Capítulo 59 - Efeito borboleta

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    " -- Ao contrário de todas as almas que encontrei e foram esquecidas ao longo do tempo, vou levar você comigo.
      -- Acho que isso faz de mim imortal."

   - Klaus e Camille, série The Originals

                              ***

    Kota ainda estava tentando assimilar tudo o que aconteceu. Ele repassava a cena do salão do trono repetidas vezes: Marco Aurélio estrangulando Amélia, ele próprio atirando em uma pessoa, o rei morto, e...
    E Amélia matando Velásquez.
    Naquele momento, ele não soube o que fazer. Ninguém soube. Ele apenas seguiu o seu instinto, enquanto os outros encaravam o tudo e o nada. Ele coroou Amélia rainha. Rainha do quê? Da Espanha e de Portugal? Ele não fazia ideia.
    Então Amélia começou a chorar. Ela pareceu extremamente vulnerável naquele momento. Apenas uma menina. Uma menina bonita e inocente jogada em um mundo cruel. Kota observou quando Devon se inclinou para falar ao ouvido dela. A rainha concordou, tomando uma respiração profunda para se recompor. Devon guardou a arma no coldre e passou os dedos pelas bochechas de Amélia, secando as lágrimas e limpando os resquícios de maquiagem borrada.
    Uma pontada de ciúmes atingiu Kota. Era ele quem devia estar fazendo aquilo. Era ele quem deveria ampará-la. Então por que não saía do maldito lugar?
    -- Durante meses, Portugal atacou a Espanha -- ela começou. -- Sob a fachada de um grupo terrorista nacionalista, seu rei -- Amélia apontou para o corpo, sem olhá-lo. A concentração pulava para cada um dos presentes. Kota percebeu que uma equipe de filmagem gravava a fala -- destruiu cidades e matou pessoas inocentes por motivos egoístas. Como se espera de um bom governante, foi dever meu e do general Declan Velásquez encerrar essa onda de terror. As pessoas mortas na sala ao lado contribuíram, de alguma forma, para que a matança continuasse, e por isso estão mortas. Todos vocês que me ouvem agora são inocentes, e eu tenho a plena consciência disso. Meu dever é para com a paz. Meu legado é a vida. Por isso, digo-lhes para que não temam. Não irei submetê-los à vontade da Espanha. A dívida foi quitada, e acredito uma nação não deve pagar pelos erros de um único homem. Cuidarei para que Portugal prospere sob os olhos do mundo. Mas, primeiro, peço-lhes paciência. Uma das minhas equipes permanecerá aqui para estabelecer a ordem e esclarecer dúvidas, e logo mais teremos uma reunião para discutir questões diplomáticas. Tenham uma boa noite.
    Amélia foi escoltada para fora do salão por um par de guardas. Kota conseguiu fazer com que seus pés se movessem e foi atrás. Uma vez fora, a rainha soltou um grande suspiro.
    -- Como foi?
    -- Ótimo, alteza -- falou Devon. -- Podemos esperar por insurreições em várias partes do país, por isso há uma legião de soldados vindo para cá neste exato instante.
    -- Bom. -- Amélia se permitiu apoiar na parede. O pescoço começava a ganhar hematomas, e o colo estava marcado em vermelho com o sangue que escorrera do corte. Por alguma razão, ainda não tirara as luvas, e Kota pensou que ela parecia um anjo vingador daquela forma. -- Devemos esperar uma reação dos nobres?
    Devon inclinou a cabeça.
    -- Os generais e conselheiros do rei foram eliminados. As tropas estão desprotegidas e tudo o que a alta sociedade quer é dinheiro e poder. Se der isso a eles, permanecerão ao seu lado.
    Amélia olhou de relance para Kota. Ele fez um sinal positivo com os polegares, mostrando que concordava com a ideia. Ela franziu o cenho e bufou.
    -- Que assim seja. Mas no momento em que eu conseguir a estabilidade do país acabarei com as regalias.
    Devon fez uma reverência e se distanciou um pouco. Kota sorriu, aproveitando para se aproximar dela. Amélia o olhou com raiva.
    -- Por que voltou? -- A voz dela estava rouca, a garganta machucada.
    -- Prometi a você que voltaria, não foi?
    -- Poderia ter sido morto.
    -- E você, de fato, quase morreu.
    Um pequeno sorriso se abriu nos lábios dela.
    -- Obrigada. Eu...
    -- Tenho um jato pronto para levá-la, alteza -- Devon os interrompeu. -- Precisa de um hospital e prefiro que esteja em segurança em solo nacional.
    -- Tudo bem.
    -- Ficarei aqui. Você -- apontou para Kota -- cuide dela.
    Kota acenou. Quando Devon deu uma última olhada em Amélia e sumiu por uma porta, ele a apanhou nos braços. A leveza do corpo o surpreendeu. Amélia arregalou os olhos, mas nada disse. Ele viu quando ela foi passar os braços ao redor do pescoço dele, mas recuou, olhando para as luvas brancas manchadas com sangue. Então ela apenas encostou a cabeça no ombro dele e fechou os olhos.
    Uma vez fora, Kota piscou com os flashes que pipocaram em sua visão. A imprensa estava ali, com certeza tentando conseguir algo sobre o que acontecera no Palácio. Será que o discurso de Amélia fora transmitido ao vivo? Guardas entraram em formação ao redor dos dois, escoltando-os até o carro. Kota estava preparado para deixar Amélia confortável, sozinha no banco ao lado, quando ela pressionou mais a cabeça contra o ombro dele.
    -- Não -- sussurrou.
    Kota parou. E não ousou se mexer toda a viagem até a pista de voo particular, onde o jato aguardava. Ele desceu com ela no colo novamente, guiando-se para dentro do avião e então para as confortáveis poltronas. Somente nesse momento Amélia permitiu que se separassem.
    -- Preciso de um casaco. E luvas -- Ela falou, o olhar perdido em algum ponto entre as próprias luvas e os detalhes brilhosos do vestido.
    Um dos comissários de bordo se prontificou em atendê-la, e Kota aproveitou o momento para buscar um copo d'água. Antes de voltar, ele despejou o antídoto na bebiba. O inferno que ele aceitaria uma nova recusa de Amélia.
    Quando voltou, ela estava envolta em um grande casaco de lã, as mãos cobertas com luvas de couro. Estaria ela com frio? Kota resolveu que não era uma boa hora para questioná-la. Amélia desviou o olhar da janela do jato para encará-lo, aqueles olhos ainda úmidos com lágrimas reprimidas. Ela aceitou o copo e bebeu a água sem reclamar, murmurando um leve obrigada para Kota antes de voltar a olhar a paisagem escura.
    Então ele desabou na poltrona ao lado dela e soltou um longo suspiro. Tinha conseguido. Ele tirou Amélia do palácio, ela estava viva e agora com o antídoto iria continuar daquela forma.
    Sim. Deu certo. Eles conseguiram, e iriam conseguir enfrentar tudo o que ainda viria para frente.
    Haja o que houvesse.
                       
                              ***

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