Capítulo 17 (parte II) - Culpada

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Eu me sentia culpada. Uma culpa enorme começou a se apoderar de mim, como se estivesse sendo engolida aos poucos por um monstro negro e desprezível. E por mais que eu tentasse me livrar dela, maior ela ficava.
Me sentia culpada por Kota. Me sentia culpada por não ligar para ele do pequeno celular na minha mão. Fechei minha mão em torno do aparelho, tentando tomar uma decisão. Por que era tão difícil? Aquela era eu. Não precisava ter medo. Kota me amava pelo o que eu era, não deveria se incomodar com um título de princesa acrescentado... Ele até poderia se interessar ainda mais. Não. Kota não é assim.
A linha chamou e eu mordi o meu lábio inferior, tentando focar em um ponto na paisagem que se estendia à frente da varanda do quarto do hotel.
-- Alô -- a voz de Kota soou.
-- Kota! -- eu disse -- Oi. Sou eu.
-- Gisele? MAS QUE DROGA! ONDE VOCÊ ESTÁ?
-- Eu estou em um hotel e...
-- O que você está fazendo em um hotel? Deus, tem noção do quanto eu estava preocupado? O palácio inteiro estava à sua procura. Como pôde ter sumido assim? Gisele?
-- Desculpe -- respondi, assim que eu recuperei a voz. Eu sabia que ele ficaria irritado, mas não esperava nada disso. Ou apenas pensava que poderia ser diferente. -- Eu precisava resolver umas coisas.
-- Que coisas, Gisele? -- ele respirou fundo -- o que você anda fazendo que você não me conta nada?
-- É... é isso. -- Eu soprei -- Eu vou te contar mas... não, não por Telefone. Preciso te ver.
-- O palácio?
-- Não. Pode me encontrar no restaurante?
-- Onde você está?
Eu mordi nervosamente meu lábio.
-- No Lancelot -- como esses nomes são estranhos.
-- Estou aí em 15 minutos.
Ele desligou. Fiz uma careta e passei mentalmente tudo o que eu iria falar a ele. Adam trocava de canal repetidamente, e eu fechei bem os olhos com a mudança de sons.
-- Tem certeza que não quer que eu vá com você? -- ele perguntou, trocando o canal mais uma vez.
-- Tenho. Eu... dá para parar? -- Adam soltou o controle e colocou os braços atrás da cabeça, me olhando como se eu fosse algo bizarro -- obrigada. Ter você lá seria munição a mais para Kota.
-- Certo. -- ele diz -- Mas eu vou te observar.
-- Ah, por favor, Adam! É o restaurante do hotel. Kota não vai me fazer mal.
Adam ergueu a sobrancelha e voltou a sua atenção para a televisão, retomando o ciclo de trocar de canal. Eu bufei e joguei um travesseiro nele, que caiu em sua cabeça.
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Avistei cabelos cor de fogo assim que ele entrou no restaurante do hotel. Não demorou muito para que ele me encontrasse, também, e um brilho apareceu em seus olhos, apenas por um segundo antes de eles se tornarem indecifráveis novamente.
-- Oi -- Eu disse timidamente, levantando-me para abraçá -lo. Eu apenas não esperava que ele fosse me envolver tão fortemente em torno dos seus braços. Após algum tempo reconfortante, ele me soltou, e sentir-se na cadeira à minha frente. -- Tudo bem?
Kota olhou rapidamente para mim antes de fazer os pedidos ao garçom, dispensando-o logo em seguida. Eu o estranhava. Era como se nada tivesse acontecido nas últimas 48 horas.
-- Kota? -- sussurrei.
Finalmente seus olhos azuis concentraram em mim. Ele apoiou os cotovelos na mesa, inclinando-se em minha direção.
-- Agora vai me contar o que está acontecendo com você?
Eu respirei fundo uma, duas, três vezes e, então, disse tudo a ele. Falei sobre o encontro inesperado com Adam, a foto, o café -- deixando de lado a parte do beijo. Kota não precisava saber desse detalhe -- as minhas dúvidas e, por fim, o dia de hoje. Fiquei confusa pelo fato de que, a medida em que eu falava, a expressão de Kota mudou de surpresa para preocupação, em apenas alguns segundos.
Quando terminei, tomei um grande gole de água, tentando recuperar o meu fôlego. Kota fechou os olhos por um instante, assimilando todas aquelas informações, e quando os abriu, tudo o que vi foi dúvida.
-- Você está noiva? -- Kota perguntou.
-- Tecnicamente, sim. -- Eu respondi -- Mas apenas nos termos Luso-espanhóis. Não tem nenhum valor aqui, em Illéa.
-- E manteve segredo durante todo esse tempo? -- ele passou as mãos pelo cabelo -- quando pretendia me contar?
-- Kota, eu não sabia. E, quando descobri, quis ter a plena certeza antes de te contar qualquer coisa a respeito. É muita coisa, e tudo parece muito absurdo. -- Eu coloquei minha mão sobre a sua -- Posso estar noiva, Kota, mas isso faz parte do meu passado. Um passado do qual eu sequer me lembro. Quando olho para o meu futuro, é você quem está nele.
Kota abriu um fraco sorriso, e eu pude ver que ele lutava para acreditar nas minhas palavras.
-- E o que você pretende fazer?
-- Na verdade -- Eu e Kota nos viramos para encontrar Adam, parado ao lado de nossa mesa, e vestido com um elegante terno cinza-escuro. -- Vocês terão que terminar a conversa de casal lá em cima. Estamos sendo observados.
Eu pisquei para ele, enquanto Kota me olhava inquisidoramente.
-- Kota, este é Adam.
Um brilho de reconhecimento cruzou seu olhar, para logo em seguida se transformar em algo parecido com raiva. Eles apertaram as mãos brevemente, sem que nenhuma palavra fosse trocada. O meu coração martelava contra o meu peito, e eu não sabia se era por causa da tensão estabelecida em nossa mesa, ou o fato de Adam dizer que estávamos sendo observados. Eu poderia dizer que era por causa de Kota, já que era bastante popular, mas a alta sociedade em nosso meio parecia muito alheia a nossa situação.
Sem que eu percebesse, já estávamos entrando no quarto do hotel, e Adam fechava a porta atrás de si, soltando um longo e exasperado suspiro. Foi a minha vez de passar as mãos pelos meus cabelos, parando-as na minha nuca. Tudo estava acontecendo tão rápido, eu me sentia como uma espectadora, assistindo a minha vida passar diante dos meus olhos, e eu não podendo fazer nada para muda-la.
Adam veio em minha direção, estendendo o braço para me alcançar, contudo Kota se colocou entre nós, com os braços cruzados, e um brilho de raiva no olhar.
-- Não toque nela -- sibilou.
Adam, para a minha surpresa, explodiu em uma gargalhada cínica.
-- Por favor -- ele debochou -- ela é minha noiva.
Kota travou o maxilar, e pude ver todo o seu corpo se retesar.
-- Eu acho que não. Ela mal se lembra de você.
-- Ela mal confia em você! Acho que você não se garante tanto assim, pois não?
Kota estreitou os olhos para ele. A tensão no ar era palpável, e lá estava a sensação de telespectadora. Quando finalmente consegui fazer o meu corpo reagir, me apressei em me colocar entre eles, antes que tentassem se matar.
-- Parem com isso! -- eu estava enfurecida. Meu namorado e meu suposto noivo estavam me disputando como se eu fosse um troféu. Aquilo me atingia, e um buraco no meu peito começava a se formar. Minha mente girava, e eu me senti sozinha novamente. Eu mais que ansiava por uma fada madrinha, para que ela me dissesse o que fazer. -- Se continuar desta forma, ninguém será nada de ninguém aqui.
Kota distituiu da sua posição defensiva para me encarar, tentando conter o seu espanto. Adam abriu a boca para falar algo, mas eu o silenciei, erguendo meu dedo em um sinal.
-- Apenas... Não digam nada.
E eu corri para o banheiro, fechando a porta logo em seguida. Olhei com olhos marejados o banheiro de mármore branco com detalhes dourados, detestando tudo. Eu detestava a forma como vinha sendo tratada. Eu nunca tinha tomado um rumo para a minha vida, sempre segui ordens, e me conformei com a minha posição de servente. Mas justamente quando eu consigo tomar as rédeas da situação, elas escapam por entre meus dedos. Eu estava ficando louca. Uma tormenta se instalava em meu interior, os meus sentimentos embaralhados em um furacão que bagunçava meus sentidos e me deixavam à flor da pele.
Escorreguei com as costas apoiadas contra a poeta até ter os meus braços ao redor dos joelhos, e deixei e as lágrimas escorressem. Um soluço escabou dos meus lábios, e eu tentava secar ao máximo o meu rosto com as costas das mãos. Eu apenas queria chorar. Chorar até não restar mais lágrimas que pudessem expressar toda a minha dor e a minha confusão. Seria muito egoísta da minha parte querer dividir o meu fardo com alguém. Não. Não era justo. Ele era pesado demais, e se tornaria ainda pior se eu responsabilizasse mais alguém pelo meu dilúvio.
Escutei vozes abafadas pela porta e pelos meus soluços, e logo uma batida reverberou na madeira, levando o tremor ao meu corpo, e mais um soluço alto escapou.
-- Vai embora.
-- Gisele... Amélia, quer dizer... hum... Eu... -- Ah não. O que eu menos queria era ver Kota. -- eu queria conversar com você.
-- Quero ficar sozinha -- funguei.
-- Eu... Não posso escutar você chorar, e não fazer nada.
A sua voz soou mais próxima, e eu poderia jurar que ele estava agachado, do outro lado da porta.
-- Já está fazendo algo. Preciso ficar sozinha -- a minha voz saiu em forma de suspiro, e eu fechei meus olhos, encostando a cabeça na porta -- Por favor.
Não escutei mais nada, mas tinha esperanças de que Kota me entendesse. Eu precisava pensar, ou melhor, não pensar. Estava presa nesse quarto de hotel, com pessoas lá fora querendo me matar e um país inteiro esperando a minha volta. Deus, era demais. Sabia que ficar chorando de nada adiantaria, apesar de ser talvez, nem que fosse um pouco, reconfortante. Decidi tomar um banho. Despi-me e dirigi-me para o box do chuveiro sem me incomodar em olhar minha aparência no espelho. Não seria uma visão agradável. A água batia contra o meu corpo e eu me esforçava, imaginando que ela fosse me lavar de todas as minhas angústias.
Enrolei-me em um roupão e acomodei-me na banheira vazia, usando uma toalha limpa que encontrei no armário como travesseiro. Os meus olhos miravam a porta -- também branca -- trancada, onde atrás dela se encontravam dois dos meus maiores problemas. Eu não os enfrentaria hoje. Hoje não. O branco invadia os meus sentidos até que, lentamente, minha vista perdeu o foco, e eu me embrenhei em um sono profundo pelo cansaço, sonhando com uma Ilha deserta, onde o meu nome não importava e não existia uma disputa entre cabelos cor de fogo e olhos de gato. Eu vivia sozinha, tranquila, corria pela Praia, sentindo a areia entre meus dedos e a brisa do mar levantando meus cabelos. Eu era feliz.

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Hey amores!

Venho constatar um fato:
Mais de 8 mil leituras?
Caramba! Vocês são demais!!
Sei que tem as minhas leitoras fantasmas, mas eu espero que estejam desfrutando da trama, bastante, assim como eu disfruto em escrevê-la. Muito obrigada por tudo!!

Me desculpem pela demora em postar o capítulo, foi muito além do prometido. Porém eu estava envolvida em um caso de amor com o hospital, já que eu praticamente vivi nele nessa última semana. Mas aqui está a continuação, espero imensamente que gostem!
Dessa vez há muitas emoções em conflito, e vemos nossa querida Gisele desabar. De vez. Farei o máximo para postar o próximo capítulo o mais breve possível.

Opinem, votem (sabem como eu amo estrelinhas) e aproveitem!!

EncontradaOnde histórias criam vida. Descubra agora