Capítulo 46 - Jogo de artimanhas

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Eu estava sentada em uma cadeira no meio do escritório do rei, emburrada como uma criança de cinco anos. Eu me recusava a deixar de encarar o guarda a minha frente, assim como fazia questão de demonstrar a minha insatisfação em relação às algemas que prendiam meus pulsos atrás da cadeira. Depois do meu pequeno show no quarto, demorou nem dois minutos para que alguém fosse lá ver o que estava acontecendo. Uma avaliação dos danos e então eu estava aqui, na sala, esperando pela sentença da minha travessura. A vontade de rir era suprimida apenas pela raiva e pelo desconforto de estar naquela posição há um certo tempo.

-- Sabe, algemar não é bem uma medida de segurança para se usar em uma princesa -- falei para o guarda, que estava imóvel até então. O quepe e o modo como a cabeça dele estava inclinada fazia sombra sobre seus olhos, mostrando apenas o maxilar reto e talvez um pouco familiar. -- Você pode me soltar e resolveremos isso como pessoas civilizadas.

-- Acredita mesmo que atirar móveis pela sacada é atitude de uma pessoa civilizada? -- ele riu -- Quando eu disse para jogar o jogo, não quis dizer para jogar literalmente as coisas pelos ares.

-- Espera... O quê? Você mandou o bilhete?

Os lábios dele torceram em um sorriso cínico, e ele fez um gesto com a mão, afastando um pouco o quepe para revelar todo o seu rosto.

-- Devon --resfoleguei -- O que você... Como está aqui? Eu...

-- Ao contrário do que está pensando, princesa, eu não sou um traidor. A AIP não é a única a ter soldados infiltrados em outras fronteiras.

Eu tentei falar alguma coisa, juro que tentei, mas a incredulidade se apoderou de todas as minhas reações. Devon, o soldado que me ajudou na minha primeira noite no Complexo e que vêm sendo meu aliado desde então, é um espião? O pior é que eu não podia questionar suas ações, afinal era isso o que ele era na Espanha. Meu informante.

-- Velásquez me colocou aqui desde a explosão que matou o Príncipe. -- A voz dele, reduzida apenas a um sussurro, era calma e fria, um modo extremamente calculista para analisar a reação de alguém. No caso, eu, que estava prestes a surtar. -- Venho monitorando os passos o rei enquanto faço parte da Guarda Real.

-- Não está se comprometendo ao me contar isso?

-- As câmeras só captam imagens princesa. E, nesse momento, tudo o que eles conseguem ver é uma princesa muito, muito irada.

Eu me remexi, incomodada.

-- Você me disse que eles precisavam de tempo. Se referia a Declan? -- um aceno de cabeça -- Mas ele não sabe sobre mim. -- outro aceno -- Por que não me tirou daqui? Ou por que não contou a ele o que aconteceu comigo?

-- Desde o fechamento das fronteiras eu não consigo contatar meus supervisores na ASE ou voltar para a Espanha. Fui completamente cortado. Além disso, alguns dos agentes da AIP começaram a me olhar por tempo demais nos últimos dias. Corri um risco gigante aplicando aquela injeção em você.

-- Pensei que estivessem me matando.

-- Na verdade, você morreu, de fato. Foi a única forma de fazer com que eles te tirassem das masmorras.

Os olhos dele percorreram o meu rosto por alguns instantes.

-- Por que está aqui, princesa?

-- Eu precisava... -- poderei se dizer algo a Devon era uma decisão sensata. Ele salvara a minha vida, mas isso não significava que ele não estava jogando para os dois lados. Com ele na guarda real, eu não poderia arriscar. -- Precisava saber da verdade.

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