Joseph Martinez me ajudou a achar uma rima que a varinha de condão nos levasse à Malévola. Mas fomos parar na frente de uma parede de raízes venenosas.
Sabemos que é impossível passar sem o consentimento da fada, mas mesmo assim cada um do grupo tem uma fumacinha saindo pelos ouvidos.
— Não podemos simplesmente ficar parados aqui! — Eloise gesticula, andando em círculos.
Vitório Lund, o caçador, está encostado numa árvor perto dela. Seus olhos não perdem um movimento que faz, totalmente atento. Minha irmã disse que eles não têm nada, mas é só olhar para os dois que dá para ver a tensão, a paixão e até o amor.
Seja o que for, eles se gostam e é evidente, com certeza ela quem está se fechando para ele.
— O que tem em mente? — pergunto, sentada num galho de outra árvore.
Me recusei a sentar no chão com Diogo e Joseph, então eles me colocaram aqui em cima e estão a minha espera caso eu queira descer, ou me desequilibre. Não temos muito tempo para descansar, mas não há o que fazer; e provavelmente vou virar pó mágico.
— Nada — ela bufa e encara a grande parede com ódio. — Se mandasse aquele corvo, pelo menos poderíamos pedir que ele enviasse um recado.
— Corvo? — Diogo pergunta à ela, depois ergue sua cabeça para me encarar confuso.
— Ela tem um corvo — explico. — ele é seus olhos e ouvidos, então Eloise tem razão. Se ele estivesse por aqui poderíamos pedir que a chamasse, ou coisa assim.
Joseph se levanta e olha em volta.
— O que acham de darmos uma volta? Talvez o corvo apareça.
— Não temos tempo — Diogo também se levanta. — Precisamos nos separar.
— Nos separar não é uma boa opção — Vitório opina. — O mais correto é irmos juntos, ou ficarmos aqui.
— Preciso entregar a varinha — lembro-lhes. — Não posso ficar muito tempo, já vai escurecer e ainda não fizemos nada.
Eloise resmunga algo consigo mesma e fica olhando para o céu, sem parar de andar.
É estranho, a ver tão expressiva. Ela sempre fora fechada, e eu aprendi a desvendar o que sentia pelo seu olhar. Agora ela demonstra tão facilmente que chego a pensar em como Íris deve ter mudado também.
Escuto um bater de asas ao lado, e vejo um pássaro pousar na árvore em que Vitório está encostado lá embaixo. O pássaro me encara, curioso, e eu engulo em seco. Nunca vira um corvo antes, mas posso apostar que esse seja um.
— Você é o servo da Malévola? — pergunto com a voz baixa para que os outros não escutem. — Poderia nos ajudar a falar com ela? — não espero que me responda e continuo falando. — Não somos desse mundo, e precisamos de sua ajuda. A fera está com nossa irmã, só Malévola é capaz de nos ajudar. A rainha má está por trás disso, e não confiamos nela para nos levar de volta para casa.
O pássaro me observa atentamente, e quando penso que irá bicar meu olho, ele voa para o outro lado da imensa parede de raízes venenosas.
Talvez eu tenha sido uma tola, mas não custava tentar; eu nunca saberia se era o certo ou o errado e isso me consumiria; uma coisa que eu não quero de jeito nenhum.
— Diogo — chamo meu noivo, que se afastou um pouco para conversar com Vitório.
Ele imediatamente volta, com os olhos em mim.
— Aconteceu algo?
— Preciso voltar — esclareço, e seu olhar muda. — Estou com medo, não posso demorar mais. Me ajude a descer, por favor.
Ele assente depois de engolir em seco, e me ajuda a descer da árvore.
— Você ainda tem tempo, raio de sol. — ele lembra.
— Eu sei — dou um sorriso de lado, tentando o tranquilizar, mas falha. — Estou com medo. Prefiro ir antes.
— E o que fará?
— Vou soltá-la e voltar para a casa da madrasta. Vou inventar qualquer coisa e, com certeza, serei obrigada a ir ao baile. — Dou de ombros, tentando fingir que não estou tocada com seu olhar preocupado. — Vai dar tudo certo. Você ajuda a achar minha irmã, e eu tento amenizar as coisas por lá.
— Se a fada madrinha ajudar Ella...
— Eu sei. — respiro fundo e olho para minha irmã, que conversa seriamente com os dois rapazes. Volto minha atenção para o rapaz de cabelos pretos e sussurro. — Não quero voltar.
Ele arregala os olhos, cheios de emoções, mas percebo que a preocupação não o deixa.
— Mas e suas irmãs?
— Daremos um jeito. — Inclino a cabeça, para o olhar mais de perto e por entre os cílios. — Sempre damos um jeito.
Diogo me segura pela cintura e me puxa para perto, sua outra mão vai parar em minha nuca e seus olhos brilham com um misto de sentimentos.
Fico na ponta dos pés e me inclino até nossos lábios se tocarem. Meu coração bate tanto que tenho certeza que Diogo o escuta.
Sua língua quente me invade ao mesmo tempo em que aperta minha cintura, me fazendo arrepiar. Aproveito para afundar minhas mãos em seus cabelos e os puxar levemente, o fazendo arfar.
Não ligo que tenha pessoas nos assistindo, só ligo para esse momento, para nós.
Só de pensar em nosso futuro juntos, sem precisar fugir ou pensar em outra coisa que não seja nós, eu sorrio. Diogo percebe meu sorriso e dá vários beijinhos em meus lábios. Sei que ele está pensando a mesma coisa; a essa altura do nosso relacionamento só de o olhar sei o que sente sem precisar falar.
— Eu te amo. — Sussurro.
Ele afasta um pouco o seu rosto para me olhar nos olhos. Sorrimos um para o outro e ele me dá outro beijo, mais intenso que o outro.
— Eu te amo, raio de sol.
— Okay, já está bom! — escuto Eloise ao longe, reclamando. — Precisamos seguir nossa busca! Nossa irmã está presa naquele castelo, com aquele doente, e vocês estão se beijando como se fosse o fim da novela!
Seguramos o riso e nos afastamos um pouco, o bastante para Diogo envolver minha cintura com seu braço.
— Preciso voltar — aviso minha irmã. — Estava me despedindo.
— Você não pode ir! — ela exclama. — Precisamos de você E da varinha.
— Mas eu vou virar pozinho mágico! — relembro, um pouco exasperada.
Ela pressiona os lábios, sem argumentos. Eu já expliquei, ela sabe o que pode acontecer, mas custa acreditar e eu não a julgo por isso.
— Olha, vai dar tudo certo. — a encorajo. — Você não estará sozinha. Têm três homens fortes e prontos para te salvarem.
— Não preciso de homens para ser salva — ela franze o cenho, e por um momento acho que vai chorar. — Íris precisa que a salvem. Que nós duas a salvemos.
— Não posso ajudar em formato de pó.
Eloise encolhe os ombros e se dá por vencida quando assente.
Vitório envolve seus ombros com seu braço, mas ela se segura para não retribuir o gesto.
— Ora, ora — escuto uma voz feminina potente e me viro para olhar.
Malévola caminha tranquilamente na nossa direção, vindo de dentro da parede de raízes, aberta como o mar vermelho fora aberto por Moisés.
Todos seus movimentos são leves. Se ela não tivesse falando nada poderíamos ter sido mortos e nem perceberíamos.
— Soube que requeriam minha presença – ela me encara com os olhos dourados mais lindos que já vira em toda a minha vida. — Pensei em ignora-los, mas resolvi dá uma olhada. O que querem de mim, crianças?
Sua voz entediada paira, esperando uma resposta, mas todos estão chocados demais para dizer qualquer coisa.
Sei que se não falarmos nada ela irá embora, ou eu virarei pó. Então respiro fundo, engulo meu medo e peço sua ajuda para salvarmos nossa irmã.
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O Que Os Contos Não Contam
FantasíaAyla, Eloise e Íris são trigêmeas, mas a única coisa em comum é o amor pelos livros de contos de fadas. Principalmente pelas adaptações. As três vivem em pé de guerra, sempre discordando uma da outra, mas quando Íris acha uma nova adaptação tudo mud...