Cap.46 Silêncio nas ruas

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O quarto estava escuro, e segundo o relógio ainda faltavam três horas até o amanhecer. Um frio cortante atravessava as roupas e chegava aos ossos. O lençol aquecia pouco, e não havia uma lareira.

Felipe não tinha mais sono algum. Abriu a janela e observou as ruas vazias e o céu nublado. Permaneceu assim durante muito tempo, pensando em tudo que se passara enquanto dormia, quando uma mulher com o uniforme da guarda se aproximou do quartel-general, seus passos ressoando pela rua. Nos portões, a luz aumentava de intensidade. Poucos minutos depois, a mulher saiu acompanhada por três soldados. Um mago azul surgiu em disparada logo depois, apressado, na direção da biblioteca.

Toda aquela movimentação parecia estranha, e o garoto decidiu averiguar. Não viu sinal algum de pessoas acordadas enquanto descia, exceto os dois homens de guarda na porta do quartel, que pouco se preocuparam em impedi-lo. Estava a cem metros dos portões quando uma trombeta se fez ouvir no topo da muralha. Na última esquina, a luz escapava das frestas de portas e janelas, algumas das quais estavam abertas, emoldurando os rostos de cidadãos curiosos.

A área ao redor dos portões estava ainda mais iluminada, magos e soldados entravam e saíam. Cargas envoltas em sacos de tecido eram organizadas no chão. Eram seis, e ao se aproximar, todas as dúvidas foram sanadas. Corpos.

— Vem gente aí! - Alguém gritou.

Da escuridão exterior, quatro silhuetas se aproximaram. Três eram pequenas, e juntas carregavam a quarta. Somente a anã que segurava as pernas do homem desacordado não apresentava ferimentos; os anões tinham cortes no rosto, e suas roupas estavam sujas.

Puseram o homem no chão e desabaram de cansaço. O braço esquerdo do desacordado parecia dilacerado, resultado de algum animal extremamente feroz, ou de uma boa lâmina. Um torniquete foi improvisado na tentativa de conter um pouco do sangramento, mas os cortes pareciam chegar ao osso. O homem acordou no momento em que os magos examinavam o ferimento, e seus berros de dor cessaram somente quando um lenço umedecido foi posto sobre o seu nariz. Foi levado às pressas, e os guardas se dispersaram, resmungando suas insatisfações.

Quinze minutos depois, três pessoas montadas em cavalos saíram da cidade, e pôde-se ouvir o ranger da madeira quando os portões foram fechados. 

Felipe subiu a escada de mão até o topo da muralha. Caminhou até o lado norte, oposto aos portões e completamente vazio. Logo abaixo ficavam os estábulos. Deitou-se sobre a mureta exterior, sem se preocupar com os incômodos da pedra onde apoiava o corpo. Mesmo na escuridão, consultou o relógio. Tinha muito tempo. Fixou o olhar no céu e aguardou. A última noite da chuva de meteoros podia ser vista em partes, onde as nuvens carregadas davam trégua.

O dia teve início sem que se movesse, e ficaria assim por mais algumas horas, se Calebo não interrompesse sua contemplação, agora vazia de pensamentos. 

— Mestre! Eu o procurei por toda parte!

— Bom dia para você também, Calebo.

— O que está fazendo aqui fora, sozinho neste frio?

— Nada, percebo agora. Talvez fingindo que tudo está bem, não sei direito.

— Mais mortes. Não podemos ter paz? - Calebo lamenta, esfregando as mãos e fitando o céu acinzentado.

— Aqui nós ainda estamos em paz. Pode voltar, e ponha Hakuja para trabalhar, caso ele já não esteja fazendo alguma coisa. É ele quem dialoga com Ojavenajas, e se ele souber de alguma informação, também quero saber.

— Uhum, pode deixar. Seria ótimo voltar para a biblioteca, é como se o frio atravessasse as paredes do quartel. Na verdade, é como se nem existissem.

Nas Ruínas AntigasOnde histórias criam vida. Descubra agora