Transportada para a perspectiva de onde estava, o mundo parecia em paz. As árvores continuavam verdes, os pássaros cantavam, o som da correnteza lânguida era constante em seu longo curso até o oceano. Nesses detalhes, a natureza zombava dos pequenos conflitos na superfície daquele mundo, tentando constantemente lembrar a todos uma lição importante relacionada à permanência da vida ali, a despeito da morte de cada tolo que soubesse se armar até mesmo com pedras. Por pouco seria totalmente inabalável, porém, do ponto de vista superior, nada significava as guerras e uma débil natureza frágil agarrada em um mundinho qualquer. Caso quisessem, poderiam se esvair nesse exato instante, pensou, à maneira de jamais terem existido, sem fazer falta.
Externando impaciência ou expectativa, a silver alis chiou baixinho. Violeta acariciou o réptil duas vezes maior que um cavalo, repetindo palavras gentis enquanto tomar a decisão ainda era difícil. Cibele libertou as outras, mas manteve o animal de Miraxania, atormentada por alguma ideia próxima de ver na filha a imagem da mãe alçando vôo para iniciar sua tão aguardada vingança. Eis o problema. Sua vingança referia-se à vingança de Cibele, em momento algum a de Violeta. Ficou de pé e apoiou a testa no pescoço do animal, sentindo o calor de seu corpo junto ao ruído sereno da respiração, e também a tristeza por estar sozinha durante todos esses anos. Silver alis viviam em bandos ao longo de toda a vida, o animal por quem sua mãe tinha tanto apreço não merecia esse final; morrer em agonia no meio de uma batalha, assustada… qual o sentido disso? Qual o nível de baixeza moral necessário para presentear a criatura com esse fim? Independente disso, a jovem ninfa não o possuía, optando por fazer a ação mais correta. Pôs a mão sobre a testa do réptil, sentindo a suave textura do couro pela última vez. A silver alis se mexeu, inquieta e sentindo algo errado, porém o laço entre ninfa e animal logo foi desfeito.
Mesmo naquele curto espaço de tempo, Violeta sentiu-se feliz. Viu em êxtase o réptil estender suas longas asas em talvez uma última saudação, correr até a margem do Grande Rio e voar livremente até as nuvens brancas no céu. Demorou a desaparecer, um ponto escuro sem pressa e destacado navegando ao sabor do mar atmosférico. A ninfa se permitiu um grito eufórico e um estender de braços, aliviada por sua velha amiga saber exatamente o caminho para casa. Todas sabiam como voltar, mesmo dali, no outro lado do mundo.
Retornou para junto de suas irmãs no lento caminhar de quem prefere não chegar ao seu destino. Agradeceu em silêncio por nenhuma delas falar a respeito daquela decisão, tentou ao máximo ignorar o olhar frio e triste de Cibele. Nem sempre é a escolha ruim só porque está em desacordo com a sua, seria a resposta de Violeta se fosse confrontada, entretanto, nada. A decepção da ninfa superava o sentimento de raiva. Talvez houvesse compreensão sob camadas de tristeza, mas se estava ali, Cibele escondeu muito bem. Houve uma pequena anomalia sentida por todas, um aumento na luminosidade que durou alguns segundos e esmoreceu num instante. Sem querer, Violeta se lembrou de Felipe, a sensação era idêntica à de suas lembranças em Holag'Inyae e Herança de Luz. Desejou encontrá-lo bem, destruir o anel trouxe consequências ambíguas.
Pairava sobre todas uma sensação velada. Nada seria como antes, demorasse um ano ou uma década para as mudanças se revelarem ao mundo. A jovem ninfa pensava nisso enquanto prendia bem cada peça da armadura verde, tentando imaginar a si mesma testemunhando tais mudanças. Ficaria confusa? Com medo? Seria algo bom ou ruim? Na verdade, pouco importava, o futuro chegaria para ela com ou sem sua aprovação. Desejou então ter forças para encará-lo. Checou as botas duas vezes, perdidas em linhas de pensamentos difusos, até perceber porquê sua mente planejava o futuro: profundo e latente, mas sempre presente, ela carregava o medo da morte. Era diferente, também guardava em si certos segredos inexplicáveis. Seus olhos totalmente violetas minguaram para pontos coloridos. Quando criança tinha pesadelos com Quetzalcóatl, ouvia sua voz arrastada sussurrando que a mataria, instante no qual era lançada em um labirinto sem forças para correr nem lugar para se esconder. Era mais forte, aprendia tudo mais rápido, e as plantas se inclinavam em sua direção quando dormia, tentando tocá-la. Violeta tinha curiosidade e temor em quantidades iguais. Sob a possibilidade de morrer, o temor crescia, tomava conta.
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Nas Ruínas Antigas
FantasiaAté onde suas escolhas te levam? A contagem regressiva para o fim da existência já começou. Nos últimos movimentos do ponteiro, Felipe, um adolescente aparentemente comum, é transportado para um planeta em outro universo. Nesse mundo de múltiplas fa...