Cap.40 Incandescente

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— Esperar aqui não é ruim.

— Nunca gostei de esperar.

Apesar do movimento ao redor, poucos sons chegavam até os dois, sentados às margens do canal. Uma leve névoa pairava sobre as águas, subindo e aos poucos alcançando as construções mais próximas, a cinquenta passos de distância. A maior delas se erguia na frente dos jovens, dez andares, branca, com a forma de uma escama triangular.

— Calebo me contou que as ninfas não precisam de homens para engravidar. E nascem apenas meninas. - Mentalmente, desferiu murros no próprio rosto por iniciar um assunto que poderia ser mal interpretado.

— O ogro disse a verdade. Nossa origem se perdeu na História, então trata-se de um mistério até para nós mesmas. Somos únicas.

— É claro... Hakuja diz que os elfãs poderiam lutar do nosso lado quando o conflito se iniciasse. Acredita nisso?

— Os elfãs são seres excêntricos. - A ninfa balançou as pernas e olhou a água mais uma vez, um metro abaixo, parada e escura.- Há uma dificuldade em saber quais são seus pensamentos, suas motivações. Me desculpe, mas prefiro esperar e testemunhar suas ações. Esse povo provou sua exímia capacidade de quebrar as expectativas.

Felipe esfregou as mãos, inseguro. Perscrutou o humor da ninfa antes de falar. Definitivamente, era péssimo nisso.

— Eu... quando... - Fechou os olhos e se concentrou.- No momento eu pensei que seria melhor ficar calado, não sabia bem o que dizer...

— O que seria?

— Dizer que sinto muito. Por toda a dor que aquela criatura causou, pela sua mãe. Seria um cinismo extremo dizer que entendo toda a dor pela qual passaram... pela qual você passou, mas... - Se calou, pois tudo que poderia vir a dizer pareceu soar falso e vazio em sua mente. Não dizer nada realmente parecia a melhor opção.

— Obrigada. - Violeta sussurrou, os olhos fixos na água turva.

Em uma hora, nenhum barco passou pelo canal, e por toda a hora seguinte,  a situação se repetiu. A névoa agora era mais espessa e assumia um tom fantasmagórico, iluminada pelas luzes da área central a centenas de metros de distância. A trilha de luzes descia pelo canal em pequenos núcleos que demarcavam a posição dos postes com suas solitárias lâmpadas elétricas. Felipe estava apoiado em um desses postes, pensando na semelhança do cenário com uma trilha mágica que levasse a um grande tesouro. Estava descontente. A névoa limitava o campo de visão, enquanto a luz acima de sua cabeça não lhe permitia ver coisa alguma fora da bolha iluminada.

— Nossa presença vai gerar questionamentos. Podemos tentar amanhã cedo. - A ninfa sugeriu.

— Não... Essa cidade pode ser muito aconchegante, mas me dá uma sensação de urgência. Perdi dias em Parvapo, e agora é certo que eu vou colher os frutos desse ato. Eles são amargos, nem preciso vê-los para saber. Hakuja já falou sobre os Leth? - A surpresa no olhar da ninfa revelava que não.

— Disse que me atualizaria mais tarde.

— Agora você já sabe. Estão indo para leste, e isso já parece um padrão, segundo vocês.

— Fui descuidada. Toda minha atenção se concentrava em rastrear você, e perdi a noção de qualquer perigo. 

— Na verdade, havia pouca coisa que pudesse ser feita. Foi tudo o que vimos pelo caminho, mas queria que soubesse. 

Dois guardas passaram próximos dali, marchando. Mal olharam na direção do que poderia ser apenas um casal se encontrando à noite, e seguiram. Não faltava mais de trinta minutos para a meia-noite quando um barco a remo surgiu no canal, atravessando a névoa como uma aparição espectral. Uma figura solitária e envolta por uma enorme capa guiava o barco usando dois remos. A visão deixou um gosto amargo na boca do garoto, junto à lembrança de Pedra Empilhada. Mas não havia capuz, e logo distinguiu as feições da figura. Uma mulher de meia idade.

Nas Ruínas AntigasOnde histórias criam vida. Descubra agora