Cap.14 Entre mal entendidos

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Todos os sons exteriores eram claramente ouvidos no silêncio daquela salão. Os seis idosos há muito haviam desaparecido após cada um ter conferenciado por longos minutos com Famel. Quatro soldados mantinham-se de pé entre mim e a mesa onde se sentava o capitão, que escrevia furiosamente sem qualquer pausa, o som da ponta de sua caneta ricamente detalhada era audível e ininterrupto.

Três soldados estavam absolutamente calmos e despreocupados, mas o quarto exalava nervosismo. Sua respiração era um incômodo chiado, e cada movimento meu naquele desconfortável banco era seguido por um inconsciente movimento em direção ao cabo da espada.

- Eu estou com fome.

Todos se mantiveram em silêncio como se nada tivessem ouvido, apenas o som da caneta cessou por um breve instante, mas logo retornou.

- Eu disse que estou com fome! - E realmente estava, meu estômago doía e o mundo parecia dar voltas e voltas.

- É uma pena. - Foi a única resposta de Famel.

Aquilo me deixou inconformado, não havia nada demais em trazer um pouco de comida. "TOC!" Bati no bando com o polegar.

TOC,TOC,TOC,TOC,TOC,TOC,TOC,TOC!

Famel resmungou e amassou a folha em que vinham escrevendo nos últimos cinco minutos. Pegou outra e pôs-se a escrever.

TOC,TOC,TOC,TOC,TOC,TOC!

- Mas que inferno, pare com isso! - Famel amassou a folha sem ter completado a primeira linha.

TOC,TOC,TOC,TOC,TOC,TOC!

- Rapaz, pare com isso, ou eu vou ordenar que o façam parar.

- Pela terceira vez: estou com fome.

- Pois fique com fome! Cale a boca e pare de fazer barulho.

TOC,TOC,TOC,TOC,TOC,TOC,TOC,TOC!

Famel se levantou, seu rosto avermelhado de raiva. Tirou dois soldados do caminho com os ombros e parou à minha frente.

- Qual é o seu problema, garoto irritante? Eu poderia fazer com que essa insolência acabasse com poucos e eficientes socos.

- Mas aí teria que dar satisfações às pessoas que estão vindo me buscar, não é?

Um pequeno sinal de dúvida atravessou o semblante do capitão. Um golpe de sorte, ele poderia simplesmente deixar escapar uma risada e dizer que ninguém na capital se importava. Rangeu os dentes e pensou por alguns instantes.

- Você! - Se virou para um dos soldados.- Pegue alguma coisa na cozinha, o garoto não pode desmaiar de fome, aqueles idiotas fariam um escarcéu imenso.

Os passos soaram altíssimos no silêncio quase absoluto, se distanciando e se confundindo com os sons lá fora. Famel se virava para se sentar novamente

- Você sempre faz questão de exibir a sua melhor expressão de nojo quando cita a capital, por quê?

Quando pensava que já não obteria a resposta, o capitão finalmente me disse o porquê.

- Eu lutei por eles a minha vida toda, rapaz. Era tão fiel quanto qualquer general. Mas me expulsaram em meu primeiro erro.

- Ah, eu sabia! Ficou nervosinho porque perdeu o emprego na capital, não é? Foi fácil perceber com essa sua expressão amuada. Ser obrigado a trabalhar nesse fim de mundo deve ser um desgosto diário para você, eu aposto, ou então não ficaria o dia inteiro com essa cara de bun-

O tapa veio tão veloz que eu sequer vi o movimento. Metade do meu rosto parecia anestesiado por um momento, antes de arder como se estivesse em chamas.

Nas Ruínas AntigasOnde histórias criam vida. Descubra agora