36. Íris

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Passo todo o jantar me segurando e evitando ao máximo falar. Joseph preenche o ambiente com assuntos que nem imagino de onde saíram, mas o agradeço mentalmente por me ajudar.

— Fora um ótimo jantar, vossa Majestade — declaro, quando nós três já terminamos a sobremesa. — Mas já passou minha hora... — finjo conter um bocejo e me levanto. Os dois também se levantam, com educação. — Tenham uma ótima noite, senhores.

Me retiro da sala de jantar e subo as escadas o mais rápido que posso.

Suponho que eles continuarão conversando por mais um tempo, o que me dá uma chance de procurar por Bela. Não vou falar com ela, só preciso vê-la, mesmo que de longe.

Percorro o longo corredor, onde se encontra o meu quarto e o de Joseph, chamando a morena aos sussurros. Mas não obtenho nenhuma resposta.

Encontro uma escada ao final do corredor. Ela é escura e estreita, mas leva para o andar de cima e talvez Bela esteja por lá. Pego um pequeno candelabro perto da entrada, e subo os lances o mais silenciosamente possível. Paro umas duas vezes, para recuperar fôlego e coragem.

Quando, finalmente, acho uma porta e não há mais degraus, paro e tento escutar atrás dela, com minha bochecha grudada na madeira gelada. Demora um pouquinho, mas consigo escutar o choro baixinho, que faz meu coração se apertar.

Procuro por uma maçaneta, mas só encontro um bocal para a chave, que eu não tenho. Não tenho como entrar... E talvez seja o destino dizendo para eu manter a boca fechada e ir fazer alguma coisa de útil.

Acordo cedo e arrumo minhas coisas o mais rápido possível. Mal dormi, ansiosa para voltar para casa e agora que o amanhã já chegou, posso ir até o quarto de Joseph e exigir que me leve de volta.

E é o que faço.

Graças aos deuses desse universo, ele já estava se arrumando também, o que adianta nossa ida. Ele apenas deixa um bilhete com o sr. Relógio, para o Rei, antes de cavalgarmos o mais rápido possível para o vilarejo.

Mal chegamos e eu já corro para meu quarto. Me lavo e troco de roupa, na esperança de esquecer por ora aquele lugar, e o choro, que me impediu de dormir.

Penso em tentar dormir, mas alguém bate na porta, tirando toda a chance que eu tinha.

— Joseph? — fico surpresa, em ve-lo na minha porta. — Não era para estar a caminho da casa de seu avô?

— Sim — ele parece um pouco nervoso. — Mas pensei em lhe convidar...

— Seu avô não gosta de visitas... — relembro a frase que ele e seus pais sempre falam.

O loiro assente, fazendo uma mecha de seu cabelo cair em seu rosto. Minha mão coça, com o esforço de se manter no lugar e não arrumar a mecha rebelde.

— Teremos outras coisas para pensar, que não seja um tal conto. Creio que será melhor escutar meu avô murmurar, que relembrar do jantar de ontem. Mas se não quiser ir, tudo bem, eu entendo...

Mordo meu lábio, tentada com o possível passeio, mas com medo do velho Barão de Riquewihr me odiar, por ir em sua casa sem ser convidada. Confesso isso ao rapaz, que me tranquiliza, e me convence o contrário.

Peço uns minutos para ele, e me troco novamente, colocando a minha melhor roupa. Não que seja fina e nova, mas comparada aos outros quatro vestidos que tenho, esse é o melhor, principalmente por sua cor num tom de azul maya.

Prendo meu cabelo num coque com tranças e cachos, que a Sra. Martinez me ensinou noutro dia, e estou pronta; para ser odiada.

Encontro Joseph na frente de casa, alimentando seu cavalo com uma cenoura. — Estou pronta. — aviso, quando chegou ao seu lado. — Tem certeza que posso ir?

— Sim. — ele sorri para mim e sobe no cavalo. — Não precisa ter medo, é apenas um velho entendiado.

— Seu avô vai me odiar, por ir na casa dele sem ter sido convidada. — resmungo, enquanto o loiro me ajuda a subir no animal.

— Não deixe que a opinião dele te afete. Há outras pessoas que, com certeza, gostam de você do jeito que é.

Assinto, mas passo todo o caminho em silencio, ansiosa demais para conseguir formar uma frase coerente.

O terreno do avô de Joseph é muito grande. Há plantações e animais, que oferecem trabalho para uma parte do vilarejo, além da casa, que é quase uma mansão, e o belo jardim.

Somos recebidos por dois empregados, um bem vestido e outro cheirando a cavalo. O bem vestido nos cumprimenta com elegância e queixo erguido, o outro nos cumprimenta brevemente e leva o cavalo de Joseph.

Como sou uma dama, ou esperam que eu seja, entro logo depois do que presumo ser o mordomo. Ele informa alguma coisa sobre esperarmos em algum lugar, mas não tenho certeza, o homem diz tão baixo, embolado e rápido que não tenho tempo de traduzir o que ele falou.

Joseph apoia sua mão em minhas costas e me guia para uma sala, perto da entrada. A sala é de um tamanho razoável e aconchegante. Há uma lareira, dois sofás, poltronas e mesa de centro. As cores são em vários tons de marrom, amarelo e rosê, tudo simples e bonito. Não vejo nada que seja de extrema riqueza, mas tudo é bem conservado e de bom gosto.

Me sento em um dos sofás, perto da grande janela, que graças à Deus está aberta e um ar fresco entra. O dia está muito quente, e com essas roupas estou derretendo. Joseph se senta no outro sofá, de frente para mim, e me observa curioso.

— Me fitar desse jeito não vai me fazer melhorar, muito pelo contrário. — o encaro de volta.

— Não precisa ter medo, Íris...

— Não estou com medo, só estou nervosa. — dou de ombros e desvio meu olhar para a janela. — O jardim parece ser muito lindo.

— Está mudando de assunto? — ele solta uma breve risada anasalada. — Sim, o jardim é lindo. Minha avó e minha mãe cuidavam dele.

— E agora?

— O jardineiro.

Bufo. — Seu avô poderia deixar a sra. Martinez vir... Ela é sua única filha, não há por quê...

— Maria sabe porquê não é bem vinda em minha casa. — me viro na direção da voz rouca do idoso. Ele entra na sala com toda sua autoridade, boa postura e queixo erguido. — A senhorita deve saber o porquê, já que está opinando na vida alheia como se fizesse parte da família.

Engulo em seco. — M-me desculpe...

— Vovô! — Joseph se levanta e anda até o idoso. Os dois se parecem, muito mesmo. — Essa é Íris. Meus pais a adotaram há umas semanas. Ela faz parte da família agora.

O velho bufa com desdém e volta seu olhar soberbo para o neto. — Bem do feitio deles mesmo. Mas se acham que vão me conquistar com essa daí, estão errados. Só você é meu neto e único herdeiro, a única coisa certa que sua mãe fez.

Me levanto e faço uma breve reverencia.

— É uma honra conhecer o senhor. Me perdoe por ter vindo sem ser convidada...

— Eu insisti. — Joseph admite, mas logo muda o foco da conversa. — Que tal uma volta pelo jardim, para que os dois se conheçam?

— Sabe que eu odeio esse maldito jardim. — o senhor reclama, revirando os olhos.

— Sei mesmo, mas o senhor também sabe o quão bem essas caminhadas fazem, principalmente quando são banhadas pelo sol da manhã.

O avô do loiro gesticula, desistindo de recusar, e logo sai da sala. Joseph vai atrás, e eu vou depois, incerta se é mesmo o certo a se fazer.

O Que Os Contos Não ContamOnde histórias criam vida. Descubra agora