Capítulo 26 - Queluz

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Uma puxada brusca de ar fez com que eu pulasse na cama, sentindo o meu braço puxar. A minha cabeça latejava em proporções estrondosas, tornando difícil manter os olhos abertos. Os lençóis claros de cetim envolviam meu corpo em um abraço caloroso, contrastando com o frio em um ponto fixo do meu braço. Franzi um pouco o cenho, sem entender o que estava acontecendo. Aos poucos, minha visão entrou em foco, e pude reparar no quarto em que me encontrava. Era espaçoso, para falar a verdade, muito espaçoso. A decoração era semelhante ao quarto de America no Palácio de Illea durante a seleção. Uma grossa porta estava na parede oposta da cama, com vários adornos entalhados na madeira. O papel de parede creme adicionava um toque delicado ao lugar, assim como o jogo de mesa em um estilo rococó na diagonal esquerda.

Olhei para meu braço, semicerrando os olhos para a agulha que lhe transmitia soro. Eu não preciso disso. Com cuidado, tirei-a do meu braço, levando meu corpo para fora da cama e testando os meus pés. Eu estava bem. Apenas não entendia a camisola de seda que abraçava as minhas curvas. Onde eu estava?

Andei até a porta, ignorando os calafrios que subiam pelo meu corpo com o contato ao mármore frio do chão. Minha mão voou inutilmente até a maçaneta da porta: estava trancada.

-- Olá? -- bati levemente na porta. Devia ter alguém do outro lado. -- ei!

Não houve resposta. Revirei os olhos, me chamando de tola por pensar que ela estaria aberta. Recostei-me na porta, mordendo o lábio enquanto analisava o quarto. A disposição dos móveis meticulosamente ordenada me parecia que ele era raramente usado. A porta de que abria passagem para uma enorme sacada estava fechada, revelando o céu acinzentado, enquanto as gotas de água molhavam o vidro. Caminhei vagarosamente até ela, abrindo-a.

Ao contrário da porta do quarto, a porta de vidro abriu facilmente com o meu toque, permitindo que a brisa gélida balançasse meus cabelos, encorajando-me a avançar. Os pingos de chuva escorriam em uma dança fluida pelos meus braços, me reconfortando de certa forma. Há tanto tempo que não via a chuva, e confesso que pensei que nunca a veria novamente. Minhas mãos pousaram delicadamente sobre o mármore da sacada, tentando enxergar algo além da água, que parecia cair cada vez mais forte, em um tom castigante. A edificação se estendia até onde a minha vista alcançava, desaparecendo depois dela. Estava a muitos metros do chão, e a neblina lá embaixo me causou uma certa tontura, minha dor de cabeça retornando em um pico agudo. Cambaleei um pouco, sentindo minhas pernas cederem, mas consegui segurar na pedra antes que tivesse um encontro doloroso com o chão, transformando a queda em algo mais sutil.

Abracei meus joelhos, sentindo meus olhos queimarem. As lágrimas, que eu tanto reprimi durante os últimos dias, vieram com força total. Estava sozinha, e não fiz nada para impedí-las. Um grito rompeu pela minha garganta, liberando toda a minha frustração, o medo, a raiva. Eu não sabia o que fazer. A traição e a culpa eram ardentes em meu peito, me fazendo ansiar para poder jogá-las fora. Eu queria um pouco de paz. Conseguia me imaginar vivendo em um mundo onde eu não fosse princesa; poderia viver em uma casa modesta, em um local mais isolado, cercada pela natureza e suas maravilhas. Não haveria nada que pudesse estragar aquela bolha de felicidade. Mas esse mundo, para mim, era inalcansável. Então eu precisava ser forte. Enfrentar seja lá o que estivesse atrás daquela porta, sem abaixar a cabeça. Jamais.

Me permiti chorar até não restar mais nada, apenas os pequenos soluços, diluídos em meio ao som da chuva. Eu estava encharcada, ainda no chão da sacada, sem me importar com isso. Não sairia de lá tão cedo, afinal, para onde iria?

Até que a porta foi aberta.

Funguei, enquanto via um guarda entrar no quarto, o uniforme vermelho impecavelmente arrumado. Ele passeou os olhos pelo local rapidamente, até que eles se arregalaram quando viram a imagem de uma garota encolhida na chuva. Se aproximou a passos largos, até que chegou a porta de vidro, parando logo ali. Não emiti nenhum som, apenas me arrastei para o canto da sacada, o mais longe possível dele. Seu olhar se transformou em pena, como se eu fosse um pássaro enjaulado e assustado, sem esperanças de conseguir fugir.

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