Cap.56 Hipertorre

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Aproximadamente mil e cem anos atrás.

Os canhões elétricos em órbita ao redor de Vidon nem puderam acionar seus sistemas de manobra baseados em fusão nuclear. Escura e silenciosa, sem emitir qualquer radiação, a estranha espaçonave saiu do  hiperespaço já na órbita baixa, e um instante depois, toda a rede desligou. O objeto intruso baixou cada vez mais em uma deórbita alucinada, tocando o topo da atmosfera ainda sobre o oceano, a oeste da península alienígena. Um rastro branco se formou enquanto os gases eram pressionados contra a estrutura sólida. Descia a trinta e nove mil quilômetros por hora. Os satélites reiniciaram em alguns instantes. Vinte segundos depois o objeto já ultrapassava as montanhas na costa oeste, brilhando tanto que seu reflexo era visto nas águas do imenso rio um pouco além, uma bola de fogo branco-azulado a cem quilômetros de altitude. E então a espaçonave simplesmente parou, como em um desenho animado, desaparecendo na escuridão da noite sem sequer mostrar-se incandescente.

A Hipertorre então iniciou uma descida próxima à velocidade do som. A rede de satélites não possuía defesas, nenhum ângulo de disparo. O gigantesco objeto encontrou um local adequado sobre um campo plano, e lá permaneceu, levitando, aguardando, silencioso. Uma nova geração chegou muito depois, seguindo um sinal misterioso emitido daquele planeta assim que o Escolhido surgiu. Os tripulantes da Hipertorre há muito tempo já haviam sido esquecidos, um mito mais antigo que as estrelas, e era melhor assim. Agiriam nas sombras, uma incógnita e uma arma apontando para as costas de todos, exalando poder e plantando a semente do medo velado na mente de todos, sem emitir um único ruído.

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O disco descia lentamente. Felipe sentia-o esmagando algo dentro de si. Talvez sua expectativa, mas muito provavelmente sua ansiedade já grande demais. Um cavalo relinchou, tão assustado quanto ele mesmo, e de repente pegar um dos animais e desaparecer parecia uma ótima ideia. Pulsação forte, um pouco de suor e tremedeira. Quem poderia julgá-lo? O vento sussurrava na torre lá no alto, parada, um pilar etéreo e olímpico, dentro do qual poderia conseguir seu último apoio, ou então sair de mãos abanando. Engoliu em seco.

Sabor metálico.

Feridas na gengiva produziam todo o líquido em sua boca, a saliva há muito desaparecera, deixando-o com uma sede insuportável.

Um suave farfalhar do capim acompanhou o toque do disco no solo, e um bando de pássaros alçou voo do topo daquele pico mágico. Fora isso ninguém falava, pois não se sabia o que dizer. A bocarra negra aguardava lá em cima, o medo do desconhecido enraizava as pessoas lá embaixo. Felipe odiava aquele sentimento, pois sentia absolutamente nada, mesmo usando a máxima sensibilidade ao seu dispor ou observando as placas metálicas incrustadas pela poeira antiga com sua visão alterada. Azul para infravermelho, rosa claro para ultravioleta, e a Hipertorre nem mesmo refletia as ondas eletromagnéticas. E por fim havia um buraco dentro de si, talvez a única real sensação.

— Vamos subir! - Decidiu afinal. 

Ninguém questionou sua ordem, o garoto era a conexão entre aqueles dois mundos, os nove monges deixaram explícito em um dos raros, antigos e primeiros contatos que o Escolhido deveria ser levado à Hipertorre, exigência feita assim que Riína Taringa colapsou em seu triste fim. Talvez esse contato viesse a acontecer com mais cautela, não fosse aquele o único lugar onde os Crolan se rebaixariam a pôr os pés, nenhuma cidade dos invasores era digna.

Vinte e cinco pessoas subiram na plataforma flutuante, aglomeradas no ponto mais distante possível das beiradas. O garoto se sentou e observou o chão cada vez mais distante, de pernas no ar e nenhum medo de ser o único a encarar o abismo. Aqui, era a íris negra acima de sua cabeça que temia encarar, ela poderia tragá-lo. Ela estava tragando. Ficou de pé, e flutuou acima da plataforma em forma de disco sem nenhuma cerimônia, queria apenas finalizar a subida o mais rápido possível, e Centelha o aconselhou a gastar energia para sobreviver um pouco mais. Felipe pretendia seguir a recomendação.

Nas Ruínas AntigasOnde histórias criam vida. Descubra agora