Capítulo 36 - Onde as ruas não têm nome

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" Esmagados em poeira
Eu te mostrarei um lugar
Acima das planícies desérticas
Onde as ruas não têm nome. "

- U2 , Where the streets have no name

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Não era difícil passar despercebida ali. A ronda militar possuia uma certa frequência, o que me fazia parar abruptamente a cada esquina, bem a tempo de ver outro carro do exército passar. A probabilidade de eu ser pega era quase 100%, entretanto os guardas não se davam o trabalho de procurar por algo fora do normal, apenas lidavam com aquilo que estava a sua frente. Por isso, ninguém notava a garota de cabelos loiros avançando na direção contrária da multidão. Não via qualquer outro local de trabalho ali, então presumi que todos estivessem voltando das fábricas.

Bem, se não sabe para onde ir, apenas siga o caminho.

O céu cinzento escureceu rapidamente, tornando difícil enxergar na escuridão iminente, sem que houvesse qualquer fonte de energia nas ruas que pudesse me dar uma luz. As fábricas ao longe pareciam figuras medonhas que perfuravam o céu com as suas chaminés, lançando a poeira negra que parecia matá-lo aos poucos. Sendo uma ilusão da minha cabeça ou não, quanto mais eu caminhava para as fábricas, mais elas pareciam estar distantes. Como em um sonho, onde os meus pés me impedem de seguir em frente. As minhas pernas latejavam em protesto pelo esforço de estar caminhando durante todo o dia, e meus pés ardiam pelas novas bolhas de se formaram devido ao atrito com a sapatilha. Mesmo assim, eu me obriguei a continuar. Agora que já tinha chegado até ali, não seria a dor física que me impediria de finalmente descobrir a verdade, de descobrir a arma que poderia usar contra Velásquez.

Se é que ela não poderia acabar sendo usada contra mim.

Sacudi a cabeça para espantar os pensamentos inoportunos. A minha mania de imaginar o futuro me impedia de me concentrar no aqui e agora. A aglomeração de pessoas se tornou cada vez maior, dificultando minha passagem entre elas. Várias vezes reprimi a vontade de pedir desculpas por pisar no pé de alguém, ou de usar meus cotovelos como um escudo. Precisava evitar o máximo possível de contato. Por alguma razão, confiava que, se alguém me reconhecesse, não contaria para os guardas, mas o alvoroço inevitável que se formaria ali certamente chamaria atenção.

Dobrei a esquina em busca de um local menos movimentado. Ali a iluminação era ainda mais deficiente, e a única coisa que consegui distinguir foram as formas quadradas e quatro vultos no meio da rua, dois deles segurando um instrumento longo. O mais alto deles apontou o objeto na direção das duas figuras encolhidas à frente deles, e eu corri.

-- Ei! -- gritei. As quatro pessoas olharam para mim enquanto eu me aproximava delas. Quando cheguei perto o suficiente, pude reconhecer a farda que os dois homens usavam. Soldados. Engoli em seco, em uma tentativa de espantar os meus temores. Agora não tem como voltar. Sendo assim, soei o mais autoritária que pude : -- O que vocês pensam que estão fazendo?

A gargalhada curta do soldado explodiu em amargura, e então senti uma mão segurar meu braço e me puxar em sua direção.

-- Quem você pensa que é para falar dessa forma com uma autoridade? -- o seu hálito bateu quente contra o meu rosto e eu fechei os olhos, virando a cabeça para o lado. -- Acho que alguém não conhece as consequências por se quebrar uma regra.

-- Deixe-a. -- uma voz feminina falou, com um sotaque carregado. -- Ela é nova aqui, ainda não conhece o protocolo. Posso garantir que isso nunca mais se repetirá. -- o soldado grunhiu, intensificando o aperto no meu braço. -- Por favor, tenente. Ela é minha prima.

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