Cap.18 A lama encharcada de sangue

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Observando, observando sempre. Desde que chegou ali, percebeu que havia algo muito errado. Sabia que não era saudável suspeitar de tudo e de todos, mas não havia maneira melhor de agir enquanto suas memórias retornavam em quantidades risíveis. Ele conseguia sentir que algo no mínimo duvidoso acontecia na Vila dos Ogros. Entre olhares alegres, alguns tristes. Entre outros felizes, alguns irritados. Não era surpreendente que alguns ogros não aceitassem de bom grado a ascensão de um novo Mestre. As mágoas eram visíveis nas faces de alguns.

Hakuja estava na Grande Praça, observando os movimentos e afazeres de todos. Ao seu lado, Calebo, o único ogro em quem confiava, também olhava ao redor.

Hakuja pensava sobre algumas coisas. Esse movimento estranho entre alguns ogros era anormal. E, se estivesse acontecendo o que ele pensava estar, isso viria no pior momento possível, em que as forças do mal estariam se unindo para se opor a Felipe, que teria sua base ainda pouco sólida. Sem contar os problemas entre os reinos do planeta, que se agravariam ainda mais com a notícia da chegada de Felipe. Relações diplomáticas duradouras poderiam vir abaixo, desestabilizando os reinos, e causando consequências graves e longas para a população.

Preciso de informações... não posso ficar aqui, olhando o ir e vir dos ogros, e não fazer nada. Esse garoto poderá destruir inimigos apenas com o mover das mãos, mas para isso, ele precisa viver!

- Pegou a espada? - Hakuja perguntou sem emitir palavras.

- Sim, está bem aqui! - Responde Calebo, desenrolando o cabo da espada do pedaço de pano simples em que estava envolvida. Revelava apenas parte do cabo, prateado, escuro. Uma das jóias da guarda-mão, de cor azul brilhante, também podia ser parcialmente vista. O pomo era uma joia vermelha, enorme, e a lâmina era dourada. Tinha um metro e sessenta centímetros, robusta, mas leve como uma faca de frutas.

A aparição daquela espada ainda era um mistério excruciante. Duas horas atrás, o lagarto havia sentido uma força misteriosa, uma energia poderosa como não sentia desde muito tempo atrás, percorrendo o espaço em pulsos tênues e criando padrões invisíveis, dançando, dançando, brincando com o seu sentido de alerta, desorientando-o. Correu o máximo que suas pequenas pernas de lagarto permitiam, ultrapassando os limites da vila enquanto seus olhos varriam a floresta e a sensação aumentava. Era como se ondas de calor o guiassem, essa é a melhor comparação para algo que seres normais jamais sentiriam.

Chegou aos campos de ervas, afastado dos demais e em completo silêncio no momento, o céu parcialmente nublado indicando um péssimo dia para se plantar qualquer uma das delicadas plantas medicinais. Mas havia algo mais. Além de toda a calmaria, um segundo sol parecia ter descido se instaurado entre as árvores próximas, que deixavam escapar uma névoa de luz dourada. A visão daquilo fez com que Hakuja perdesse o fôlego por um momento.

Se aproximou por um momento, receoso do que encontraria. Encontrou uma nuvem de detritos flutuando, poeira, pequenas pedras e folhas que se deslocavam como se submersas, em vai e vem sem rumo. Uma nuvem disforme pulsando, ora ritmicamente, ora em intervalos irregulares, emitindo luz como uma nebulosa suspensa no espaço. Sua cor, um amarelo brilhante, seu núcleo, uma área branca que não podia ser observada por um longo período do tempo sem que os olhos de Hakuja se distanciassem daquela visão de forma involuntária.

E, encarando aquele núcleo, sussurrando palavras incompreensíveis aos ouvidos do lagarto, estava Calebo. Seus grandes olhos encaravam sem descanso a densa luz branca, a nebulosa misteriosa, que, assombrosamente, parecia responder com seus pulsos aparentemente irregulares. O ogro brilhava! Envolto na névoa da nebulosa misteriosa, apenas a ponta de suas sandálias tocava o chão.

Essa visão se tornou a matriz que inundou sua mente com uma profusão de memórias, que se chocavam e se confundiam umas com as outras. Sua consciência parecia se expandir, o pequeno lagarto podia sentir. Cada grão de areia flutuando, cada pequeno inseto nas árvores que fugia assustado, a umidade sob a terra, o calor dos poucos raios de sol que atravessavam as nuvens, a cem metros de distância. A respiração de Calebo, seu próprio coração batendo, o som das gotas de água pingando das sequoias, mesmo que centenas de metros os separassem.

Nas Ruínas AntigasOnde histórias criam vida. Descubra agora