Um homem alto, de cabelos pretos opacos, olhos azuis que lembram os meus, ombros largos e que é, supostamente, meu pai, vai comigo para o tal castelo uns minutos depois de o sol nascer e mostrar seus primeiros e tímidos raios.
Ainda estou confusa com tudo, mas fiquei quieta e consegui entender algumas coisas sobre a família que mora naquela cabana; quando meus "pais" se conheceram a minha "mãe" era arrumadeira no castelo e meu "pai" viajava com os seus pais, que eram curandeiros. Eles se apaixonaram e ela deixou o trabalho para viajar com ele e sua família. Mas então eu nasci e eles tiveram que ficar numa cidade distante, e quando acharam que poderiam voltar ao seu reino, ela engravidou novamente.
Na época eles não ficaram tristes por estarem fora de seu reino de origem, por conta da grande revolta. Pelo o que entendi a rainha matou o rei e tomou seu trono, assim deixando o reino ir de mal a pior. Um caos completo se instalou e eles ficaram mais que felizes em criar eu e meus "irmãos" em um reino pacífico e distante.
Eles moraram lá por anos, até descobrirem que viria o quarto filho. A "mamãe" já tinha conseguido voltar ao trabalho, mas precisou parar por conta da gravidez, e com tantas bocas para alimentar e mais as contas e o aluguel, "papai" achou melhor voltar.
E vieram para a cabana. Pequena, mas herança dos pais de minha "mãe", e menos uma conta para pagar.
No meu aniversário de 15 anos eu disse que estava pronta para trabalhar, mas eles ficaram com medo. O reino fica cada dia mais perigoso, e eles não queriam que nada de ruim acontecesse. Então fiz 16 e eles não tiveram outra escolha; eu precisaria ajudar, se não iríamos passar fome vivendo só do salário do "papai".
"Mamãe" conseguiu, com uma velha amiga que trabalha no castelo, um trabalho para mim. Apesar do reino ser perigoso, o castelo é o único lugar em que eu poderia trabalhar com mais segurança e protegida pela rainha, sendo sua empregada.
Todas essas informações eu consegui apenas escutando a família conversar. Eles amam conversar, e a Eloise que eles conhecem também ama conversar com eles. Eu dei uma desculpa de não estar me sentindo muito bem e eles entenderam.
Uma família unida, mesmo na fome, e que entende ao outro sem nem piscar. Eu nunca tive isso com minhas irmãs, às vezes com minha mãe, mas não muito. Fiquei emocionada e o "papai" resolveu que já era hora de ir.
E no caminho, levados pela carroça puxada por um cavalo de pelos marrons, ele continua contando histórias dos anos de casamento, e de como ama a família, e a mim.
Quando ele me deixa no portão do castelo, percebo que está um pouco relutante em deixar sua filha no ninho de toda a tristeza do reino. O homem alto e forte está com medo, e eu sinto uma pontada no coração; sempre quis um pai, sempre quis ter um momento desses.
Engulo em seco e faço uma coisa sem pensar. Eu o abraço. Bem apertado.
— Eu te amo, papai — sussurro para ele, mas querendo dizer ao meu pai, aquele que morreu meses antes de minha mãe decidir engravidar.
— Eu também te amo, Lizzy — ele me observa com os olhos emocionados e cheios d'água, e é assim que gravo sua imagem em minha mente.
Desço da carroça e não olho para trás ao entrar no castelo. Eu não sei se vou voltar, não sei se vou ficar viva, não sei o que vai acontecer daqui uns minutos, mas sei de agora.
Agora tenho que ficar de queixo erguido e fazer meu trabalho, e enquanto isso preciso pensar em como voltar para casa. Talvez alguém possa me ajudar, mesmo nesse reino sombrio e cheio de corvos flutuando pelo céu cinza.
O castelo é enorme e aparenta ter sido esculpido numa pedra antiga e marrom, com alguns detalhes cinzas. É muito, muito grande. Um soldado me acompanha pelo pátio, e depois pela lateral até uma porta grossa de madeira.
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O Que Os Contos Não Contam
FantasíaAyla, Eloise e Íris são trigêmeas, mas a única coisa em comum é o amor pelos livros de contos de fadas. Principalmente pelas adaptações. As três vivem em pé de guerra, sempre discordando uma da outra, mas quando Íris acha uma nova adaptação tudo mud...