Capítulo 54 - Somos feitos de grandes momentos

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Amélia

Em minha vida na Espanha, eu me habituei a me arrumar sozinha para o dia a dia e a maioria dos eventos, como recepções e conferências. Já em dias festivos, contava com uma equipe restrita de maquiadores e cabeleireiros, além de uma criada para me ajudar com os detalhes dos vestidos de gala.

Agora eu era vigiada até mesmo para tomar banho.

Meus dedos agarraram as bordas da banheira e Eleonora, minha criada, se apressou para me envolver com um roupão quando levantei. Quando olhei para ela, franzi o cenho. Eleonora mantinha as mãos unidas na frente do corpo, mas a cabeça estava baixa, os ombros um pouco curvados, e nenhum som saía da sua boca -- contrariando completamente a sua veia tagarela.

-- Ei, está tudo bem?

Ela balançou a cabeça rapidamente, mas não foi o suficiente para mim. Peguei seu queixo e o ergui até que seus olhos estivessem nos meus. Eles estavam vermelhos, como se ela tivesse chorado por um bom tempo, mas o que me chamou a atenção foi a palidez da pele e os lábios rachados. O brilho vermelho do sangue surgiu de uma das suas narinas.

-- Eleonora, seu nariz está sangrando.

Ela se desvencilhou do meu toque e limpou o nariz com um pano. Só então percebi que ele já estava com outras manchas de sangue.

-- Desculpe-me, senhorita. Isso acontece de vez em quando. -- Ela forçou um sorriso. -- Vamos? Preciso começar a preparar a senhorita para o baile.

-- Ainda faltam três horas! Estou tão mal assim? -- Brinquei.

-- A senhorita está radiante. Mas eu preciso de tempo para deixá-la esplêndida.

A mentira não fez com que eu me sentisse melhor, e Eleonora não parecia feliz com as festividades. Antes que ela deixasse o banheiro, agarrei seu pulso com uma força que pensei não ter. Abri a torneira da pia, o barulho da água correndo se intensificando depois que fiz o mesmo com o chuveiro. Eu sabia que as câmeras estavam apenas no quarto, mas desconfiava que, depois do ocorrido com Devon e Elias, o rei mandara instalar escutas em cada superfície dos meus aposentos.

-- A água mascara nossas vozes -- sussurrei para ela. -- Preciso que me diga o que está acontecendo com você.

Eleonora me olhou indecisa.

-- Não é nada, senhorita. Apenas mais uma indisposição entre os criados.

-- A mesma indisposição que tirou Narissa?

Narissa foi a minha primeira criada aqui. Um dia ela teve crise de tosses e eu a mandei para a enfermaria. Ela nunca voltou aos meus aposentos. Quando perguntei o que estava acontecendo para um dos guardas, ele me disse que houve uma gripe que atingiu a criadagem, e os membros foram isolados para não espalhar a contaminação.

-- Você pode me falar -- incentivei.

-- Narissa foi envenenada -- ela hesitou -- e eu também.

-- O quê?

-- Estamos sendo envenenadas junto com a senhorita.

Pisquei. Me envenenar é uma coisa, mas por que fazer o mesmo com as criadas?

Eleonora viu a minha confusão e pegou um perfume dentre os vários na bancada ao lado da pia.

-- Um dia eu estava passando pelo andar com roupas de cama quando o rei me pediu para que colocasse esse perfume nas suas coisas. Eu não tinha entendido o porquê, mas obedeci. Um tempo depois a senhorita começou a passar mal, e então Narissa foi chamada para cuidar da senhorita. Ela passou mal também, e foi suspensa. Agora eu estou aqui e... -- Ela ergueu o pano manchado.

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