45. Íris

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A Fera aparece na frente da estrebaria no momento em que estávamos indo embora. Joseph pergunta ao Rei se acontecera algo, mas ele apenas nos convida para um piquenique.

— Podemos almoçar em meu jardim. — ele esclarece, muito cordial. — Está um belo dia, e eu não poderia permitir que partam sem uma refeição.

Olho para Joseph, agarrado à mim em cima do cavalo, na esperança de que negue. Prefiro almoçar duas horas depois do horário, que ficar no mesmo ambiente que a besta. Mas o loiro aceita o convite e desce do cavalo.

Hesito por um instante, antes de aceitar sua mão estendida. Minhas pernas tremem quando toco o chão e preciso me dirigir ao jardim.

Lanço comandos para meu corpo reagir, mesmo vacilante na caminhada; ninguém percebe meu esforço para manter o queixo erguido, nem minhas mãos em punho ao lado do corpo.

Observo o almoço como se estivesse assistindo pela tv.

No centro do jardim, embaixo de uma grande árvore, uma mesa redonda de seis lugares está posta com frutas, carnes, pães, geleias e o que suponho serem doces, como pudim e torta de morango. Em vez de sentir fome, meu estomago revira e eu me seguro para não vomitar nas botas do Rei.

Ele por sua vez, puxa a cadeira para que eu sente, e depois a empurra gentilmente. Sinto seu olhar sobre mim, e sua vontade, mas o ignoro o máximo possível.

Estou com um pressentimento horrível desde que ele apareceu na estrebaria de surpresa, e não posso dizer nem um A. Preciso me concentrar em não surtar.

Joseph  puxa assunto sobre como o dia está bonito, como há muito não fica por essas áreas. O Rei o acompanha, assentindo em momentos estratégicos e calculados, não sinto nem um pingo de verdade emanar dele, e isso embrulha meu estômago cada vez mais.

Faço menção de me servir suco de laranja, na mesa ao lado, mas ele faz questão dele mesmo me servir, com um sorriso educado que engana ao Joseph, não à mim. L

A Fera se levanta e vai à mesa de bebidas, fica uns segundos, enchendo meu copo, e então volta com um sorriso malicioso.

Sinto um arrepio na costela, e juro que escuto minha mãe dando sermão sobre não aceitar bebida de estranhos; ignoro tudo isso e tomo um gole do suco de laranja, que está doce e gelado.

— Espero que goste de seu suco doce, a senhorita me lembra um caramelo que derrete na ponta da língua... Seria um desperdício não oferecer mais açúcar à doce srta. Íris.

Engulo mais suco e lanço olhares urgentes para Joseph. Quase dou um grito de aleluia, quando o pego encarando o Rei, chocado com a ousadia. Posso escutar o coro dando aleluia na igreja da vovó.

— Me perdoe, majestade, mas não tenho certeza se entendi o que quis dizer à Íris.

— Só a elogiei, rapaz. — a Fera sorri para ele. — Nada demais.

Nada demais? Só faltou dizer em palavras explicitas que me queria, faça-me o favor!!!

A vontade de gritar e vomitar se misturam, me fazendo suar de ansiedade para ir embora. Preciso ir embora.

— Estão gostando do almoço? — a Fera pergunta, depois de uns minutos em silencio. Ele mal tocou na comida, como eu; apenas me fita descaradamente. — Creio que a sobremesa esteja divina.

— Fora muita gentileza de sua Majestade ter nos convidado. — Joseph o responde, bebericando seu suco. — Mas não consigo comer mais que isso.

— Receberei como um elogio, pela satisfação em comer essa comida excepcional. — e foca seus grandes olhos azuis em mim. — E a senhorita? Mal tocou na comida... Não gostou?

— Estou acostumada com a comida da Sra. Martinez. — dou de ombros, não me importando com a etiqueta, muito menos com ele.

— Agora é sua mãe, já que foi adotada por ela e seu esposo.

Assinto, não querendo conversa. Ele entende, e Joseph também.

— Não consigo sentir como se fosse minha irmã. — O loiro admite, me fitando. — Sinto que temos uma ligação forte, duradoura e linda. Somos mais que amigos ou irmãos.

Sinto minhas bochechas queimarem e não consigo conter meu sorriso.

— Todos os dias me pergunto o que farei quando você voltar de onde veio. — seus olhos brilham, pensando na possibilidade que parte nosso coração. Estendo minha mão e seguro a sua por cima da mesa. — Eu nunca a esquecerei, Íris, enquanto viver a levarei em meu coração.

Joseph se levanta de sua cadeira e me puxa junto. Perco o equilíbrio e fico tonta, mas ele me segura em seus braços e cola nossos corpos um no outro até não haver nenhum ar passando entre nós.

Uma mecha loira cai em seu rosto, me desafiando a toca-lo. Elevo minha mão e a prendo atrás de sua orelha, me lembrando das incontáveis vezes que quis fazer isso e não pude. É tão mágico, isso tudo, que parece sonho.

— Íris. — ele me chama, mudando minha atenção para seus doces olhos azuis. — Eu a amo. Não sabia que poderia sentir tal coisa, e de forma tão intensa e linda...

Sinto meu estômago reclamar, mas o ignoro, focada apenas em Joseph. Meu Joseph.

Sorrio, com tamanha felicidade em poder admitir algo que já vinha sentindo há tempos. Já nos pertencíamos desde o dia que nos conhecemos, mas devido as circunstancias não falamos nada.

Mas agora... Agora quero gritar aos quatro ventos o quanto amo esse francês do século retrasado.

— Eu te amo, Joseph. — declaro, num tom um pouco mais alto que um sussurro. — E eu... — meu estomago revira, me deixando tonta novamente. — Eu... — engulo em seco, vendo as coisas rodarem.

— Íris? — consigo ver a preocupação em seus olhos, mas não consigo falar nada. — Íris, me responda! O que está acontecendo? Vamos, meu amor, responda... Por favor, não me deixe...

Quero gritar, não por ama-lo, mas por agonia. Claro que o amo, mas agora estou desnorteada, tudo está girando e cheio de pontos pretos.

Quero gritar, pedir ajuda ao único que pode fazer isso. Não sei o que está acontecendo, mas ele sabe, Joseph sempre sabe.

Não sinto mais seus braços me segurando firme contra si, nem o vejo; tudo fica escuro e eu perco os sentidos.

O Que Os Contos Não ContamOnde histórias criam vida. Descubra agora