Nas Ruínas Antigas

Cap.61 Limite da bondade

— Oh, sim! Isso é muito bom! - Foram as palavras de Felipe após mergulhar o rosto no Águas Claras por dois minutos e meio. Estava nu, agora que a armadura enfim desapareceu abaixo de sua pele, de volta a seja lá o lugar de onde veio.

— Deveria ter retornado no instante em que terminou comigo. - A voz de Hakuja ressoou em sua mente.

— E te deixar lá, sozinho? Jamais. Aguardaria o máximo de tempo possível.

Haviam retornado a Vidon apenas cinco minutos atrás, um instante após o garoto dar a ordem. Surgiram algumas dezenas de metros a leste da Hipertorre, sobre o campo verde. Foi impossível não se surpreender ao olhar seu reflexo na água e ver outra pessoa, alguém cujo rosto era vermelho e doente, cuja pele se soltava em pedaços como escamas de uma cobra. Sabia que estava contaminando a água, mas colapsaria sem aquele banho. Ao terminar, se secou e vestiu roupas novas.

— Isso é muito ruim! - O anel interespacial estava visivelmente derretido, e o acesso a ele era cada vez mais complicado.

O sol deixou de brilhar sobre sua cabeça quando o enorme corpo draconiano se moveu ao seu lado. Felipe observou Hakuja de soslaio, mas o dragão gigantesco parecia estar em melhores condições que ele mesmo. As pupilas se moviam ao longo dos olhos alongados, e os dentes ficavam escondidos quando fechava a boca. 

Curiosidade além da conta instava o garoto a fazer perguntas às centenas e sem pausa, entretanto o dragão parecia necessitar de alguns momentos, o mínimo perante sua nova condição. Um leve tremor de terra acompanhava os passos da criatura imensa. Não era um dragão magro, seus membros e corpo eram torneados, conseguia divisar os músculos trabalhando sob muita carne enquanto se movia. Precisou voltar para a margem e beber água, percebendo subitamente a sede copiosa que assolava sua garganta, sem se importar com qualquer impureza presente. Cuspiu uma folha velha e retornou para junto de Hakuja, sentindo tremores por conta do vazio que repousava em seu estômago, perguntando-se uma vez mais por que não sentia nenhuma necessidade de se aliviar.

— Inevitavelmente, o momento se aproxima. - Comentou quase para si mesmo, mirando o horizonte leste. Alguns satélites da Rede se acendiam em sua visão infravermelha ao sair da sombra de Vidon. Na verdade estava vendo a colcha que envolvia os satélites, uma estrutura em forma de botão de rosa dentro do qual o satélite se aninhava. Cada colcha era formada por um sistema de câmeras e telas holográficas, cobrindo uma área do tamanho de três campos de futebol, tudo para ocultar a presença de centenas de estruturas em plena vista.

— Me recordo como foram capazes de me deter.

— Pois então me conte. - O garoto respondeu, animado ao ver seu amigo recuperar a capacidade de falar.

— Lançaram correntes ao meu redor, cada elo formado por barras tão grossas quanto a cintura de um homem que muito se alimenta e não se exercita, excedendo o peso com grande folga, pois usaram ferro maciço, e puxaram com toda a força que dispunham. Apenas esse esforço me manteria no chão por pouco tempo, contudo, se apressaram em prender uma coleira ao redor do meu pescoço, um objeto que me enfraqueceu sobremaneira.

— Como o anel que me foi entregue através do Ermitão.

— Sim. - Hakuja se deitou ao lado de Felipe. Mesmo entre a asa e o corpo do dragão, o garoto possuía mais espaço disponível do que em seu quarto.- Essa coalizão estudava a Energia Dourada, possuía vasto conhecimento. Quanto a mim, estava fraco e sabia que uma batalha estava perdida. Iniciei minha última opção, a única disponível, a mais desesperada: Permiti à energia em meu corpo retornar ao Cosmo, minguei como uma criatura faminta, uma fruta que estraga e seca aos poucos. Reduzi meu corpo à forma de um lagarto para continuar sobrevivendo. Eu não seria uma cobaia, nem mesmo uma arma nas mãos dessa máquina imunda.