Capítulo 30 (parte I) - Aqui estamos

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Gisele/Amélia

Três toques nervosos reverberam pela antiga porta de carvalho antes que eu pudesse me arrepender. Sabiam que eu estava ali, afinal, fui anunciada antes mesmo de ultrapassar os portões que guardavam a antiga mansão. Eu travava uma batalha interna, meu subconsciente inplorando para eu desse meia volta e saísse o mais rapido possível dali, enquanto a minha razão o mandava ficar quieto, mantendo meu corpo retesado no lugar. Todas as minhas tentativas de manter minha respiração normal falharam miseravelmente quando a porta foi aberta. Margareth me olhava de cima, em uma clara posição superior, sem a menor intenção de disfarcar o seu desgosto ao me ver. Ainda sim, parecia apreciar o momento, me colocando em uma posição como um rato prestes a cair na ratoeira.

-- Gisele... como devo chamá-la? Amélia? -- ela sibilou em descaso -- Esperava que eu pudesse me livrar de você de uma vez por todas.

-- Acho que é por isso que estamos aqui, não é? -- Estreitei meus olhos para ela. Margareth Lavinsk com certeza me intimidada, mas ela não me daria qualquer resposta se eu demonstrasse isso a ela. Fiquei meses fora do seu alcance, esperava que isso tivesse algum efeito.

-- Entre, por favor.

Margareth me concedeu passagem, e eu fiz exatamente o que disse. A mansão ainda mantinha sua arquitetura no estilo rococó, apesar de adaptada para suportar as novas tecnologias. Entendi perfeitamente o porque de terem escolhido aquele lugar.

-- Não sabia que estávamos tendo uma reunião de família, mãe.

Ergui a cabeça para olhar sobre o ombro de Margareth, vendo Violet parada na base da estada. A xícara de chá oferecida por uma das criadas tremeu em minhas mãos, e pisquei fortemente para me manter firme. Eu estava cedendo, e elas, mais do que ninguém, não podiam presenciar isso.
-- Não acho que em algum ponto você me considerou parte da família, Violet. -- Ela estreitou os olhos para mim, cruzando os braços sobre o peito.

-- Tem razão, eu nunca considerei você parte da minha família, nem mesmo quando éramos apenas duas garotinhas que moravam em um Palácio.

Eu engoli em seco, mas logo me obriguei a colocar um sorriso falso no rosto. Apesar de toda a minha frieza exterior, eu me sentia quebrada por dentro. Apesar de todos os anos de mais tratos, aquela era a família que eu adotei para mim, com todos os seus defeitos. De uma maneira diferente, acho que os amei, a família Lavinsk teve um grande papel na construção da minha vida, contribuindo para que eu me tornasse quem eu sou agora. Bem, mesmo que não intencionalmente. Assim, o muro que eu construí me permitiu aguentar apenas pelo lado de fora, enquanto por dentro meus sentimentos -- que lutei para apagá-los-- eram estraçalhados.

-- Sinto muito por isso, Violet. Na verdade, sinto por tudo. -- Não sei o por que fiz isso. Minhas desculpas soaram sinceras, e eu sabia que Violet não as ouviria, assim como não o fez da primeira vez. Mas eu devia isso a ela, a nós duas.

Violet desviou o olhar para a sua mãe, que se aproximava novamente com o celular na mão. Eu não havia reparado que ela havia saído desde então. A sua expressão era enigmática, e pela primeira vez não consegui desvendá-la. Mágoa, raiva e egoísmo eram características permanentes em seu rosto bonito, e ao vê-la desprovida de qualquer sentimento, eu soube que havia algo errado.

Eu me sentei no sofá branco extremamente confortável após um maneio de cabeça de Margareth, repousando as mãos sobre o colo. Elas imitaram meu gesto com as poltronas dispostas à frente do sofá, em uma sincronia perfeita. O clima na sala pareceu mudar rápida e drasticamente, tornando-se hostil.

-- O que estão fazendo aqui? -- perguntei.

Um sorriso surgiu no canto da boca de Margareth.

-- Tivemos saudades de casa. Você nos tirou dela por tempo suficiente, e como se não bastasse, acabou com nossas vidas lá. -- Ela cuspiu as últimas palavras -- Já estava na hora de retomar o que é nosso, não acha?

-- O que ofereceram em troca? -- Abandonei a postura para me sentar na ponta do sofá, e busquei os olhos da mãe e filha. -- Velásquez não deixaria você entrarem sem receber algo extremamente bom em troca, já que são declaradas traidoras. O que vocês têm que ele tanto quer?

Violet abriu um sorriso presunçoso quando eu acabei a minha linha de raciocínio. Eu esperava uma reação além desse silêncio constrangedor. Elas não negaram nenhuma de minhas hipóteses, e com isso, pude perceber as feições cúmplices. Me perguntei o que elas tinham em mente, e a ideia veio tão rapidamente quanto a criada que apareceu novamente, anunciando que elas tinham novas visitas. A xícara de chá escapou mas minhas mãos, transformando-se em pequenos pedaços de porcelana espalhados pelo chão. Margareth parecia satisfeita, e riu amargamente quando viu minha reação.

-- Desculpe, minha querida, mas era uma oportunidade que eu não poderia recusar. -- O barulho das botas soou alto no piso de madeira, anunciando a sua chegada. Ergui meus olhos lentamente, encontrando o meu pior pesadelo. A sua postura rígida denunciava o seu caráter militar, além da farda. O rosto austero estava sério, e estremeci sob o seu olhar intenso. Nunca vi tamanha frieza nos olhos de alguém antes, e pensei que nunca chegaria a ver. Sabia que o que enfrentaria não seria nada fácil, mas não esperava nada daquilo. A sensação da experiência é pior do que a do planejamento, muito pior. -- Aí está a sua princesa. -- disse Margareth, em espanhol.

Senti seus olhos percorrerem cada centímetro do meu corpo em uma análise crítica, como se eu fosse um experimento de laboratório. Inconscientemente, recuei alguns passos até sentir a mesa de centro contra as minhas panturrilhas. Me amaldiçoei por não ter pensado nessa possibilidade antes. Por não ter enxergado que essa era a única possibilidade.

Bem, você queria encontrá-lo, meu subconsciente sussurrou. E ele estava certo.

Um sorriso de escárnio surgiu em seu rosto, enquanto ele se aproximava de mim lentamente.

-- Ora,ora. -- ele disse, a voz rouca e profunda -- Acho que não fomos apresentados formalmente, já que você provavelmente não se lembra de mim. Todos me chamam de Velásquez. -- Ele levou as mãos para trás das costas e, ao ver que não responderia, continuou: --Você já me deu muito trabalho, princesa, espero que dessa vez venha comigo por vontade própria. Margareh fez a sua parte, agora você tem que fazer a sua.

-- E não participei parte do acordo, general. Acho que seria muita estupidez minha cair sem lutar justo agora, depois de meses fugindo. Mas também sei que há apenas duas possibilidades de sair dessa casa, e as duas são com você. -- minha voz, surpreendentemente, saiu calma. Ponderei sobre o que falei. A ideia de morrer nessa casa fez meu estômago revirar.

Não olhei para Violet ou Margareth enquanto deixava a casa. Não queria olhar. O peso da traição rasgava a minha mente e meu peito, e eu agarrei minha bolsa firmemente, já que ela era o único apoio que eu podia ter naquele momento. Um objeto inanimado não desejaria a minha queda. Do lado de fora da mansão, um Jeep nos esperava, o banco do motorista já ocupado. Velásquez abriu a porta para mim, e entrei no carro rapidamente, mantendo-me em silêncio. Enquanto Velásquez assumia o banco do passageiro e o carro arrancava com uma velocidade alarmante, senti o celular vibrar sob minha mão, na bolsa. Verifiquei se alguém prestava atenção em mim antes de conferir a mensagem.

De: Número desconhecido
Hora: 03:30 pm

Gisele, não faça nenhuma besteira, por favor. Eu estou indo atrás de você.

O meu coração deu um salto quando li as palavras e, apesar de o número ser restrito, eu tinha certeza de quem havia me mandado aquela mensagem. Apenas uma pessoa me chamava de Gisele.

Kota.

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Gente, sorry pela demora. Minhas aulas voltaram e eu já tenho provas! :(
Vida de ensino médio...

Espero que gostem da primeira parte do Cap! Farei o possível para postar a outra parte o mais rapido que puder.

Comentem e cliquem na estrelinha, me ajuda muito. :)

Ps: obrigada pelos quase 200 comentários!





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