História do Sono

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(Na multimídia, o professor-defunto Cuthbert Binns).

Do lado de fora do banheiro, várias crianças reclamavam sobre meu tempo de uso.

- Já vou sair! – berrei, contorcendo-me de dor.

Meu estômago dava cambalhotas e meus intestinos pareciam um pano que se torceria até extrair todo seu conteúdo. A carne enlatada vencida de ontem não me fez bem – o que era estranho, porque é o que normalmente comíamos.

Saí do banheiro e corri para o quarto, para sentar num balde. Não me deixariam em paz no banheiro, mas talvez eu pudesse sofrer em paz no quarto. Noah estava concentrada num jogo de damas contra Matthew, um dos únicos que ousava desafiá-la.

Percebi, com um desânimo frustrante, que outras crianças também estavam com dor de barriga e, para minha total desgraça, apossaram-se de todos os baldes. Uma onda de pânico começou a invadir-me, pois eu senti mais uma contração intestinal - alarme mais que vermelho para o número dois.

- Para o inferno com as convenções sociais! – exclamei, sentando no parapeito da janela aberta, dando espaço suficiente para que tudo oriundo do intestino grosso descesse livremente por ali.

Não era o local para realizar necessidades fisiológicas que sempre sonhei, mas teria que servir. Ao sentir um alívio quase imediato pós evacuação apressei-me, pois, da escada, ouviu-se um grito, que todos nos reuníssemos o mais depressa possível no pátio.

Subi minhas calças torcendo para que houvesse ao menos um pouco de papel higiênico no banheiro pra mim depois. Foi uma diarreia daquelas, com direito à queimação na saída e tudo, mas o mais importante agora era não deixar a Madame esperando.

Em fila, no pátio, um homem com uma braçadeira do governo ensopado de uma substância pastosa e fétida aproximou-se de nós, furioso. Atrás dele, numa nítida tentativa de demonstrar ser uma excelente e educada cidadã, seguia a Madame, abanando-se freneticamente com seu leque.

- Quem fez isso?! – questionou o homem.

Permanecemos olhando para um ponto fixo à nossa frente. Trocar de olhares agora só ajudaria a nos incriminar mais ainda, e todos sabíamos disso. Era uma espécie de código subliminar de irmandade.

- Viu só? São uns demônios! – exclamou a Madame, meneando a cabeça em desaprovação.

- Sim, eu percebo. – fala o homem, passando lentamente por cada um de nós.

Quando o homem passa em frente a mim, preciso lutar muito para resistir ao impulso de tapar o nariz. Dizem que o cheiro do próprio excremento não é tão sentido pelo dono – se for esse o caso, esse excremento com certeza não é meu. Talvez mais alguma criança tenha precisado recorrer às janelas, uma vez que todos os baldes estavam ocupados.

- Clara, limpe isso imediatamente! – ordenou a Madame a uma das garotas mais velhas. Ela se aproximou, receosa.

- Madame, não há baldes disponíveis. – explica Clara.

Se ela construísse um número de banheiros proporcional ao número de crianças, e parasse de oferecer-nos comida estragada, talvez não faltassem baldes.

- Viu, Sr. Morris, esse orfanato está caindo aos pedaços! Falta verba! – dramatizou a víbora.

Caso ela utilizasse o dinheiro recebido pelo governo para benefício do próprio orfanato ao invés de comprar vestidos e perfumes caros, não faltaria verba.

- Quer saber? Para o diabo você e seu orfanato! – esbravejou o homem antes de sair porta afora, dando passos largos.

Era comum que políticos nos visitassem em épocas próximas às eleições. Sempre faziam as mesmas promessas de sempre, aumento de verba, melhoria na infraestrutura para melhor atender as crianças e outras coisas que jamais seriam, de fato, cumpridas.

Uma Trouxa em HogwartsOnde histórias criam vida. Descubra agora