Capítulo 43 - Isso bastou para mim também

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-- Você está me deixando nervosa.

Ele parou de andar de um lado para o outro no pequeno espaço da cela.  Soltei um suspiro de alívio, o som se perdendo em meio ao barulho do vento constante.

-- Perdoe-me, princesa -- ironizou --, mas você deveria mesmo estar nervosa. Sua situação atual não está muito boa.

Apontou para as correntes, que tiniram quando balancei levemente a perna.

-- Não me diga, senhor sabe tudo. Pensei que isso aqui fazia parte da minha imaginação.

Adam estalou os dedos.

-- Isso! Exatamente! Isso tudo faz parte da sua imaginação. O que significa que as coisas estão muito, mas muito ruins.

-- Para um morto, você até que fala demais. -- Pisquei sonolenta para ele.

-- Mia, querida, é você quem me chamou na sua imaginação. Agora aguente a minha companhia.

-- Eu poderia mandá-lo embora -- argumentei.

-- Embora seja isso o que você pensa querer, a sua mente age de uma forma completamente diferente. Essa é... o que? A mais longa alucinação que teve durante o dia? Estamos aqui há horas.

Funguei, limpando o nariz com as costas da mão. Adam franziu o cenho para mim e recostou-se em uma das paredes, apoiando um dos pés na grade de ferro. Cruzou os braços.

-- Isso não foi nem um pouco delicado -- murmurou.

A minha reação seria mostrar a língua para ele, mas toda a minha vontade parecia ter se perdido, então eu apenas enterrei o rosto entre os meus joelhos dobrados.

-- Eu perdi, Adam. Consegui arruinar a última esperança de salvar a Espanha.

-- E o que aconteceu com as medidas institucionais?

-- Aquilo foi apenas uma tentativa de amedrontar os terroristas, descobrir uma maneira de cercá-los até que teriam que fazer contato para prosseguirem com os ataques, e assim conseguiríamos pegá-los. Não funcionou. De alguma forma, eles continuaram atacando. E de novo, e de novo... Tantas vidas foram perdidas! -- lamentei.

-- Tem que parar com isso.

O tom de voz dele foi duro, e eu ergui a cabeça para olhá-lo.

-- O quê?

-- Você está se lamentando há semanas, Amélia! A cada medida que não da certo você chora e se pune por isso!

-- Não é o que eu deveria fazer?

-- Se quiser agir como uma fracassada, vá em frente. -- Adam usou a perna apoiada para impulsionar-se na minha direção, e agachou-se para ficar com os olhos na altura dos meus. -- Reis e rainhas não abaixam a cabeça, jamais. Eles usam as derrotas para aprenderem a não errar no futuro. O passado já ocorreu e pouco importa. Você precisa viver o aqui e o agora. Concentre-se nisso.

-- Minha cabeça está insuportável. Não consigo pensar em quase nada -- resmunguei.

-- Meu pai te drogou. Os alucinógenos fazem seu cérebro criar ilusões sobre questões não resolvidas ou preocupações que te perseguiram ultimamente.

Pisquei quando entendi o que ele quis dizer.

-- Não, Adam.

-- Está claro, Amélia. Tantas visões poderiam estar te assombrando agora, e é a mim que você recorre. Por quê?

-- Adicione isso na minha lista de fracassos -- sussurrei. Não conseguia encarar os seus olhos verdes. Ele estava tão próximo que bastaria um pequeno movimento para que eu conseguisse tocá-lo. Sua boca quase colada a minha, mas a respiração não batia contra meu rosto. -- Viver sem você vem sendo um fardo que eu estou ficando cansada de suportar.

Adam balançou a cabeça.

-- Você não precisa fazer isso. Pode se perdoar e...

-- E seguir em frente? -- Uma risada fraca escapou pelos meus lábios. -- Dizem que percebemos o real valor de uma pessoa quando a perdemos. Eu consigo ver isso agora. Fui tão dura com você quando voltei para a Espanha... Gostaria de ter feito diferente.

Meus dedos começaram a traçar linhas suaves no meu braço enquanto eu olhava para o nada, perdida em pensamentos.

-- Poderíamos ter vivido de maneira diferente, mas tudo o que fizemos foi trair uns aos outros. Eu traí você. Kota me traiu. Você traiu a mim e ao seu país. E, juntos, conseguimos afundar duas nações e talvez um pouco mais de uma só vez. Então talvez isso seja difícil demais para ser perdoado.

-- Eu morri. -- Adam falou, e eu acenei em concordância. -- Acho que pelo menos nesse quesito você pode se perdoar. Não foi sua culpa.

-- E mesmo se fosse, você ainda estaria tentando me consolar? -- A ilusao de Adam permaneceu em silêncio, então continuei: -- Como uma alucinação pode oferecer perdão?

-- Adam a amava, Amélia, e isso bastava para ele.

Voltei meu olhar para ele. Era a primeira vez que referia a Adam como ele, e não eu. Ali estava a prova de que, mesmo em meus delírios, eu jamais o veria novamente. A alucinação sentou-se ao meu lado e passou o braço ao redor dos meus ombros. Apoiei a minha cabeça no peito dele e fechei os olhos. Ele tinha o rosto, a voz, e até mesmo o modo de pensar do Adam, mas não era ele. Não havia respiração e a pele não era fria ou quente;  não podia sentir seu toque. Na verdade, era como se não estivesse ali. E não estava. Tomei uma respiração profunda e carregada. Abri lentamente os olhos, enquanto dizia:

-- Isso bastou para mim também.

Adormeci sem que tivesse consciência disso. Quando acordei, meus olhos varreram o pequeno espaço e me confirmaram o que eu já esperava, apesar de temer:

Estava sozinha.

☆☆☆

John F. Kennedy disse:

" Não vamos tentar consertar a culpa do passado; vamos aceitar nossa responsabilidade pelo futuro. "

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Capítulo novo!! Yey!! E quem sentiu saudade do Adam, pode parar de querer me bater e devorar esse capítulo (Acho que tem um olho na minha lágrima ).

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Beijinhos.

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