Nas Ruínas Antigas

Cap.36 Método terapêutico

— Isso mesmo, Mateus, esse é o décimo dia desde o desaparecimento do garoto Felipe, e a polícia não tem nenhuma grande informação até agora. Apenas relembrando, Felipe e seus amigos decidiram acampar, aproveitando o início das férias, às margens de um lago muito conhecido próximo daqui. Tudo estava perfeitamente normal, o garoto não apresentava mudança de comportamento ou algo parecido. À noite, foram dormir tranquilamente e sequer notaram o evento meteorológico que aconteceu. No dia seguinte, Felipe não estava na barraca quando acordaram, nem a mochila que havia levado para acampar. Quando o pai de um dos amigos foi buscar o grupo, soube do ocorrido e ligou imediatamente para a polícia. Algumas possibilidades estão sendo consideradas, como sequestro, ataque de animal selvagem, entre outras coisas. Equipes de mergulhadores ainda vasculham o fundo do lago em busca do possível corpo, mas até agora nada foi encontrado. Algumas pessoas questionam se poderia haver alguma relação entre o evento meteorológico, até hoje sem qualquer esclarecimento por parte do INPE ou da NASA, e o desaparecimento de Felipe. Um site norueguês criado por teóricos da conspiração diz que se trata de uma abdução. Eu prefiro acreditar que Felipe está bem, e de preferência aqui na Terra. Por enquanto só temos essas informações. Nós continuaremos acompanhando o caso e trazendo qualquer novidade em primeira mão. É com você aí no estúdio, Mateus.

— Obrigado Guilherme. Abdução! É cada sugestão que aparece... bem, as investigações continuam, e qualquer atualização será prontamente anunciada em um dos nossos jornais. Vamos mudar de assunto? Alguns aplicativos podem fazer mal ao seu celular, seja por conta do consumo da bateria, ou até mesmo excluir dados por conta pró-

Leo parou de comer quando a TV foi desligada. Se preparava para mais uma colherada quando o controle voou até o aparelho, destruindo a metade inferior da tela. A colher escapou de seus dedos e caiu na mesa, espalhando comida por todo lado. 

— Eles pensam que meu filho é apenas mais uma notícia?! - A voz de Fernanda se elevou.- Depois de falarem dele o assunto é... aplicativos?! 

O rapaz preferiu manter-se em silêncio, mas o olhar de Fernanda fez com que cogitasse deixar a mesa como estava e correr de volta para casa. A expressão da mulher se suavizou.

— Oh, Leonardo, eu assustei você? Eu... me desculpe, foi sem querer. Pode deixar, eu limpo isso aí, volte a comer. - Seus olhos brilhavam, inundados por lágrimas. Leo optou por continuar a refeição e permitir que a raiva se abrandasse. Alguns minutos depois, Fernanda retornou com um pano umedecido e deixou a mesa brilhando mais uma vez. O vidro estava novamente impecável. 

Após terminar a refeição, lavou o copo, os talheres e o prato. Procurou por Fernanda, mas ela havia subido, e não era certo procurá-la ali em cima. Leo se sentou no sofá, suspirando. Observou o controle quebrado, a TV destruída, e precisou se abraçar em um esforço para afastar a dor quando tentou se colocar no lugar da tia Fê. Provavelmente jamais iria contar para alguém, mas não havia se passado uma noite desde que Felipe havia desaparecido, sem que chorasse até a exaustão. Nesses momentos, onde se encontrava na segurança da solidão de seu quarto, dirigia os mais horríveis xingamentos a si mesmo, perguntava inúmeras vezes o porquê de haver insistido em chamar Felipe, e chegou a desferir alguns socos no próprio rosto, como se os golpes e a dor pudessem lhe trazer mais maturidade.

Quando Fernanda retornou, viu Leo sentado, quieto, e percebeu o quão vulnerável o rapaz parecia, apesar de todo o seu tamanho e aspecto bruto. Por muito tempo não havia conseguido compreender a lógica por trás do ato de ajudar seu filho e se tornar seu amigo, mas agora, após tanto tempo, finalmente tinha uma ideia: havia se identificado. Quando viu Felipe vulnerável, precisou ajudar, porque no interior de toda aquela afetação e modos bruscos havia um bom coração, mesmo que o mantivesse escondido daqueles que pudessem machucá-lo.