17. Eloise

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— Como faço para me encontrar com a Princesa?

Ana bufa, depois de ter me olhado incrédula. Estamos há uma semana trabalhando juntas, e ela continua se surpreendendo com todas as minhas incansáveis perguntas.

— Ninguém se encontra com ela, nem mesmo os criados, que fazem a limpeza no andar do castelo reservado para ela. A rainha disse que foi um pedido da princesa, então todos seguem. Ninguém vê, nem ouve, ou conversa com a Branca de Neve.

— Tem certeza? — ouso perguntar. — Tem certeza que não há nem um modo de vê-la?

Ana olha em volta, de repente preocupada se as mulheres, que trabalham na cozinha, escutam nossa conversa. Depois cochicha bem baixinho.

— Depois do trabalho nós conversamos sobre isso. Agora, mantenha esse bico fechado.

Assinto, entendendo que falar sobre a Princesa pode ser um risco. Nessa semana eu aprendi várias coisas sobre o reino, e a principal é andar numa linha. Se sairmos dela, não importa o motivo, é morte.

A Rainha é rígida, e o reino está morrendo em volta de suas trevas. Os idosos morrem de fome, as mulheres sofrem abusos e as crianças se arrastam na lama por um pedaço de pão, ou uma moedinha.

Sem contar os impostos, que são recolhidos todos os meses, e o "Dia da Rainha". Todo domingo, às três da tarde, todos os cidadãos do reino se reúnem na praça, em frente à sacada da rainha, a a reverenciam por trinta minutos.

Ontem tive que participar, quase fui arrastada por um soldado, e corri o risco de morte umas três vezes. Eu não queria ir, não queria me ajoelhar naquele chão imundo, muito menos para a rainha. E o pior, quase sai correndo quando atravessaram uma espada no peito de um idoso que não se ajoelhou, bem na frente de todo mundo.

Foi horrível, mas me segurei e aprendi que, sendo meu destino ou não, tenho que ajudar a Princesa à sair. Somente eu sei o que pode acontecer, e não posso ficar preocupada comigo enquanto pessoas inocentes morrem.

No final do expediente, saio com Anastácia do castelo. Ficamos caladas enquanto caminhamos pela estrada de terra até sua casa, que não é muito longe da minha, nem do castelo.

É a primeira vez que ela me convida para entrar. Noutro dia, que voltamos juntas depois do trabalho, eu fui direto para a minha casa, depois que ela entrou na dela.

A casa de Ana é de tijolos vermelhos, manchados e desgastados pelo tempo. Contém dois andares, e é o triplo do tamanho da minha cabana, que fica no final da rua. Dentro de sua casa as coisas são simples, e há poucos móveis. A sala contém apenas uma poltrona e dois bancos de pedra e madeira, que rodeiam a lareira.

Existem portas para outros cômodos, e pelo cheiro, sei que a cozinha não está longe, mas ela me puxa, pelas escadas de madeira, para o andar de cima. Consigo contar cinco portas, no corredor do segundo andar, antes de entrarmos na primeira.

O quarto que entramos é pequeno, como o que eu divido com meus "irmãos" na cabana, mas aqui há duas camas, de verdade, lareira, um armário e uma penteadeira de madeira.

Fico parada, perto da porta, observando aquele luxo, comparado ao que tenho vivido na cabana. Parece que há séculos não vejo uma cama, nem um quarto decente. Meu coração aperta de saudade, ao me lembrar de minha mãe e minhas irmãs.

— Eloise?

Desvio meu olhar para Anastácia, que está sentada em sua penteadeira, desfazendo suas tranças. Ela me observa, curiosa e preocupada. Não seria menos, estou travada na sua porta como uma estátua.

Dou um sorriso forçado e me sento na ponta da cama mais próxima. — Agora podemos falar sobre a Princesa?

Ela solta um suspiro pesado. — Sobre ver a Princesa... — Ana olha para seu próprio reflexo, ainda desfazendo as tranças. — Há um jeito, mas... Ninguém nunca tentou, então não posso te confirmar que dará certo. Mas antes de te contar, quero que me explique o porquê. Não vou te levar para a forca sem saber o porquê de querer tanto ver a Branca de Neve.

— Você disse não querer saber sobre meus segredos...

— Eu sei. — Anastácia me corta. — Mas agora eu quero saber. — ela se vira um pouco, para me olhar de frente. — Você não tem medo da Rainha, mas eu tenho. Não posso por sua vida em risco, nem a de ninguém, atoa. Ter segredos é uma coisa, já correr atrás da morte é uma totalmente diferente.

Mordo meu lábio inferior e desvio meu olhar do dela. Tento ser forte desde o primeiro dia, mas está cada vez mais difícil. Não vou desistir, não sou louca, mas estou com medo. Depois de ontem, quando vi como mataram aquele senhor, todo o medo que eu fingi não sentir veio à tona.

Anastácia volta a desfazer suas tranças, e eu aproveito que ela não está me olhando para contar tudo. Conto sobre minha vida, sobre ter acordado num lugar diferente e de perceber que tinha entrado dentro do livro. Conto sobre a história da Branca de Neve, e como posso ajudar.

No início ela fica quieta, e eu acho melhor ir embora, para deixá-la pensar à respeito. Mas ela diz para eu esperar.

— É muita coisa, mas temos que resolver isso tudo hoje. — Ana esclarece. — Me deixe pensar um pouco, só para colocar a cabeça no lugar.

— Se você acha que sou louca, eu entendo. — digo à ela, com a voz tremendo de ansiedade. — E está tudo bem... Eu só... Só quero voltar pra casa. Só me diz como faço para ver a Princesa, prometo que não vou te envolver nisso. Nem ninguém. E... Também prometa não contar para ninguém. Por favor...

Ana termina de desfazer suas tranças e prende seu cabelo em um coque alto e apertado. A menina não diz nada, nem me olha, nem demonstra nenhum sinal de que me ajudará, ou me prejudicará.

O quarto fica em silêncio por uns bons minutos, até consigo escutar meu coração, que martela contra minhas costelas num ritmo acelerado. Estou começando a pensar que, talvez, não tenha sido uma boa ideia ter contato tudo para Anastácia.

— Essa é, certamente, uma história de maluco. — Ana se vira na cadeira, e me encara. — Mas não consigo ver mentira nisso tudo... E isso me deixa confusa. Poucas pessoas sabem desse segredo, sobre como ver a Princesa. E uma dessas pessoas são meus tios, Eloise. Não sei se vale a pena correr esse risco. A Rainha, com certeza, saberá. Ela sabe de tudo.

— Se me pegarem — aviso, procurando uma forma de a convencer à me ajudar. —, juro que não falo sobre você, nem sobre sua família. Nem sobre ninguém. Se me pegarem, juro pra você, não vou tocar no nome de ninguém. Você tem minha palavra, Ana!

Ela respira fundo e desvia seu olhar do meu. — A esperança de dias melhores é o que nos faz acordar toda manhã de domingo, e se ajoelhar na frente daquela bruxa. — ela fala com a voz baixa, vejo em seus olhos o quanto está confusa, e perdida em pensamentos. — Como duas amassadoras de pão poderiam mudar o futuro de um reino inteiro?

— Pretendo correr esse risco, Ana. — Esclareço. — E pagar para ver.

Ela respira bem fundo, como se estivesse tomando mais tempo para pensar, e finalmente me responde:

— Tudo bem, vou te ajudar.

Mas a porta do quarto abre na mesma hora, batendo contra a parede, e a Sra. Renzo entra como um furacão. — Vocês não podem fazer isso!

Só de olhar para seus punhos fechados eu sei que, o que já estava difícil, ficou impossível.

O Que Os Contos Não ContamOnde histórias criam vida. Descubra agora