Capítulo 20 - Questão

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-Quem seria doente o suficiente para fazer isso?-Callie me pergunta, mais inconformada do que eu, enquanto analisa o pedaço de papel.

-Quem você acha?!

Pensa.

-Não... ele não faria isso.-Levanta-se da minha cama, onde estava sentada, nervosa como quem tenta resolver um enigma. Eu não tiro a sua razão, por mais que tudo indique que foi Henri, parte de mim gostaria de averiguar essa história. Mesmo que eu tenha tentado evitar tudo o que me lembre Seth para não ter outra maldita recaída.

Foi o que aconteceu ontem quando cheguei do colégio, corri para o quarto e chorei até dormir. A minha regra é: só chorar quando estou sozinho, e funciona muito bem para não parecer que sou sensível e que preciso de ajuda. Eu tenho trauma de ajudas.

Eu estava determinado a não ir para o colégio, mas Callie veio até aqui me arrastar para fora da cama novamente. Minha mãe agradeceria, se não tivesse muito ocupada olhando estranho para a única companhia que tenho agora.

-Ele faria, sim.

-Acho que só vamos descobrir se compararmos as letras, sei lá, podemos roubar um caderno dele.-Esqueci de ressaltar que parte de mim também quer (muito) que não tenha sido Henri o responsável. Eu não sei porque, só não quero, por mais improvável que seja. A idéia brilhante de Callie não me parece tão ruim, tirando a parte de roubar.-Acho que os ciúmes dele não são tão doentios a esse ponto.

*

Na aula de física, o professor nos obrigou a juntar os grupos formados ontem para começar as pesquisas e estudos juntos. O que o faz acreditar que trabalhar juntos funciona nesse lugar?

Eu odiei a idéia. Nunca falei com aquela garota, a Karen, ela parece ser do tipo que lhe ridiculariza com um único olhar, mas ainda assim não sabe quanto é dois mais dois. Sobre Henri, não estou preparado para ouvir as suas piadas idiotas de jeito nenhum, e não quero ter que compartilhar o mesmo lugar que ele depois daquele bilhete de ontem. É capaz de ele perguntar se eu gostei.

Levo as minhas mãos até o rosto e começo a deslizar na cadeira. Eu estou tão cheio de tudo, a minha paciência está por um fio e o universo parece estar me testando para ver o quanto consigo suportar antes de gritar com todo mundo.

-Oi! Que bom te ver vestida!-Ouço Callie dizer em meio ao barulho de cadeiras arrastando por toda a sala.

-Me deixa em paz, sua psicopata!-A paixonite de Henri não parece muito bem humorada, e a sua resposta faz Callie rir. a garota está ao ponto de sair correndo dessa sala, imagino que ela não tenha questionado porque precisa de notas boas para continuar como líder de torcida, e se alguém questionar alguma atitude desse professor, ele cria motivos para descontar pontos.-Não me estressa.

-Não precisa pedir duas vezes.-Callie pisca para ela.

Quando percebo que Henri se aproxima, abro o meu livro e o levo até a altura dos meus olhos para não vê-lo. Agora quem quer sair correndo sou eu.

-Ah, finalmente. Nem tinha te visto chegar.-Karen questiona.

Do meu lado direito, vejo de canto de olho, Callie com a mão sobre a boca lutando para não rir e observando toda a situação.

-Tá precisando de óculos.-Ele responde.-Ou talvez de um par de seios maiores.

-Dois a um!-Exclama Callie, contando os pontos, sem ao menos ser convidada no assunto, dessa vez quem se prende para não rir (ou a chutar por baixo da mesa) sou eu. Ainda bem que não tirei o livro da cara, por enquanto.

-Vai a merda!-A garota perde a paciência.

Eu estava muito bem escondendo a minha cara com o livro aberto até que a minha "amiga de cabelos verdes" o arrancou das minhas mãos. Meu olhar perdido vê imediatamente que estamos em círculo em volta de uma única mesa. Karen está de braços cruzados desejando estar em um shopping e Henri, a minha frente, escreve algo no seu caderno. Tento enxergar a sua letra para compará-la á do bilhete mas não consigo por estar um pouco longe de mais.

-Cara, quem se importa com velocidade, quilômetro por hora e essas coisas?-Questiona Callie, não tendo respostas, enquanto lê o livro que antes estava em minhas mãos.

-Ei. Sinto muito... pelo que rolou.-Para a minha surpresa, a patricinha mal humorada do lado esquerdo, a frente de Callie, começa a me dizer o que eu não esperava ouvir de mais ninguém. Eu realmente não preciso lembrar de Seth mais do que já lembro a todo momento. Ergo um dos cantos da boca fingindo sorrir.-Pelo menos ele saiu do armário antes de morrer... não era um covarde.-Ela já não está mais tentando me consolar, diz isso olhando fixamente para Henri que permanece focado na sua pesquisa no caderno. Está, de alguma forma, tentando atingí-lo. Mas por enquanto ele a ignora. Me comunico através de olhares com Callie, ela está tão surpresa quanto eu.-Aliás, qualquer pessoa que se esforça para não fazer uma garota se sentir mal por conta do próprio ego não é um covarde.

Quando percebo que a discussão passou para o lado pessoal por completo, começo a folhear um livro que está sobre a mesa e nem é da matéria.

-Se sentir mal por não ser atraente o suficiente?-Henri deixa evidente o seu lado cínico com esse comentário desnecessário.

Karen levanta-se e sai, de punhos cerrados e pisando tão forte no chão que seria capaz de perfura-lo. Nem se importa com as reclamações do professor.

-Ei! Você não pode falar assim com uma garota, por mais que ela seja... surtada.-Sem aviso prévio, Callie levanta-se também e a segue. Provavelmente irá colocar um pouco de lenha a mais na fogueira. Eu detesto o fato de ela ter me deixado sozinho com Henri, e que não sei como agir.

-Fala alguma coisa, eu não vou te punir por isso.-Suas palavras, que saem espontâneamente depois de alguns minutos de silêncio, me fazem congelar por um milésimo. Mas não tira os olhos do seu caderno.-É só não me tirar do sério... como ela.

Suspiro profundamente.

-Eu sei que foi você.-Deixo as palavras escaparem de mim. Henri é esperto e não questiona, espera pacientemente até eu terminar de falar.-O bilhete...

Tiro o pedaço de papel amassado do meu bolso e o coloco no meio da mesa, só perto o suficiente para que ele possa esticar o braço e pegar. Não quero me aproximar muito. Só então tira os olhos da sua pesquisa, primeiro me encara e depois desce o olhar até o manuscrito.
Pela sua expressão, ele nunca tinha visto aquilo antes. Eu não sei se ele só sabe fingir muito bem e está usando a sua habilidade agora, mas isso me causa um tipo de alívio esquisito.

-Não fui eu.-Diz, pensa um pouco e então volta para o seu caderno.-Mas seria uma boa idéia.

-Só pode ter sido você!-Insisto.
Henri volta a me encarar, a diferença é que dessa vez ele parece um pouco menos cínico e um pouco mais irritado.

-Cala a boca. Eu já disse que não fui eu!-Sem a paciência de antes, bate com toda a força o seu caderno na mesa a minha frente para que eu possa comparar a sua letra. E realmente não condiz.-Eu não ligo nem um pouco para o seu namoradinho morto! E se não quiser acompanhá-lo, é melhor parar de inventar coisas!

A referência ao acontecimento no vestiário é indireta e quase invisível, mas a precebo. Deve achar que ainda posso chegar a comentar com alguém.

A minha duvida é ainda maior quando sei que não foi a minha suspeita principal, agora não faço a menor idéia de quem tenha sido o responsável. Avisto Callie voltar com a garota não tão mal humorada o quanto estava quando saiu. É bom não estar mais sozinho com o indivíduo que por mais que tenha voltado para a sua pesquisa, eventualmente me encara, sem se importar se percebo, e me deixa desconfortável. Há um milhão de coisas no seu olhar.

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