Capítulo 48 - Aprender a perdoar

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Depois

Algo extremamente macio pressionava as minhas costas e rolei, sentindo-o afundar e modelar sob meu peso, ao mesmo tempo em que eu me encolhia e grunhia com a dor que percorreu minhas costelas. 

Arrisquei espiar pelos olhos semicerrados. Ataduras cobriam todo o meu torso, desde a altura dos seios até o quadril, em um aperto que tornava difícil respirar. Franzi o cenho.

Um...dois...três...

Gritei quando desabei no chão, depois de um tentativa falha de me levantar. Nenhum guarda entrou correndo devido ao barulho, tampouco a porta do quarto estava trancada quando cambaleei até ela e testei a maçaneta. Eu estava livre para sair.

O barulho do lado de fora era a antítese da quietude do quarto. Sussurros eram contidos e mascarados pelos passos apressados que ecoavam pelo corredor. Eu me tornei invisível diante das preocupações, um ser que se arrastava junto à parede contra uma maré de criados e guardas fora de suas atividades costumeiras.  Passei a mão pela parede, sentindo a textura dos detalhes entalhados na madeira secular até que uma série de buracos irregulares me fez estancar.

Se eu fechasse os olhos, conseguiria ver nitidamente o tiroteio, com balas perdidas cravando nas paredes e os corpos sendo lançado contra elas,abatidos. Eles já não estavam mais lá, apesar do cheiro forte dos produtos de limpeza ainda pairar no ar. Ao longe, tive a impressão de ver um corpo sendo arrastado.

Cheguei ao salão de baile, principal palco do horror da noite anterior. Ali, não tinha como esconder: sangue manchava o mármore e as paredes brancas, bem como a tapeçaria. O lugar havia sido completamente revirado, destruído. Logo em seguida, a sala do trono. Onde tudo mudou. Onde, no centro, sobre uma grande poça de sangue seco, dois corpos repousavam.

Meu estômago se revirou, e prendi a respiração para não vomitar, minhas costelas protestando. Mesmo assim, andei vacilante até os corpos. Um pano fora jogado de qualquer jeito, cobrindo os rostos. E então senti minha mãos ficarem pesadas, sangue escorrendo por entre meus dedos. Solucei, tentando afastar a lembrança.

A noção do tempo fugiu da minha mente enquanto eu olhava e olhava aqueles corpos, tentando arranjar coragem suficiente para afastar o tecido que os cobria.

Alguém chamou meu nome no exato momento em que dois pares de olhos opacos me encararam.

***

Antes

-- Eu disse que queria ficar sozinha.

Escutei a porta fechar e os passos estalarem pelo mármore. Não virei o rosto quando o rei apoiou os cotovelos na balaustrada, ao meu lado. O colar com a gardênia se entrelaçava em meus dedos como uma hera, e eu o virava em um gesto automático, vendo as diferente formas como ele brilhava à medida em que refletia os pontos de luz do fim do dia.

-- Sinto muito pela sua perda, princesa.

Apertei mais o colar, uma das pontas do pingente furou meu dedo, mas não me importei.

A dor era bem-vinda em meio à tristeza e, principalmente, o ódio. Não conseguiria olhar para o rei e manter a expressão neutra, sabendo o que ele fez. E talvez...talvez ele também soubesse disso.

Elias Connor me contou sobre o último ataque dos terroristas. Eles... eles explodiram o Complexo. Não sobrou nada. Tampouco houve sobreviventes. Aparentemente, uma pequena bomba foi suficiente para destruir o lugar: o fogo entrou em contato com os milhares de barris de pólvora, provocando explosões em cadeia até que restasse apenas escombros e cinzas e chamas. Desde então, Devon não apareceu. E, desde então, eu não conseguia parar de pensar nas milhares de vidas perdidas, que fugiram a guerra e encontraram uma aqui; não conseguia parar de ver os grandes olhos daquela garotinha, Grace, e os rostos daquela família que me acolhia quando ia visitá-los. A mesma família a qual Devon pertencia, e que agora estava morta, deixando-nos sozinhos e desamparados. 

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