Capítulo 14 - A...migos?

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   -- Senhorita? -- abri os olhos lentamente, ainda sentindo a minha cabeça divagar -- está tudo bem?
   -- Sim. Só estou um pouco cansada. -- meus olhos focalizaram na mulher que segurava um balde e um rodo. Pelos meus cálculos, devo ter fechado os olhos por, no máximo, cinco minutos. -- Com licença.
   Deixei o banheiro sem verificar a minha aparência, mas me sentia um pouco mais disposta, de qualquer forma. Voltei para o quarto de Kota e apanhei sua mão, sorrindo enquanto ele fazia carícias com o polegar no interior do meu pulso.
   -- Só mais um dia. -- ele respira.
   Apoiei o queixo na maca, curvando-me de forma que olhava para cima a fim de conseguir ver o seu rosto.
   -- Ainda bem -- comentei.
   Kota franziu o cenho e colocou a mão na minha testa, como se verificasse a minha temperatura. As máquinas ao nosso redor emitiam um zumbido, anunciando o seu funcionamento. Os sons pareciam mais altos para mim do que deveriam.
    -- O que foi?
  Kota balançou a cabeça e voltou a pousar a mão no seu peito, suspirando. Eu conheço esse suspiro. Já o dei varias vezes em meu profundo estado de melancolia na casa Lavinsk. Ele queria me dizer alguma coisa. O quê? Semicerrei os olhos para ele.
   -- O que está acontecendo, Kota?
   -- Não é nada -- ele afirmou, virando-se para mim -- Apenas estou feliz de ter acordado, e de você estar aqui. Quero sair logo. É terrível se sentir inutilizado.
   Concordei com ele, desviando o meu olhar para a televisão, sintonizada no canal de esportes. Aquilo poderia até ser verdade, mas com certeza não era o que o perturbava. E algo em minha consciência me colocava como a protagonista em tudo isso... Sacudi a cabeça para afastar o pensamento. Eu confiava em Kota. Ele me diria o que o afetava no momento certo, e então poderíamos dar um jeito nisso. Escutei um ronco e me retorci rapidamente. Kota havia adormecido.
   Levantei-me com um pulo. A minha inquietude não me permitia ficar muito tempo parada em um só lugar. Olhei pela janela pela primeira vez desde que havia sido internada nesse hospital, e a vista me surpreendeu um pouco. Havia um pequeno parque do outro lado da rua e, pela hora da noite, apenas o vento fazia companhia para as árvores. Uma pista de corrida iluminada por luminárias aqui e ali tornou-se muito atraente para mim. Essa doença é horrível. Ora me derruba, hora estou mais animada que uma criança de cinco anos.  Não é uma doença.
   O vento gélido me abraçou assim que coloquei os pés para fora do hospital. Esfreguei meus braços com as mãos, na esperança de que o atrito causasse um pouco de calor que acalmasse a minha pele arrepiada. Não corra pelos jardins à noite, Gisele. Você pode pegar um resfriado. Estanquei abruptamente quando a voz masculina invadiu minha mente. Olhei freneticamente para os lados, porém eu continuava sozinha no meio da rua. Estranho. Essa voz me pareceu familiar, mas não me recordava de nenhum rosto que pudesse se encaixar a ela.

   Caminhei com passos largos até a praça, chegando perto até uma das iluminárias da pista  de corida. Os números indicavam os quilômetros percorridos em intervalos regulares, e eu me livrei dos saltos altos, agradecendo assim que meus pés tocaram a grama úmida. Me posicionei em cima da marcação 2,5 km e comecei a correr. Os meus pés batiam contra o chão, enviando pequenas ondas de choque pelos meus calcanhares, mas eu me importei. Poderia até mesmo parecer loucura, mas eu me sentia... livre.

   Não demorou muito para faltar ar nos meus pulmões e eu parar de correr, apoiando as minhas mãos nas pernas enquanto eu recuperava fôlego. Caramba. O que me deu na cabeça? Eu nunca corri mais que 150 metros seguidos em toda a minha vida.

   Escutei batidas atrás de mim, apesar da respiração pesada. Fiquei alerta, tentando demonstrar ao máximo que não havia percebido. As passadas de corrida diminuíram até se tornarem passos vagarosos. Continuei andando, enquanto me atendia a escutar alguma coisa. O meu coração martelava contra o meu peito, mas não era por causa da corrida. Fui para trás da árvore mais próxima e, por sorte, achei uma pedra. Ela tinha que servir. Agerrei-a firmemente e espiei o lugar de onde eu tinha vindo. A sombra entrou no foco de uma luminária, e eu pude ver que era um homem, talvez uns dez centímetros mais alto que eu, com roupas de ginástica e o rosto coberto pelo capuz. Em sua mão, ele trazia os meus sapatos. Droga.

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