Cap.35 Céu cinza

10 5 1
                                    

Seus passos apressados fizeram com que tropeçasse no próprio vestido. Durante mais de um minuto, caminhou em plena confusão, não conseguia se lembrar onde ficavam as portas certas, os corredores seguiam por caminhos que nunca levavam ao destino que queria. Quando já pensava em gritar por ajuda, encontrou as escadas, descendo, afoita, a ponto de correr na direção do estardalhaço. Seu coração batia tão forte que poderia muito bem explodir seu peito de dentro para fora. Suas mãos tremeram enquanto um ataque de nervos parecia ter início. Sua mente estava abalada, fragilizada ao extremo, e todo o som apenas contribuiu para um surto mal disfarçado. 

A princesa logo estava no primeiro andar da gigantesca mansão emprestada por um nobre à família real. Yago, apesar de não ter sido convidado, se apoderou de um quarto em algum lugar da mansão, tendo seu filho como garoto de recados. Alicia sentia um frio desprezo pelo primo, e principalmente pelo tio, com sua constante impertinência. Havia retornado na mesma noite da destruição do castelo, vindo de qualquer parte da cidade que fosse suja e afastada. 

A lembrança do tio ainda surgia em sua mente, clara como se o visse nesse instante: Yago com um sorriso bobo estampado no rosto, observando o castelo em ruínas como se admirasse o brinquedo de alguma criança birrenta, cujas estruturas ele mesmo houvesse destruído. Mais tarde, após o rei ser devidamente aprontado e deitado sobre um estrado de mármore ricamente trabalhado, oferecido por mais um nobre qualquer dentre todos os que ofereciam auxílio, havia escorregado em uma poça de lama no caminho até onde Leopoldo jazia, deslizando pela colina como se não passasse de uma pedra, parando com dificuldade enquanto sua risada era ouvida por centenas de ouvidos no entorno.

No caminho até a porta, foi ultrapassada por um grupo de empregados que seguia em fila indiana, como se todos naquele reino gostassem de se movimentar tal qual um ordenado grupo de patinhos.

Ao alcançar o quintal, conseguiu ver, sobre os ombros de todos aqueles que também foram tomados pela curiosidade, uma fileira de soldados que se moviam em marcha sobre a rua com calçamento de pedra, os passos de milhares ressoando com um estrondo atordoante. 

Desde o início da elevação que levava ao castelo destruído, até o ponto onde era possível ver o início da avenida principal. A fileira se estendia por meio quilômetro e não haviam sinais de que terminava logo após. O exército que se preparava para subir era seis vezes maior que a força utilizada para deter o avanço dos escavadores. Falhando em se reunir a tempo de contar os invasores, reuniam-se agora no intuito de testemunhar a coroação da rainha regente. 

Toda a vanguarda era composta pela cavalaria pesada, reluzentes em suas armaduras brancas, montando alguns dos cavalos mais poderosos do reino. Atrás vinham os comandantes, que observavam o topo da colina como se imaginassem as expressões duras dos generais.

Oficiais de patentes menores se espalhavam atrás dos comandantes, seguidos por lanceiros de rostos inexpressivos,  carregando pesados escudos de madeira folheada com o metal especial desenvolvido pelos melhores artesãos; uma liga que absorvia o impacto de flechas e lanças inimigas com imensa eficiência. Por fim vinham os arqueiros montados, com filas de arqueiros a pé em filas cerradas entre os cavalos. 

Alicia percebeu que se tratava de uma formação de guerra, como se o exército se preparasse para um imenso confronto contra cacos de vidro, madeira queimada e pedras soltas. Suspirando, deu meia volta e começou o retorno ao quarto. Sabia o que viria depois: Uma horda imensa de infantaria pesada, seguida pelo enxame quase infindável de infantaria leve com suas espadas e pequenos escudos. Os cavaleiros fechariam a retaguarda, tão equipados quanto a cavalaria pesada, cutucando cada retardatário da fileira, empurrando cada cidadão que se aproximasse demais.

Perderam a oportunidade de mostrar algum valor na noite anterior, e agora se inflam como balões, calando qualquer boca que pudesse ousar dizer algo a respeito, pensou a princesa enquanto subia os degraus de pedra azulada. 

Nas Ruínas AntigasOnde histórias criam vida. Descubra agora