Capítulo 19 - Escolhas

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Depois de uma semana inteira sem ir ao colégio e raramente saindo do quarto, decidi finalmente pegar o computador para dar de cara com o milhão de mensagens no mural de Seth. Ele era muito amado, totalmente o contrário do que sou. Me pergunto o porquê de ele morrer, e não eu.

Vejo seu sorriso nas suas fotos que trazem as nossas memórias de volta. Foi tão pouco o tempo em que ficamos juntos.

O seu enterro foi a uns três dias atrás, e eu não fui. Estava apagado com a cartela inteira de calmante que tomei para finalmente dormir, e para ser sincero, não me arrependo. Não aceitaria ocupar o cargo de "amigo mais próximo" que eu teria aos olhos de todos.

-Oi!-Para a minha surpresa, vejo Callie entrar pela porta do meu quarto logo cedo. Deve ter cansado de mandar várias mensagens e não ser respondida. Eu não respondi ninguém nos últimos dias, mesmo que pessoalmente. Ela não muda seu jeito para tentar ser cuidadosa e falar comigo. Eu agradeceria por isso.-Você precisa de um banho, pelo amor de Deus, tenta melhorar logo.

-Vou tentar.-Fecho o meu notebook e o coloco de lado.

Callie senta-se no sofázinho que fica ao lado da janela.

-O diretor mandou falar que... se você não for, pode ser reprovado. Eles não aceitam atestado de luto. E mandou também a sua mãe começar a atender o telefone.-Ela ri, não ligando muito para a situação.-Ah, e eu soube através do jornal. Colocaram até uma foto bonita dele.

-Todas as fotos dele eram bonitas.-Sorrio, mas logo o meu sorriso vai embora. Talvez essa seja a primeira vez que sorrio em dias, os medicamentos que me privam da minha total noção não me permitem lembrar.

-Você tava apaixonadão...-O silêncio toma conta de todo o meu quarto. Acabo de descobrir que o silêncio é nocivo para mim, e principalmente quando é após algum assunto relacionado a Seth. Eu lembro de todos os momentos com ele, com clareza, e é isso o que me destrói.-Mas...-Callie pula de onde estava sentada.-Agora precisamos dar um jeito nisso. Hoje é segunda, e eu estou encarregada de te levar para o colégio, você é o único amigo que eu tenho.

Penso muito antes de decidir ir ou não. Pra ser sincero, eu não quero ir. Estou totalmente sem paciência, e qualquer piada que Henri fizer quando eu passar por ele no corredor, resultará em um "foda-se" imediato. Eu perdi a melhor parte de mim, e ninguém tem noção disso.
Eu também não me importo em reprovar ou no que o diretor acha, na verdade eu não me importo com nada. Só com as lamentações de "eu sei que seu amigo era muito especial para você..." da minha mãe quando ela chegar do trabalho no final da tarde e descobrir que não fui ao colégio. E então ela começa a chorar e lembrar de quando perdemos o meu pai, e foi assim durante toda a semana. Eu não aguento mais. Eu quero ser forte, por mais que eu não seja.

Levanto-me.

-Eu não vou te abandonar.-Digo, ensaiando um sorriso.

*

-Eu quero grupos de estudos, no máximo quatro pessoas para a próxima aula! Vocês são lentos de mais para trabalhar individualmente!-Exclamava o professor de física na frente da sala de aula. As vezes acho que ele só consegue falar gritando, e o fato de todos o ignorarem contribui com isso as vezes. Callie lança o seu olhar malicioso para mim. Eu nem sei o que significa e já estou com medo.-Vamos! Alguém para começar a escolher?!

Callie levanta a mão. Logo em seguida alguém levanta também, mas o professor pede para ela escolher primeiro.

-Bem, o Kody me escolheu, então faltam mais duas pessoas. Eu escolho a Karen. Ela parece ser bem esperta.-A princípio, volto a olhar para Callie, ela está com aquela mesma expressão maliciosa, encarando indiscretamente a garota na frente da sala. A tal de Karen vira-se para trás e a olha com uma cara indignada de "como você ousa fazer isso?!".

-Karen? Escolha mais alguém.-Pede o professor.

Não sou capaz de ver, mas posso imaginar que ela revirou os olhos antes de falar. Também ouço-a murmurar algo tipo "que saco".

-Bem, já que não posso fazer nada pra mudar isso, vou fazer para animar um pouco.-Suas amigas riem.-Escolho o Henri.

-O que diabos você está fazendo?!-Tento sussurrar para Callie que novamente "esqueceu o livro" e está sentada ao meu lado. Eu sinto uma leve e controlada vontade de matá-la por ter colocado indiretamente o Henri no nosso grupo.-Você nem conhece aquela garota.

Callie vira-se para mim rindo da minha reação.

-Claro que conheço. Já vi os seios dela através da minha janela.-Dessa vez sou eu quem reviro os meus olhos.-E eu sabia que ela ia escolher o bonitão lá, quero acompanhar essa novela de perto.

Existem pessoas malucas, pessoas esquisitas e existe a Callie, que supera a todos.

Meus olhos correm até Henri no fundo da sala e do outro lado. Pelo visto ele não gostou muito do seu novo grupo de física, sua cara é de quem odeia a todos. Bem, pelo menos sei que ele não me odeia... não completamente.

*

-Oi! Sinto muito pelo seu... namorado, pode contar comigo para qualquer coisa.-Para a minha surpresa, de repente aquela garota que é representante da turma e só então descobri que se chama Laurie na chamada de hoje tenta me consolar quando me encontra no corredor. É a terceira vez que ouço isso de pessoas diferentes, me pergunto quem deve ter contado e me dou conta imediatamente.-A sua amiga de cabelo verde disse na sala... quando os professores começaram a notar a sua ausência.

Eu sei que não posso contar com ela para qualquer coisa, e também sei que só está fazendo isso para ganhar reconhecimento e se tornar querida por todos na turma. Ninguém ajuda ninguém de graça, pelo menos não na minha vida.
Assinto, agradecendo pela consolação desnecessária.

-A minha igreja tem um grupo de apoio e oração, se quiser comparecer me procure que eu te passo o endereço! Todos são bem vindos.-"Todos?" Penso. Não vejo muito sentido em me juntar com pessoas para falar dos meus problemas e de como estou lidando com eles. E se por obséquio alguém quiser me fazer achar que tem algo errado com a minha sexualidade por causa do que algum ser divino supostamente determinou, eu vou ficar puto da vida.

Volto a assentir deixando o lugar imediatamente antes que ela comece a recitar algum versículo.

*

Henri até que me deu uma folga por hoje, talvez seja essa a sua forma de mostrar condolências. Eu mal o vi fora da sala na aula que tivemos juntos e isso é quase um milagre.
Abro o meu armário com um pouco de dificuldade por conta dos livros que carrego por ter que repor as aulas que perdi, Callie me emprestou o seu caderno e espero entender suas letras. Nas poucas matérias que não temos juntos, terei que me virar para encontrar alguém de boa vontade que possa me ajudar.

Vejo um pequeno bilhete escrito em um papel rasgado cair como uma folha de outono de dentro do meu armário quando o abro por completo. Tenho certeza de que alguém colocou através das pequenas fendas.

Abaixo para pegar e ler o que está escrito. E nesse momento engulo em seco.

"Ele está no inferno e você irá para lá se..."

O manuscrito no pedaço de papel termina no "se", acredito que o espaço foi mal calculado e não tenho nem um pouco de curiosidade para descobrir o resto.
Eu tenho uma lista grande de quem pode ter sido o responsável, mas apenas um certo alguém está no topo desta lista.

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