Capítulo 42

3.5K 348 98
                                    

~♪Hannah ~♪

O Caldeirão era ausência e presença. Escuridão e... de onde quer que viesse a escuridão.
Mas não vida. Não alegria ou luz ou esperança.

Talvez fosse do tamanho de uma banheira, forjado em ferro escuro, com as três pernas, aquelas três pernas que o rei tinha saqueado os templos para encontrar, entalhadas como se fossem galhos de ervas-daninhas, cobertos de espinhos.

Eu jamais vira algo tão horrível, e atraente.

O rosto de Mor ficou sem cor.

— Rápido — disse ela para mim. — Temos alguns minutos.

Azriel verificou a sala, as escadas pelas quais descemos, o Caldeirão, as pernas deste.
Fiz menção de me aproximar do altar, mas Azriel estendeu um braço em meu caminho.

— Ouça.

Então, ouvimos.

Não eram palavras. Mas uma pulsação.

Como sangue pulsando pela sala. Como se o Caldeirão tivesse um coração.

Semelhante atrai semelhante.

Eu me movi em sua direção. Mor estava às minhas costas, mas não me impediu quando subi ao altar.

Dentro do Caldeirão não havia nada além de tinta preta rodopiante.

Talvez o universo inteiro tivesse vindo dele.
Azriel e Cassian ficaram tensos quando apoiei a mão na borda. Dor... dor e êxtase e poder e fraqueza fluíram por mim. Tudo que era e não era, fogo e gelo, luz e escuridão, dilúvio e seca.
O mapa da criação.

Contendo-me, eu me preparei para ler aquele feitiço.
O papel tremeu quando o tirei do bolso. Quando meus dedos roçaram a metade do Livro dentro dele.

Mentirosa de língua doce, senhora de muitos rostos...

Com uma das mãos na metade do Livro dos Sopros, e a outra, no Caldeirão, saí de dentro de mim, e um sobressalto percorreu meu sangue, como se eu não passasse se um para-raios.

Sim, você vê agora, princesa da putrefação, rainha das chamas e escuridão antiga, vê o que precisa fazer...

— Hannah — murmurou Mor, em aviso.

Mas minha boca era estrangeira, meus lábios podiam muito bem estar em Velaris enquanto o Caldeirão e o Livro fluíam por mim, em comunhão.

A outra, sibilou o Livro. Traga a outra... permita que nos unamos, permita que nos libertemos.

Tirei o Livro do bolso, enfiando-o sob o braço quando peguei a segunda metade.

Boa menina, linda menina, tão doce, tão generosa, tão mortal quanto um dia fora humana.

Juntas juntas juntas.

— Hannah. — A voz de Mor cortou a canção das duas metades.

Amren estava errada. Com as partes separadas o poder estava partido, não era o bastante para destruir o abismo do poder do Caldeirão. Eu sabia disso, Mas juntas... Sim, juntas fariam o feitiço funcionar quando eu o pronunciasse.

Com ele inteiro, eu não me tornaria um condutor entre as partes, mas mestre delas.
Não era possível mover o Caldeirão, precisava ser agora.
Percebendo o que eu estava prestes a fazer, Mor disparou até mim, xingando.

Lenta demais.

Coloquei a segunda metade do Livro sobre a outra.

Uma ondulação silenciosa de poder me ensurdeceu, fraquejou meus ossos.
Depois, nada.

Corte de Sonhos e EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora