Cap.64 Escolha e conquista

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Cheirava bem e era gostoso. Serviria, precisava servir. Caminhava com mais cuidado à medida que se afastava do centro iluminado por numerosos postes de madeira e avançava pelo breu entre as tendas comuns. Ninguém gostaria de dar ao inimigo uma ótima visão do seu tão querido lugar de descanso. Esfriava, constatou com impaciência. Violeta perguntou a si mesma se Felipe também gostaria do sabor, aquele bolinho nada mais era do que uma desculpa para escapulir até ali e tentar se reunir com o grupo. Olhou novamente a pequena massa entre as mãos, sentindo-se ridícula. Imaginou-se chegando e oferecendo a mesma opção servida na cantina há uma hora, tempo suficiente para qualquer um conseguir provar. Esteve a ponto de comer o bolinho como pura forma de protesto, Felipe estava tomado por uma personalidade sádica, como quando incomodou-a até tirar a concentração durante a reunião, ou quando esperou calmamente até o jantar para contar toda a situação preocupante na vila dos ogros, fez uma longa pausa e apenas então esclareceu haver resolvido tudo.

Parou em frente a barraca, entrevendo um facho de luz saindo pela abertura quase totalmente fechada. Ao menos uma vela estava acesa, nem era tão tarde. Estava acordado, Calebo provavelmente estaria ali também. Arrumou as mechas já impecáveis, parando no meio da ação. Um "hum!" Ecoou por sua garganta, à maneira de reprovar a própria atitude. Não precisava de desculpas ou retoques no cabelo para estar junto ao grupo, afinal, já fazia parte dele. Além disso, Felipe tanto poderia estar deitado e dormindo, ou então sentado com aspecto taciturno, quanto poderia estar flutuando de cabeça para baixo ou contando os insetos no chão com uma expressão besta no rosto. Empurrou o tecido bloqueador de luz, sorrindo. Demorou um instante para a visão captar o ambiente. No instante seguinte sentiu perfeitamente a falha entre as batidas do coração.

Mary estava ali, no catre, por cima de Felipe. A camisola branca de tecido leve puxada até a metade das coxas, os braços estendidos na direção do peito de Felipe, e movia o corpo em ritmo constante. Violeta imaginou a palidez do próprio rosto, desejando haver um buraco sob seus pés para que desaparecesse e ninguém descobrisse a maldita espiada. Nunca havia imaginado esse nível de intimidade entre aqueles dois, estavam próximos a pouco tempo. Graças à falta de ar, conseguiu reprimir, ou melhor, não levar a cabo o grito de susto no momento em que Calebo pareceu surgir da própria escuridão, olhos pretos gigantescos e caminhar desengonçado. Quando foi puxada para dentro, nem mesmo ofereceu resistência, apenas deixou-se levar, em choque. Mary enfim se deu conta de sua presença, parou por um único segundo e continuou. Pressionava as mãos contra o peito de Felipe.

— Sem batimentos há cinco minutos! - As palavras saíram cansadas e entrecortadas. Mary estava suando, descabelada, nervosa. Se ergueu com um salto e agarrou os ombros de Violeta.- Ninfa, acorde! Consegue ajudá-lo?!

— Já tentei curá-lo uma vez, mas meus poderes são inúteis nele...

A mulher grunhiu e pareceu se esquecer de Violeta um instante após desviar a atenção de volta a Felipe. Aquele grunhido machucou tanto quanto um tapa no rosto, falava muito sobre a inutilidade de quem mais deveria ser útil. Olhou para baixo e viu o bolinho no chão. Estava levando como desculpa e talvez um presente e agora jazia ali, sujo.

— Como aconteceu? - Exigiu saber, recuperando-se do susto.

— Felipe e eu estávamos conversando, de repente ele disse que sentia dores no peito e caiu sem conseguir respirar. As pupilas dilataram ao máximo, sofreu alguns tremores e tudo parou. - Calebo esclareceu, esfregando as mãos.

— Eu estava dormindo aqui ao lado até  Calebo me acordar. Hakuja foi buscar um dos Dax. - Mary acrescentou. Fez-se alguns instantes de silêncio enquanto continuava a massagem cardíaca, sem sucesso aparente. Enfim parou, tomando fôlego.- Desisto, é um esforço inútil.

Nas Ruínas AntigasOnde histórias criam vida. Descubra agora