Cap. 49 Ao sul do Grande Rio

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Os telhados recém-construídos se destacaram contra o céu acinzentado de nuvens carregadas. Lentamente, as muralhas baixas e a colina se descortinaram acima do horizonte. O fim da tarde trouxe sentimentos inquietos, criando de maneira sutil uma expectativa abafada, silenciosa e sufocante em vista do previsível desenrolar da total imprevisibilidade.

Pendendo um pouco instável sobre a sela, Mary experimentava sintomas fracos da exposição ao poder de Felipe. Na casa simples e afastada de Angragorn, Michael vomitava pela segunda vez, Jessie tremia e sentia a febre se apoderar de seu corpo, enquanto Henry preparava um chá forte com todas as ervas medicinais as quais ousou misturar, tentando desesperadamente desanuviar os pensamentos.

Carroças de suprimentos se amontoavam dos lados da estrada aos pés da elevação, e todos aguardavam. 

Apenas uma fresta suficiente de um portão foi aberta, os equinos passaram em marcha, tão silenciosos quanto os guardas, e seus passos soaram deslocados na quietude a envolver as habitações. Apenas o quartel-general e a Biblioteca dos Mil Saberes mostravam algum movimento, preparando, afiando, limpando, revisando. O chilrear dos pássaros e um distante trovão, um pio distante que bem poderia pertencer a Thunderbird.

O fim do dia parecia arrancar algo de suma importância,  entretanto não se poderia dizer o que era, restava apenas a sensação de perda. Certa mudança notória acontecia, a realidade de um embate despencava sobre a cabeça do mais positivo habitante de Herança de Luz. Uma canção antiga escrita na rocha de um monumento atemporal, e o som dessa canção é o som de passos compassados, da marcha rumo à morte.

Desmontaram no estábulo com poucos cavalariços, Mary pediu licença para encontrar velhos amigos. Felipe e Violeta ficaram parados, lado-a-lado à mercê de uma poderosa rajada de vento. O garoto se arrepiou, sentindo, sentindo; e todos aguardavam.

O ogro surgiu em passos apressados assim que soube do retorno. Aguardou impaciente enquanto o garoto terminava o banho, dando voltas pelo quarto com Hakuja teimosamente agarrado ao seu ombro.

— É provável que mais da metade do exército tenha atravessado. - Disse no instante em que Felipe surgiu na porta, dobrando as mangas de um agasalho leve e azulado, combinando perfeitamente com suas calças pretas.

— E Angragorn se interessou tanto em ajudar que alguns ricos e políticos seguirão conosco. - A grave voz de Hakuja ribombou pelo cérebro do jovem, sempre tão excêntrica por conta de seu tamanho.

— Pensei que aquela cidade não tinha um exército.

— E não tem. Guardas familiares, guardas de propriedades e escoltas de comboios. Pouquíssimos e destreinados para agir em grandes grupos, mas sinto que não podemos recusar. - O lagarto respondeu, saltando para a pequena mesa próxima às almofadas que serviam de cama.

— São basicamente mercenários, é isso? Estamos tão desesperados por ajuda que teremos mercenários lutando ao nosso lado?

— Rejeite-os então.

O golpe cortante deixou um gosto amargo na boca de Felipe. Era incapaz de rejeitá-los, sabia que realmente estavam desesperados por ajuda. O vento que soprou através da janela pareceu compassado em uma risada de escárnio.

— Quantos soldados do Capitão Vermelho podemos esperar encontrar?

— Difícil dizer, mas estimaram entre trinta e quarenta mil.

A madeira emitiu um som agudo contra o chão quando o garoto se jogou sobre uma cadeira, mortificado. Antes na ponta dos  pés admirando os telhados a partir da janela, Calebo abaixou o olhar e meneou a cabeça, desolado.

Nas Ruínas AntigasOnde histórias criam vida. Descubra agora