Capítulo 31 - Consulta

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Acordei um pouco mais cedo com o alarme do celular lembrando-me que a consulta com o médico (vulgo, pai do Henri) será hoje e eu tinha esquecido completamente que tinhamos marcado de fazer um raio-x nos meus pulmões para ver se está tudo bem.

O Dr. West concordou em marcar um horário no fim da tarde para não atrapalhar os meus estudos. Eu bem que queria chegar atrasado mais uma vez, mas acima de tudo, eu bem que queria não ir na consulta. O pai de Henri me viu sair da casa dele naquele dia, seu olhar era de confusão, deveria imaginar que não temos absolutamente nada em comum para sermos amigos, e ainda que tivéssemos, porque eu estaria saindo de lá naquele horário? O sol mal tinha nascido.

Tenho convicção de que ele vai questionar indiretamente, tenho um tempo para tentar inventar alguma coisa, dessa vez será extremamente necessário mentir.

*

-Sobre o que conversaram quando ficaram a sós?-Pergunta Callie, momentos antes de 12:30. Tenho evitado falar sobre Henri o dia todo. Na verdade, tenho o evitado o dia todo. O vi de longe algumas vezes, e se de longe já me causou arrepios, imagina se me bato com ele. Tenho que ser cuidadoso.

-Ele me mandou calar a boca e eu calei.-Respondo, tendo ciência de que aquele momento na sala de aula não foi o único que ficamos a sós. Não parei de pensar no que aconteceu na biblioteca. Eu realmente me entreguei e não consigo me arrepender, pelo menos não completamente. Eu estava com medo de alguém nos ver, mas acho que isso contribuiu para o prazer tão grande. O sinal que indicava que o treino começaria o fez parar de me beijar, mas isso não parecia estar nos seus planos. Durou pouco tempo. Henri então se afastou e saiu da biblioteca como se nada tivesse acontecido, e eu fiquei lá mais alguns minutos de pernas bambas e com o coração acelerado.
Eu tentei com todas as forças me arrepender daquilo, tentei colocar na minha cabeça que ele é desprezível, tentei parar de pensar nele, mas não consegui.

Sua imprevisibilidade e intensidade agressiva me atrai a cada vez que fujo, e quando me dou conta já estou de volta.

-Cara, imagina aquele garoto transando.-Callie me faz corar. Tenho medo que meu olhar perdido me entregue. Dou de ombros.-Com toda aquela agressividade...

-Tá bom, já chega. Agora sou eu quem vou te mandar calar a boca.-Digo, interferindo na sua tentativa de provocação para conseguir informações. Interferindo também nos meus pensamentos idiotas. Não vou deixar de acha-lo desprezível por todo esse tempo de humilhação contra mim.

-Vocês precisam ficar sozinhos mais vezes.-Callie ri.

-Olha! São são 12:25, pode ir, não vou sentir falta.-Aponto para o seu relógio de pulso de cor rosa.

Eu detesto quando Callie começa a falar de Henri. Estava tudo bem enquanto ela falava sobre como o Ian do time está aos seus pés depois daquela noite e como ele não quer que ninguém saiba disso. Mesmo que eu não tenha utilidade para essas informações. Levanta-se e sai, murmurando alguma coisa. Provavelmente reclamando do suco.

Esqueço como se ouve quando vejo Henri chegar ao refeitório. Está acompanhado dos seus amigos, e aquele garoto que saiu na porrada com ele dias atrás também está no meio. Eles são esquisitos, brigam até quase a morte em um dia, são suspensos, e voltam a andar juntos como se nada tivesse acontecido. Bem, acho que é assim que tem que ser para lidar com Henri; ignorar os seus vacilos e seguir em frente com ele.
Eu não sei se estou pronto para isso.

*

Sou o último a sair da sala na última aula, de biologia, quero ganhar tempo para não ficar esperando na recepção do consultório. É tão insuportável ouvir pessoas conversando entre si sobre seus problemas pessoais e de saúde como se só elas os tivessem.

Estou indo bem em recuperar as notas perdidas, ainda que seja difícil precisar da ajuda daquela tal de Laurie que tem tendência a ser psicopata. O professor sugeriu que eu usasse o caderno dela para copiar as lições perdidas, eu não aceitei, mas depois não tive escolhas pois é o caderno mais organizado da classe. Me arrependi de ter faltado tanto.

Guardo o meu último livro quando ouço passos atrás de mim. Eu sei que poderia ser qualquer pessoa, mas eu sei também quem provavelmente deve ser. Quem quase sempre é. Sinto um breve frio na barriga.

-Não está com pressa?-Pergunta, realmente querendo saber.

Não viro para ver, como sempre, eu não sei lidar com uma pessoa que já declarou que me odeia mil vezes, porém já me beijou duas vezes e um dia me convidou para dormir junto.

-Na verdade sim.-Tento ser breve, quero sair dessa sala imediatamente. Não quero ter mais algum motivo para não conseguir dormir de tanto pensar.-Mas acho que isso não é da sua conta.

-Me diz para onde está indo.-Pelo visto a minha resposta não o afetou. Continua no seu humor neutro.
Silêncio. Não sei o que dizer para mentir, e não posso dizer que vou me consultar com o seu pai. Isso seria arriscado de mais a julgar pela relação dos dois. E eu também não quero dar satisfação da minha vida para Henri, não vejo motivos para isso.

Tenho que dar um jeito de sair daqui. Já até terminei de guardar os meus livros e permaneço de costas para ele, fingindo ainda estar ocupado. Isso está ficando ridículo.

-Diz logo.-Algo me diz que a sua paciência tão curta está chegando a um certo limite crítico. Acho que quase sempre sou responsável por isso, mesmo que não queira ser.-Você sabe muito bem que é melhor dizer.

Respiro fundo, após fechar o zíper da minha mochila, já não estando mais curvado para alcança-la no assento da cadeira.

-Na verdade... eu não sei...

Volto a ouvir os seus passos em minha direção. Aquela sensação que eu tinha quando ele estava prestes a me agredir ou me ridicularizar volta a me atormentar. Sinto como se o meu sangue tivesse congelado.

Tudo muda quando sinto a sua respiração na minha nuca. Agora sinto aquele maldito frio na barriga. A sensação de quando não sei o que está prestes a acontecer.

Suspira. O fato de saber que está tão perto assim já me deixa fora de mim.

-Está arriscando de mais, sabia?-Ouço o seu sussurro incrivelmente calmo no meu ouvido. Essa é uma das coisas me fazem querer fazer o que jurei que nunca faria. Eu não posso continuar desejando-o, ele está claramente me fazendo uma ameaça. Mais uma vez. Continuo ignorando isso.-É melhor ter cuidado.

Quando termina de falar, deixa um beijo no meu pescoço e sai. Me deixando também com um sentimento idiota de desejo. Tudo o que eu queria era não sentir isso, mas é inevitável. Vai continuar acontecendo, eu tenho certeza disso.

*

Não precisei ficar nem cinco minutos esperando na recepção do consultório. Fui logo atendido pelo Dr. Pai de Henri, e eu ainda não sabia que cara usar quando entrasse na sala. Sequer tinha pensado no que dizer, caso ele perguntasse o que eu estava fazendo na sua casa, já que seu filho estava dormindo.

A consulta termina, fizemos o maldito raio-x, e diferente do que eu esperava, ele não perguntou. Deve ser muito profissional para isso. Sinto um breve alívio quando estou prestes a alcançar a maçaneta da porta para sair da sala.

-Ei, Kody, espera aí!-Penso em ignorar e seguir pela porta já aberta como fiz naquele dia, mas talvez seja melhor não fazer isso. Dr. West é bem gentil, sinto que não merece. Fecho a porta e dou a meia volta, confiando em mim mesmo para inventar uma boa desculpa na lata.

-Sim?-Fico de pé na frente da sua mesa, ele está sentado na sua cadeira giratória do outro lado desta. Continua olhando para a minha cara. Tento parecer apressado, constantemente olhando a hora no relógio do celular.

-Você... deve conhecer o meu filho, não é?-Penso bem antes de assentir, mas acabo fazendo isso. Ele prossegue.-Pode me dizer a quanto tempo vocês são amigos?

Agora ele me pegou. Tenho mil coisas na cabeça, mas nenhuma delas é uma boa resposta. Tento imaginar aonde ele quer chegar com essas perguntas.

-Nós... não somos amigos.

Assente, meio satisfeito, mas ainda assim não parece aliviado.

-Bem, antes de qualquer coisa, tem algo que você precisa saber sobre o Henri. E que ele provavelmente não te contou...

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