Cap.23 A metade cruel

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O rei fez questão de ficar me bajulando a noite toda. Ele sabia que se eu escolhesse ajudar, o reino se tornaria uma potência a ser temida. Ao menos a partir do momento em que todos percebessem qual era o real feitiço lançado pelo Ermitão.

No momento, Leopoldo esclarecia como era o território ao redor de Ruínas Antigas.

— No oeste, estão os territórios considerados mágicos. Lá existem desde cavernas cujas paredes brilham, até uma pequena floresta de cogumelos que mudam de cor à medida que as horas passam. Se sabe realmente pouco sobre o extremo oeste, a península é um grande pedaço de terra esticada. Norte e sul estão sete vezes mais próximos que leste e oeste. 

— Uau!

— Pois é, um lugar deveras interessante. Ora, vejam só! Três horas da manhã! Tecnicamente, a festa já deveria ter terminado horas atrás, mas convencer a todos disso é sempre um problema... - Os músicos pareciam a ponto de colapsar por conta do cansaço, enquanto duas dúzias de pessoas se moviam em algo que mais lembrava o cambalear de bêbados do que uma dança. Em algum lugar atrás de uma das diversas portas do salão, alguém vomitava ruidosamente.

Minha cabeça doía, a capa parecia pesar dez vezes mais, e o calor era insuportável. Ocasionalmente, não conseguia evitar alguma careta de desconforto. Mudava o apoio de uma perna para a outra e fazia o meu melhor para insinuar que tudo estava bem.

— Bem, se puder me dar licença majestade, acho que preciso urgentemente dormir. -  E mijar, e bater a cabeça nos móveis até uma dor amenizar a outra.

— Claro, é claro.  Você ainda é um adolescente, mas aguentou mais que esses aí. - Disse Leopoldo, apontando para um grupo de cavaleiros que dormiam em um canto do salão. O fato de não beber álcool ajudou a resistir até aquele momento. Sentia como se houvesse um outro eu dentro de mim mesmo, minha barriga protestando pela quantidade de comida que havia ingerido.

Fui me arrastando até o quarto andar e me joguei na cama. Arranquei a capa com um ruído de tecido rasgando, mas a capa era grossa e o que havia rasgado era o gibão. Não me importei. Estava anormalmente cansado, suado, querendo apenas fechar os olhos e dormir o maior tempo possível. Em algum momento comecei a sussurrar palavras que nunca tinha ouvido, mas que faziam sentido em minha mente. Sem saber como, as últimas palavras incitaram alguma mudança no estado do bracelete- que-era-um-bastão.

O bracelete imediatamente se transformou em um metal líquido, se arrastando pelo meu braço até minha mão, onde se transformou em uma manopla. Em um último esforço, mais algumas palavras fizeram a manopla passar do cinza para o branco.

Sim ... isso vai ser muito útil... 

Meu último pensamento, enquanto minha mente já vagava mais próxima ao sono do que do estado desperto.

Apaguei sentindo meu cérebro martelar meu crânio como se procurasse uma rota de fuga.

Mas uma luzinha insistia em ficar brilhando em meus olhos, como se tivesse olhado por tanto tempo para uma lâmpada que a imagem de seu brilho não desaparecia. Sonhei, mas mesmo assim aquela luz persistia em continuar ali. Até que tudo escureceu. E uma explosão de cores me levou até o planeta onde estava o Ermitão. Era tão semelhante ao portal que me levou até o outro mundo... Meus olhos se acostumaram à claridade. Procurei qualquer sinal da presença do Ermitão, e percebi um amontoado de tecidos gastos em um canto próximo de uma rocha, afundando em um pequeno monte de poeira.

Estava morto! Suas vestes estavam sujas e deterioradas pela passagem do tempo porque era o que o cadáver vestia. Seu corpo estava mumificado, várias rachaduras marcavam sua face, seus dentes estavam à mostra, já que seus lábios a muito desapareceram. 

Nas Ruínas AntigasOnde histórias criam vida. Descubra agora