio nervoso.
O nosso jogo de eventualmente encarar um ao outro esperando uma reação terminou depois de alguns minutos.

-Vai ficar aí parado?-Perguntou. Só então me dei conta de como estava agindo estranho e me afastei um pouco da porta, mas ainda assim estando longe dele.-Vem cá, eu não vou te bater.

-Deve ter cansado de fazer isso, né?-Tentei não parecer muito irônico. Eu não perderia, em hipótese alguma a oportunidade de jogar algumas memórias na sua cara, mesmo sabendo que não posso pressioná-lo muito.

-Na verdade não.-Sua resposta me surpreendeu, sua expressão também, continuava com a mesma cara de quem pode cometer um crime e esquecer que o fez a qualquer momento. Eu esperava pelo menos um pouco de lamentação.-Você esperava que eu estivesse?

Voltei para a porta, olhando para o chão e desejando que o Dr. West saisse de casa logo.

-Não...-Respondi, num sussurro.

-Vai continuar aí?

Assenti, sem ao menos me virar ou levantar a cabeça. Posso imaginar que ele deu de ombros e então passou a fingir que eu não estava. Segundos depois ouvi a porta fechar novamente lá embaixo, e aquela era a minha hora de escapar.

Comecei a girar a chave novamente, com um pouco de dificuldade, pois a ansiedade tinha tomado conta do meu corpo por completo. Fazia as minhas mãos tremerem. Eu saí correndo dali, esperando não ter mais motivos para voltar lá. Não nessas circunstâncias.

*

Me arrastei da cama para vir ao colégio hoje. Início de semana é sempre um porre, ainda mais quando você deixa de não se importar com nada, e volta a se importar com tudo. Eu não posso evitar Callie e suas perguntas cheias de desconfiança para sempre. Quando me vê no corredor, corre para me alcançar.

-Esse último sábado foi bem louco...-Assinto, continuando o que estava fazendo. Só tenho que agir naturalmente e fazê-la acreditar que andou tendo alucinações, o que será meio difícil.-Como foi lá na casa do Henri?-Eu sabia que essa pergunta estava prestes a ser atirada contra mim. Callie gosta de informações, por mais inúteis que sejam.

-Normal.

-Engraçado...-Ela ri, cruzando os braços e encostando a cabeça no armário ao lado do meu, onde estou. É agora que vou precisar de toda a habilidade teatral que não tenho para sobreviver a próxima fase.-Se eu não estivesse chapada... e bebada, poderia jurar que te vi no quarto do Henri. E você estava nu.

Callie fica bêbada e chapada com muita frequência, sabe muito bem diferenciar o que aconteceu ou não. Por isso que eu temo tanto.

-O que?!-Viro-me, meio incrédulo e com cara de quem acaba de ser acusado de um crime grave.-O que você andou fumando?

-Você tomou aula de atuação aonde? É péssimo nisso.-Sua pressão em mim me faz querer sumir. Como fui burro, querer enganar a esperteza em pessoa. Fecho o armário e continuo andando pelo corredor. Para o meu azar, ela me segue-Acha que sou burra?

-Eu... não quero falar sobre isso.-Digo.
Callie ri.

-Eu tô brincando. Ainda não tenho certeza do que vi. E se estiver mentindo, você até que mente bem.

O alívio toma conta de mim no mesmo instante. Eu não deveria ter caído nessa, só vai aumentar as suas desconfianças.

-Vai se ferrar.-O alívio momentâneo me faz rir, mas é só questão de instantes, pois volto a ficar aflito quando o vejo caminhar na minha direção.

Meus passos reduzem pois minhas pernas pesam agora. Estava concentrado nas conversas dos seus amigos, e por isso não estava me vendo. E quando me vê, nada muda. Me ignora completamente. E eu não esperava isso.

Esperava ser empurrado, insultado ou algo assim. Ele simplesmente fingiu que não estava me vendo. Não posso considerar isso um progresso, pois não acredito em progressos quando em relação a ele. E tenho certeza que não podemos seguir a diante com o que secretamente acontece entre nós, então passo a considerar isso como um nada, pois não acredito que ele seja capaz de mudar realmente.

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