Felipe finalmente retornou, limpo e vestindo roupas novas.
— A água está muito fria! - Quase gritou, os dentes se chocando uns contra os outros. A única resposta foi um olhar impertinente de Calebo, como se o ogro dissesse "Jamais imaginaria!", enrolado em um lençol próximo à lareira.
Pouco menos de duas horas haviam se passado desde que o garoto retornou de sua aventura pelas ruas, trazendo consigo uma pilha de roupas tão alta que mal conseguia enxergar o que estava na sua frente. Expressou seus temores quanto à possibilidade de ter gasto demais para que alguém se perguntasse a real origem daquelas moedas. Se tal fosse o caso, elas logo estariam sob os olhares desconfiados de algum senador.
Violeta ainda dormia durante seu retorno, mas meia hora depois, finalmente acordou. No momento, Calebo se debruçava sobre as roupas, analisando com olhares criteriosos o que vestiria. Felipe parecia posar para uma pintura, sentado em uma poltrona, a mão direita sobre os olhos, na mais pura essência de um pensador desgastado por suas próprias ideias. Quando se encararam, a ninfa logo desviou o olhar, incomodada demais perante aqueles olhos plácidos, serenamente perscrutadores, estranhamente distantes e tristes. O garoto acenou na direção de sua capa dobrada ao lado dos sapatos e retornou àquela pose, apenas uma fresta de seus dedos permitindo que visse o papel que tinha sobre as pernas.
— O Mestre insistiu para que a senhorita tomasse banho primeiro. - Calebo informou, organizando as roupas espalhadas, após enfim se decidir sobre o que vestiria.- Consegue encontrá-lo por conta própria?
— Às vezes você é indelicado, sabia disso? - Felipe comenta, sem desviar o olhar do papel.- Não é uma tarefa complicada encontrar o banheiro, é a única porta aberta, não há mais ninguém hospedado no terceiro andar. Consegue chegar até lá sozinha?
— Consigo. O sono foi restaurador, não me sinto tão cansada.
Como a única resposta foi um aceno de cabeça, Violeta pegou sua capa, seus sapatos, e saiu do quarto, retornando apenas após vinte minutos, com alguns estremecimentos. Calebo foi logo em seguida.
— Espero que ogros não soltem muitos pelos. - Foi a única coisa que o garoto disse, algum tempo depois. Após alguns segundos olhando para fora, enrolou o papel e o jogou na direção da janela, por pouco não jogando-o direto na rua.- Saia da janela, Hakuja! Você poderia se acalmar um pouco, sabia? Tenho bons pressentimentos hoje. Nada de ruim poderá acontecer.
Contrariado de maneira indescritível, Hakuja se instalou no chão, em um canto próximo à lareira apagada. Felipe levantou e pegou o papel. Quando se virou, percebeu o olhar curioso da ninfa. Mas não era por conta de sua atitude ou pelo que segurava em suas mãos.
— Você quer perguntar alguma coisa.
Violeta se sentou na beira da cama e cruzou as pernas. Pareceu indecisa, mas se empertigou e finalmente deu voz a sua dúvida.
— Como você conseguiu lutar daquela forma se não tem Lakérfet?
O garoto parou de imediato, seus olhos se encontrando com os de Hakuja por um momento. Precisou se concentrar para encontrar a capacidade de falar.
— Caso eu lhe dissesse que tenho uma ideia que faça o mínimo de sentido, isso seria uma mentira. - Se recostou na parede e mais uma vez tocou o anel. Zimo havia feito a mesma pergunta.- E imagino que ninguém saiba. As minhas respostas provavelmente só podem ser encontradas nas ruínas, em algum entre os escombros de uma antiga cidade soterrada. Tudo o que sei com total certeza é que há muito mais além do que foi falado. Hakuja com sua memória estilhaçada, tudo o que eu fiz sem jamais ter contato com a pedra, objetos caindo do céu... eu sinto que estamos lutando pelo objetivo errado, Violeta.
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Nas Ruínas Antigas
FantasiaAté onde suas escolhas te levam? A contagem regressiva para o fim da existência já começou. Nos últimos movimentos do ponteiro, Felipe, um adolescente aparentemente comum, é transportado para um planeta em outro universo. Nesse mundo de múltiplas fa...