Capítulo 29 - Mundos opostos

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Construir uma barreira não é tão difícil quanto eu pensava, principalmente quando se está a mais de mil pés de distância da terra firme. Eu repetia para mim mesma que fiz a coisa certa, deixando Kota e Adam fora dos meus problemas. Apenas me arrependia por tê-los arrastado para esse emaranhado de segredos e mentiras, onde nos envolvemos a ponto de perder o controle. Tenho certeza que Adam estaria com suas mãos em volta do meu pescoço agora, se tivesse a chance. Mas eu simplesmente não poderia continuar com aquilo. Não mais. Espero que eles me perdoem um dia.

A cada segundo que se passava eu adicionava mais um tijolo na minha parede, até que a torre fosse alta o suficiente para que ninguém pudesse entrar, e principalmente, para que eu não pudesse sair. Por incrível que pareça, a minha mente estava tranquila, resultado de um trabalho de horas no aeroporto, enquanto eu esperava o meu voo. Ótimo. Eu iria precisar daquilo.

A classe econômica estava silenciosa já que a maioria dos passageiros dormiam, o único barulho era proveniente das turbinas no lado de fora. O céu escuro adicionava mistério, uma cena típica de um filme de detetive. Bem, a verdade era que eu estava bancando a detetive. Isso fez com que eu buscasse o óculos escuros na minha bolsa e envolvi-o em minhas mãos. Sorri com o pensamento de que Elias Connor se importava comigo. Nosso primeiro encontro não foi muito agradável, afinal, ele me sequestrou, mas depois se mostrou a pessoa mais gentil de Portugal, pelo menos a que eu tive o prazer de conhecer. E não segurei a minha felicidade quando o encontrei no aeroporto, ainda mais quando entregou o óculos para mim. Acho que você seria uma boa agente, ele dissera.  Aposto que Sherlock Holmes me chamaria de estúpida para o que eu estou fazendo agora,abandonando os planos. Mas se bem que ele nunca foi um homem razoável, considerado louco por muitos, todavia ele sempre resolvia seus casos, mil vezes mais complicados do que uma princesa caçada. As lágrimas começaram a cair e eu as empurrei de volta, engolindo em seco.

Não ultrapasse a sua barreira.

Segundo o guia de voo, faltavam apenas quatro horas para que o avião aterrisasse em Madrid. Tive sorte ao conseguir um voo direto devido à minha reserva de última hora, mas era um bom começo. Chegaria na minha terra Natal pouco depois de amanhecer. Um calafrio percorreu meu corpo, lembrando-me que eu não estava ali para desfrutar, assim como tendo todas as cartas na mesa, eu precisava apenas virá-las, mas acima de tudo, sobreviver a elas.

Pela primeira vez em minha vida eu não tive paciência para um livro, apesar de ser o meu preferido. Eu lia a mesma linha várias vezes, sem meu cérebro registrar sequer uma sílaba. Aquilo estava se tornando frustrante. Eu me tornara escrava da noite, não conseguia dormir e muito menos fazer qualquer coisa além de olhar fixamente para o céu negro cheio de nuvens. O tempo parecia outro dentro do avião, com uma nova atmosfera, todos os pequenos ruídos unindo-se e transformando em uma melodia .

E então ele pareceu colaborar. Logo o piloto iniciava o processo de aterrissagem e os passageiros acordavam aos poucos. Vinte minutos depois eu estava dentro de um taxi a caminho de um hotel.  O meu espanhol ainda estava um pouco enferrujado, afinal, eu não tive tempo para praticar, mas consegui me comunicar com o taxista. Ele me olhou estranhamente durante alguns segundos, como se me conhecesse. Não era possível, as pessoas não se lembrariam assim depois de oito anos, além disso, a memória feita era de uma garota morta. Deixei escapar um suspiro de alívio quando o taxista foi embora sem fazer alguma pergunta a respeito.

Mecanicamente, fiz o check in no hotel, sem parar para admirar a beleza da construção antiga sobre a qual ele se erguia. Madrid é uma cidade história, séculos de acontecimentos que marcaram a passagem do mundo para o que ele é hoje estiveram aqui. Eu deveria me sentir reconfortada por finalmente estar em casa, mas algo mais profundo em meu peito, deprimente, me fazia apenas querer acabar com todos os problemas, como dois coelhos em uma única tacada. Chega de enrolação. Assim, arrumei rapidamente a minha mala logo que entrei no quarto, colocando em uma bolsa -- que comprei no aeroporto -- apenas aquilo que eu considerava essencial. Desci para o café da manhã que já estava sendo servido no buffet e, de certa forma, o grande mapa em cima da mesa chamava atenção de alguns hóspedes, enquanto eu o analisava, bebericando um café. Franzi o cenho algumas vezes na tentativa de localizar o meu destino e traçar uma rota, mas assim que consegui, o meu cérebro pareceu entrar em um estado letárgico e acordou apenas quando desci do táxi na Ala das Mansões.

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