5. Eloise

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Quando eu era criança, costumava ir ao quarto da minha mãe todas as tardes de domingo mexer nas caixas com as lembranças do meu pai. Eu ouvia as músicas que ele escutava, enquanto lia seus diários e livros e via suas fotos.

Minha mãe e minhas irmãs sabiam e já estavam acostumadas com isso. Às vezes iam comigo também e passávamos a tarde perdidas nas memórias de um homem que nunca conhecemos, e que também não chegou a nos conhecer nem saber de nossa existência.

Eu me perguntava que sentimento era aquele, e hoje eu sei que eu só estava procurando uma forma de preencher o vazio que tinha dentro de mim. Mas antes já cheguei a pensar que era saudade.

Teve uma vez que minha mãe disse que iria comigo, logo que acordamos naquele domingo ensolarado. Eu me lembro que ela queria ver se tinha alguma coisa estragada, ou que por acaso eu pegara ou perdera o que não devia. Eu tinha certeza que estava tudo em ordem e queria provar à ela que, até às coisas que eu podia pegar para mim, estavam intactas e bem cuidadas.

A deixei em seu quarto, por uns minutos, enquanto ia ao meu e pegava as antigas coisas do meu pai, que mamãe me deu. Quando voltei, todas as fotos dele estavam em cima da cama e minha mãe chorava, encostada na cabeceira. Seu choro era profundo e fazia seu corpo tremer por completo. Ela soluçava, ora silenciosamente, ora com o lamento mais triste que ouvi na minha vida.

Minha mãe nunca ficou triste a esse ponto, muito menos chorava. Até hoje é assim. Essa foi a primeira e única vez que eu a vi desse jeito, e foi também quando entendi várias coisas sobre a vida: Não tem como eu sentir saudade de algo que nunca tive. Amor existe, e se for verdadeiro e forte ele perdura pela eternidade, mesmo que tenha sido por pouco tempo.

E eu queria ter esse amor, sentir o que meus pais sentiram e saber como é essa saudade, ou o mais próximo que poderia sentir. Contei para minha mãe, nessa tarde, e ela me prometeu que oraria todos os dias para eu nunca saber como é o sentimento da saudade, somente o do amor.

Então foquei no meu amor verdadeiro. Única paixão que eu viveria e sentiria pelo resto da minha vida. Por um tempo pensei que precisaria procurar, mas logo entendi que eu tenho que esperar. E espero desde então.

É um pouco solitário, quando paro para ver meus amigos e eles estão sempre com alguém. Mas esse alguém logo vai embora, então aquela pequena inveja vai junto.

Quando David apareceu, e eu comecei a escrever as cartas para ele e Ayla, eu me apaixonei pelo o que Íris me contava. Nunca conversamos, apenas no primeiro dia, no bebedouro. Mas mesmo assim eu estava gostando de um cara que não conhecia.

Eu cheguei a pensar, por um momento, que era ele, mesmo sabendo que tudo não passava de imaginação da minha cabeça. E fiz a maior besteira da minha vida inteira; contei para a Íris, dentro de casa, onde Ayla poderia escutar. E ela ouviu, ficou irada e com razão.

Depois do surto eu tentei explicar e pedir desculpas, mas ela não quis ouvir. E ainda agora, já de tarde, está ignorando todo mundo.

Eu não a julgo, muito pelo contrário. Ayla pode ser o que for, mas ela é minha irmã antes de tudo e não fez nada para merecer isso. A culpa é toda minha e somente minha. Até Íris, que acabou se apaixonando por ele também, não tem culpa.

— Ayla — a chamo baixinho, sentada do outro lado da árvore.

Estamos sentadas na grama do nosso quintal, ela apoiada em um lado da goiabeira, lendo o livro novo que chegou. Sei que chamei sua atenção assim que apareci no quintal e me sentei no outro canto, mesmo ela não tendo movido um músculo para me olhar.

— Me desculpa, por favor... — Repito pela terceira vez hoje — Ou pelo menos pense no assunto. Eu sei que o que fiz foi errado e me arrependo. Juro.

Minha irmã suspira e me olha por sobre os ombros — Eu vou pensar, mas não agora. Estou com raiva demais para conseguir pensar em alguma coisa. E quero ler tranquila; aconselho você a fazer o mesmo.

Assinto, concordando com ela. Pelo menos vou conseguir ler um pouco e passar o resto do dia em paz.

Ayla, com seu cabelo descolorido e os olhos inchados, volta a ler seu livro. Eu vou para nosso quarto, pego o meu e me acomodo novamente embaixo da goiabeira, para fazer o mesmo, já com o coração mais leve que antes.

Ela vai pensar!

O Que Os Contos Não ContamOnde histórias criam vida. Descubra agora