Capítulo 21 - Vítima

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Ontem, decidi finalmente jogar fora aquele pedaço de papel que tanto tirava o meu sono logo depois daquela aula em que descobri (da pior forma possível) que não foi Henri o responsável. Na minha última ida ao psicólogo, antes mesmo de encontrar o maldito bilhete, ele disse que eu deveria me livrar de coisas que me remetem a momentos dolorosos, e aquilo me fazia lembrar que Seth estava morto. Mas não só isso, também me fazia lembrar que tinha alguém satisfeito por isso.

Eu realmente quero tentar continuar vivendo pois é o que Seth ia querer, talvez fosse a única coisa que ele iria exigir de mim, e não lágrimas durante o silêncio da noite ou ficar culpando a mim mesmo, por mais que eu ainda me sinta responsável pelo que aconteceu. Ele me amava e fazia questão de deixar isso claro, o mínimo que eu posso fazer é me manter vivo.

-Eu não dormi nadinha.-Callie me alcança no corredor com um óculos escuro e de bordas cor de rosa enorme no rosto, mesmo estando dentro do colégio.-Seu amiguinho fez uma barulheira ontem a noite toda.

Faço uma cara de nojo.

-Me poupe dos detalhes.

-Não. Dessa vez sua mente poluída está enganada.-Tira os óculos relevando suas olheiras como quem não dorme há meses.-Acho que ele estava brigando com o pai. Pela décima vez. Na semana.

Não deixo de imaginar os supostos motivos. Será que Henri é tão genioso em casa quanto é no colégio? Se sim, esse provavelmente é o motivo. Lembro de Callie ter me dito antes que o pai batia nele quando era menor, mas não levei a sério. Eles são vizinhos há um bom tempo, mesmo as casas sendo tão diferentes. Fiquei sabendo também que o seu pai é um médico bem sucedido e gentil -bem diferente do filho, por sinal- imagino que Henri sempre tenha sido bastante problemático, por isso as surras (ainda que não justifique).

-Motivos não devem ter faltado.-Opino.

-Se bem que...-Callie leva a mão até o queixo para pensar.-O valentão até que era bem quietinho quando era criança... ele pode muito bem ser a vítima dessa história.

Reviro os olhos imaginando que ela só pode estar de brincadeira.

-Dificil de acreditar.- Digo. E é realmente impossível enxergar Henri como uma vítima, independente da situação.

*

-Acho que a Karen está com algum problema de auto estima, as meninas disseram que ela fica horas no espelho do vestiário olhando para os próprios seios.-Cami decide ser totalmente aleatória com mais uma de suas fofocas. Ela vem me fazer companhia (mesmo que eu não peça) quando Callie dá a sua saidinha de 12:30. Eu não sei como lidar com Camille estando sozinho com ela. Tudo o que eu posso fazer é assentir enquanto ela conta sobre a vida de todo mundo que conhece.-Ela é tão bonita...

-Ela não deveria. Eu pareço uma tábua e as vezes me sinto gostosa.-Para a minha sorte, Callie acaba de chegar. Eu já estava ficando desconfortável.-Essas garotas são obcecadas por beleza,

-Não.-Determino. As duas viram-se para mim, surpresas.-O namorado tá... ferrando com a auto estima dela.

Eu não estou mentindo ou tentando criar motivos para crucificar Henri. Eu pude ver na aula de ontem como ele a trata, seus comentários desnecessários me deram náusea. Ela é muito bonita, sei que sua aparência não é um problema, e eu acho que ele está criando motivos para justificar algo injustificável.

-Meu Deus...-Cami finge estar impressionada. Nada nela tem sido espontâneo ultimamente.-Ainda bem que o Louis me trata como uma princesa.-Sopra um beijo para o seu namorado na outra mesa, tento não rir enquanto ele finge que o pega no ar.

Callie lança um olhar desdenhoso e nada discreto de baixo para cima no garoto do outro lado do refeitório e então volta a falar.

-Quando eu a segui na aula de física ontem, a encontrei chorando no banheiro... ela mandou eu cair fora.

-Ah.-Digo.-É claro.

-Aí eu ofereci um baseado para ela e tive que ouvir um resumo do seu relacionamento.-Callie tira de sua bolsa uma garrafa de água, mas sei que o líquido alí dentro é vodka.-Sei lá, ela tava falando que acha que ele é gay.

-Essa história é velha, ele não é.-Cami decide. Cruzo os braços e deslizo na cadeira. Eu não tenho certeza de nada, mas não contaria o que aconteceu naquele dia, no vestiário, nem se fosse para expulsar Henri do país. Talvez ele tenha algum problema em encontrar a sua sexualidade, e a última coisa que ele merece por isso é julgamento de quem não entende nada sobre o assunto.

*

O corredor que dá para a saída do colégio costumava ser como o caminho para o céu quando eu estava prestes a encontrar Seth na cafeteria, agora tanto faz. Eu nem tenho mais pressa.
Minha mente está como uma montanha russa, subindo e descendo constantemente, e quando desce é um pouco de mais do que deveria, toda vez que lembro da noite em que perdi Seth. Quando lembro também que não vou vê-lo mais, ou tocá-lo. E quando (dificilmente) me deixo esquecer por poucos minutos, fico relativamente melhor.

No momento, quando a minha montanha russa mental está lá em baixo, ouço Callie falar sobre como está um porre na sua casa, totalmente desatento.
Henri esbarra comigo, talvez seja proposital, ele costuma fazer isso, e se estou fora do ar, volto instantâneamente. Acontece com tanta frequência que posso saber quando ele está irritado e quando não, e ele está, por algum motivo.

-Olha por onde anda! Garotinha!-Não saio do sério quando ele me provoca, mas depois de ter me chocado contra ele, desequilibro um pouco e acabo me batendo com alguém que também andava no corredor. Para a minha sorte, Henri segue o seu caminho.

Vejo a pilha de livros e cadernos no chão e já sei de quem se trata, aquela garota que é líder da turma. A que me abordou estranhamente outro dia.

-Me desculpa!-Abaixo para ajudar a recolher os seus livros.

-Tudo bem...-Diz, arrumando o seu óculos na cara.

Estico o braço para alcançar o seu caderno que caiu um pouco mais longe e algo me ocorre imediatamente. Como eu não fui capaz de reparar antes? Porém, me sinto perdoável, pois acho que eu jamais imaginaria.

As folhas do seu caderno são idênticas a usada naquele bilhete esquisito que encontrei no meu armário. Suas letras são iguais a do bilhete. Minha mão vacila antes de encontrar o caderno e ela o alcança mais rápido.

-Muito obrigada! Que Deus te abençoe.-Levanta-se e vai embora enquanto permaneço estático onde estou. Vários "por ques" Me ocorrem, tipo, um milhão de vezes. Eu deveria ter perguntado logo, mas simplesmente travei.
Que droga.

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