Capítulo 37 - Covarde

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Acordei mais cedo para visitar Seth no cemitério. Seu mês de luto está chegando ao fim, e só então o movimento no cemitério estaria mais calmo.

Não deixo de notar as diversas flores e velas com formatos bonitos. Ele realmente foi muito amado, pelo menos a sua vida valeu a pena, por mais curta que tenha sido. Seu túmulo em mármore é grande e tem o seu nome estampado numa placa que acredito ser ouro. Eu nunca imaginei que chegaria a ver isso um dia. Nunca imaginei o que faria ao ver isso.

Eu estou triste, mas não tanto quanto quando fiquei sabendo da notícia.
Arrisco a dizer que as vezes, até tenho uma certa falha na memória quando se trata de lembrar dos nosso momentos juntos. Já não significam tanto quanto significaram na noite do acidente. O fato é que as minhas memórias mais marcantes estão abrindo espaço para novas, essas novas as quais estão me matando aos poucos.

*

-Essa é exclusiva! Só vou contar porque confio em vocês!-Infelizmente Camille nos encontrou no banco do pátio, ainda antes da primeira aula do dia. Callie mostra o seu sorriso de orelha a orelha, estando sentada ao meu lado.-Sabem o Andrew, né?

Não que eu me importe com o que ela tem a dizer, mas sei bem quem é. É o cara que brigou com Henri no dia da maldita festa. Volto toda a minha atenção para o meu livro sobre transtornos psicológicos, não tenho muito interesse em saber o resto da fofoca.

-Sim...

Cami olha ao seu redor para se certificar de que ninguém mais pode ouvir, estando de pé a nossa frente. Ela sabe que não precisamos dessas informações, mas acho que é coisa de mais para sua mente suportar sozinha.

-Ao que tudo indica, ele e a Lizie tinham terminado.-Começa a falar bem mais baixo.-Ela ficou bêbada e ele fez um vídeo comprometedor, e está ameaçando a pobrezinha.-Sua voz apresenta lástima, mas nem um pouco de pena como pretendia. Volta a olhar ao redor.-Essa informação é confidencial, pelo amor de Deus!

-Esses caras acham que são donos de todo mundo ou o que?!-Callie levanta-se do banco, cruzando os braços e meio afrontosa.-Maldito machista! Eu no lugar dela, cortaria o pau dele e o faria engolir.

-Tudo bem, mas fala baixo!-Cami tenta manter o nível, deve estar arrependida de ter passado essa informação.-O Louis está me esperando, preciso ir. Mas lembrem-se! Não deixem essa informação vazar!

Se eu tivesse um pouco menos de problemas, denunciaria sem dúvidas.

Não conheço a sensação de estar nas mãos de alguém, e nem pretendo, mas deve ser terrível, ainda mais quando há um vídeo e provavelmente uma violação pelo meio. Me pergunto o porquê de Camille não denunciar essas coisas, ao invés de contar aos seus diários confiáveis, que somos nós.

-Inacreditável!-Exclama Callie, ainda indignada, enquanto a fofoqueira egoísta some das nossas vistas.-Nós vamos falar com o diretor agora mesmo!

-Nós?-Pergunto.-Com o diretor?

-Sim! Com certeza! Eu conheço a Lizie, ela é irmã da Karen, que provavelmente não está nem aí pra isso!-Começa a andar de um lado para o outro, isso sempre vem seguido de uma consequência devastadora. Fecho o meu livro.-Não se ignora um estupro!

-Nós... não sabemos se houve um estupro.-Tento remediar.

-Ele mexeu no corpo dela sem permissão. Houve um estupro.

Percebo que Callie tem razão. Mas ainda não sei se devemos denunciar. Pode trazer mais problemas ainda.

-Droga.-Levo a minha mão até a cabeça, como quem tem um novo problema para tentar resolver.

-Vem, vamos lá.

*

Nós fizemos o que tinha que fazer. A princípio eu achei que seria bobagem falar com o diretor do colégio, afinal não foi ocorrido aqui. Mas o diretor disse que ligaria para os pais do Andrew e tentaria resolver a situação tensa o mais rápido possível.

E só então lembro do mais importante, o qual havia esquecido: pedir para não dizer que fomos nós quem denunciamos. Droga!

Acredito que o diretor ainda não tenha recebido os pais e nem o próprio, mas tenho medo de estar errado. São 12:30, então Callie já ganhou o seu rumo de sempre. Caminho sozinho no corredor enquanto tento ligar para ela. A ligação cai na caixa de mensagens.

-Temos que limpar a nossa barra. Me encontre na frente da sala do diretor urgente!-Deixo o recado. De tão atordoado, estava andando na direção oposta, e só então dou a meia volta.

Mas acontece que dou de cara com Henri. E isso não estava nos meus planos.

-O... que você está aprontando dessa vez?

Sou obrigado a ignorar a sua pergunta e não precisar inventar algo quando vejo o maldito do Andrew no meio do seu grupo de amigos, bem atrás de Henri, onde o mesmo provavelmente estava.

-Alguém tentou ferrar comigo. E por isso o diretor mandou me suspender do time.-Diz, enquanto esvazia o seu armário. Imagino que ele tenha sido suspenso das aulas também. Não está nem um pouco bem humorado. Alguém sugere que foi a própria Lizie, mas ele nega imediatamente. Diz que ela não teria coragem.-O diretor vai acabar dizendo quem foi, e é melhor mesmo! Eu vou matar o filho da puta!

Henri segue o meu olhar meio aflito e o encontra. Já deve imaginar do que se trata.

-Porque caralho você fez isso?!-Pergunta, voltando a virar para mim e tentando falar baixo.

-Eu não tive escolhas.-Digo, mas a minha voz não sai direito.

O outro garoto furioso e denunciado fecha a porta do seu armário com a força de quem ensaia um soco. É só questão de tempo até que eu seja a próxima vítima no lugar do armário.

-Sai daqui agora.-Henri volta a me dizer, meio bravo comigo. A princípio fico confuso, mas faço o que pediu imediatamente. Quando já estou no fim do corredor, viro para trás para ver o que acontece, estando seguro para correr se necessário.-Fui eu.-Diz, dando meia volta e indo para o seu grupo de amigos. As reações são umas mais confusas do que as outras. Eu não acredito que ele está fazendo isso.-Eu contei. Você está sendo um babaca, cara.

O outro cara parte para cima de Henri, ao contrário daquela vez no dia da festa desnecessária de Callie. Os ânimos se exaltam no corredor. Aquele famigerado círculo de gente forma-se ao redor da luta, me impedindo de ver quem está em vantagem. Eu odeio isso estar acontecendo. Eu odeio ter sido o pivô de tudo isso. Não consigo deixar de me sentir um covarde pelo que causei.

Henri está me salvando mais uma vez.
Será que isso é suficiente para mostrar que ele se importa?

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