Capítulo 62 - Não deixarei você partir

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"Saiba que eu te amo tanto
Eu te amo o suficiente para deixá-lo ir
E eu quero que você saiba
Você não poderia ter me amado melhor
Mas eu quero que você siga em frente
Então eu já parti"
             - Already Gone, Sleeping at last

                              ***

Kota

        Aquela foi a última vez que ele viu Amélia Castillo. Depois da coroação, ela sumiu da vida dele como se nunca tivesse estado lá. Nos primeiros dias, ele entendeu, pensando que devia haver mil coisas para a nova rainha fazer, conferências e toda o blá blá blá da burocracia. Como Duque, Kota também tinha os próprios assuntos para administrar. Antes, Violet se encarregava da parte política do título deles -- já que tinha mais contato com esse mundo do que ele --, apesar de a participação da nobreza na política ter sido quase nula nos últimos seis anos. No governo de Velásquez, um título era apenas isso, um título. Os militares haviam tomado conta de todo o país. Agora que Amélia assumiu o trono, ela escolheu novos administradores e aqueles com direitos de comando começaram a recuperar o controle.
        Kota bufou e largou os papéis em cima da mesa. Ele passou as mãos pelo cabelo e então pressionou os dedos em cada têmpora. A vista já  estava cansada de tanto encarar os contratos de serviços. Desviou o olhar para a janela e para o céu nublado da manhã fria de Madrid. A verdade é que a mente dele estava longe, no palácio e na rainha que ali vivia.
        Um mês. Já havia passado um mês desde aquela pequena troca de olhares durante o discurso de ascenção de Amélia. Ele não esperava que dar um tempo levaria um período tão longo. Kota tinha tentado se aproximar dela, mas algo sempre os separava. Ele tinha um compromisso; ela estava recebendo embaixadores ou visitando cidades. Quanto a isso,  Kota tinha que reconhecer o esforço dela para colocar as coisas em ordem. A guerra, apesar de persistir, não duraria muito mais. Kota estava orgulhoso, mas, se parasse para analisar bem os fatos, poderia dizer que Amélia estava usando os compromissos para evitá-lo.
        Ele sacudiu a cabeça, espantando os pensamentos inoportunos. Algo vibrou na mesa, debaixo daquele tanto de documentos que Kota teve jogar no chão para alcançar o telefone a tempo.
         -- America -- ele disse em um suspiro.
         -- Kota, como está?
         Ele passou os olhos pelo quarto de hotel. Cama desarrumada, mala aberta e roupas espalhadas por todos os lados.
         -- Bem, eu acho. E você?
         -- Tudo ótimo por aqui. Sei que deve estar ocupado, mas eu não podia adiar essa ligação, então serei breve. Maxon e eu estávamos pensando... -- Ela hesitou. -- Acho... Acho que você deveria voltar para casa.
        Kota franziu o cenho.
        -- O quê?
        -- Escuta, Kota, estamos preocupados com você. Enfrentou tanta coisa e agora está morando em um quarto de hotel. Mamãe me liga todos os dias para saber se tenho notícias suas. E só para você saber: ela está furiosa.
        Kota fechou os olhos por uns instantes. Fazia duas semanas desde que ele vendera a antiga casa e se mudara para um quarto de hotel. A verdade é que ele se sentia assombrado pelos fantasmas ali, sozinho. Então não demorou muito para que ele arrumasse as malas e deixasse o lugar.
         -- Kota? -- America chamou. --Ainda está aí?
         -- Sim, estou. Não posso voltar, America. Nunca pertenci à Illéa. Eu... Amélia é o meu lar.
         Ele conseguia ver a irmã abrindo um sorriso.
         -- Eu entendo você. De verdade. Já falou com ela?
         -- Não. Ainda não tive a oportunidade. Acho que não tivemos tempo um para o outro.
         -- Bem, então pare de esperar. Sei mais do que ninguém como o tempo pode ser traiçoeiro. Ao mesmo tempo que ele nos dá coisas, ele também nos tira. Se você realmente ama a Amélia, não deixe que o tempo a leve para longe de você.
         Kota sorriu.
         -- Não vou, pirralha.
         -- Argh, detesto você. -- Mas ela estava rindo também. Ele escutou vozes ao fundo e America murmurou algo que Kota não entendeu. -- Não queria contar isso por telefone, mas Maxon está com um sorriso tão grande que acho que vai partir o rosto dele em dois. Então aqui vai: eu estou grávida.
          Por um momento, Kota encarou o nada em choque.
         -- Grávida?
         -- Sim. Hoje é aniversário do Maxon e achei que a notícia seria um bom presente. Agora ele insiste em contar para toda a família.
         -- Minha irmãzinha está grávida? -- Ele gargalhou. -- Parabéns aos dois! Já estou com dó do meu sobrinho.
         -- Kota! -- Ralhou ela, indignada. -- Dos cinco filhos, essa criança não poderia ter escolhido pais melhores! Kenna já tem a Astra, May e Gerard são muito novos, e você é um idiota!
        Ele gargalhou.
         -- Ok, ok. Você ganhou. Fico feliz por você, America.
        A voz da irmã foi doce:
        -- Você mudou muito, Kota. Voltou a ser o irmão que eu conheci um dia. Eu acho... Acho que, de alguma forma, ela o salvou . Trouxe à você a felicidade. -- Ela fungou. -- Ah, esses hormônios. Eu tenho que ir e terminar de verificar os preparativos da festa do Maxon. Não esqueça de nos visitar, ok? E eu espero que vocês sejam muito felizes juntos, e que tenham lindos bebês. -- America riu. -- Que todos se pareçam com a Amelia, meu Deus.
         Kota riu da brincadeira da irmã, mas as palavras aqueceram alguma parte do coração dele que ainda estava escondida. Ele podia imaginar: uma menininha ou um menininho correndo pelos corredores do palácio e chamando Amélia e ele de pais. Antes, a ideia de ter filhos era impensável. Agora, simplesmente parecia... Certo. Ele queria isso. E queria olhar para Amélia e chamá-la de esposa. Queria acordar no meio da noite e sentir a respiração dela ao seu lado. Ele queria tudo isso e muito mais.
        Assim que America desligou o telefone, Kota nem se incomodou em tirar os papéis do chão antes de pegar as chaves do carro e correr para o estacionamento do hotel. America tinha razão; ele esperara demais. Kota não se importou exatamente em parar em todos os semáforos ou respeitar as demais normas de trânsito. Mesmo assim, o trajeto até o palácio pareceu durar uma eternidade. Quando chegou, estacionou o carro de qualquer jeito e tentou não correr até a entrada. No entanto, logo foi interceptado pelos guardas da portaria.
        -- Posso ajudá-lo, senhor?
        Kota puxou uma respiração profunda.
        -- Tenho uma reunião com a rainha.
        O guarda mais alto -- um brutamontes que aparentava ter quase dois metros de altura -- o olhou de cima a baixo.
        -- O convite, por favor.
        Kota franziu o cenho.
        -- O quê? 
        -- Os visitantes do palácio possuem um convite com o selo real. Preciso conferir o seu antes de liberá-lo.
        -- Isso é ridículo. Eu sou Kota Singer. Nunca precisei de um convite para entrar no palácio.
        -- A rainha impôs essa regra para que pudesse ter controle e conseguisse tempo para atender a todos. Sinto muito, senhor, mas são as regras.
        Kota deu um passo à frente.
        -- Eu preciso falar com ela.
        -- Então o senhor deve ligar para a assessoria do palácio e marcar uma reunião. Sem o convite, tenho que pedir para o senhor se retirar.
        Kota inclinou a cabeça e ergueu as mãos em rendimento.
        -- Tudo bem. Eu vou embora.  
        Ele deu meia volta e caminhou dois passos, para então se virar e acabar batendo contra o guarda que estava acompanhando-o de perto. Este abriu um sorriso cínico.
        Kota deu um passo para o lado, e o guarda o seguiu. Então o parceiro dele se adiantou e agarrou o braço do ruivo.
         -- Senhor, se continuar insistindo, teremos que tirá-lo à força.
         -- O que está acontecendo aqui?
         Foi a voz de Devon, que caminhava até eles com passos largos e duros. Os guardas imediatamente entraram em posição de sentido, o aperto no braço de Kota ficando mais forte. Ele falou:
         -- Esses dois brutamontes querem me impedir de entrar.
         -- Ele não possui o convite, senhor.
         Devon revirou os olhos.
         -- Eles estão cumprindo ordens, Singer. Deveria ter me ligado.
         -- Não sabia que para falar com Amélia precisava de permissão.
         -- Ela é a rainha agora. Sua segurança é de extrema importância e o convite não é nada mais do que um meio para garantir isso.
         Kota se impulsionou para se soltar e cruzou os braços sobre o peito.
         -- Preciso vê-la, Devon.
         -- Singer...
         -- Eu juro que chuto a sua bunda se tentar me atrapalhar.
         Devon trincou o maxilar, mas acenou em concordância.
          -- Voltem aos seus postos -- ordenou aos guardas. -- Eu acompanharei o senhor Singer.
          Os guardas fizeram continência e se retiraram. Kota segurou a vontade de fazer um gesto vulgar para eles, mas acompanhou feliz Devon até a entrada principal e então pelos corredores do palácio. Devon não disse uma única palavra durante o caminho, o que permitiu a Kota observar as mudanças no lugar. Na época de Velásquez, as paredes do palácio pareciam nuas e sóbrias demais, preto no branco, como o próprio governo do general era. Agora, com Amélia, o palácio parecia respirar por si mesmo; as paredes estavam vivas com quadros, desde retratos da família real até obras de pintores reconhecidos. Flores em grandes vasos ornamentados coloriam cada janela, e ouvia-se o borburinho das conversas dos funcionários.
          Eles pararam em frente à porta do antigo gabinete do general. Devon deu três toques antes de abrir levemente a porta, e o coração de Kota pareceu saltar nesse momento.
           -- Majestade? -- Devon colocou apenas a cabeça para dentro da sala. -- Você tem mais uma visita.
           Seguiu-se um momento de silêncio em que Amélia deu sua resposta, mas Kota não conseguiu ouvir. Por fim, Devon endireitou o corpo e abriu a porta o suficiente para permitir que Kota passasse. Ele entrou rapidamente, mas não foi muito longe. De repente, ele não sabia como agir. Agora que Amélia era rainha, deveria ele manter uma distância respeitosa? Até que ponto a intimidade deles se mantinha intacta?
          Amélia estava de costas, as mãos trabalhando rapidamente na organização dos papéis. Quando terminou, ela respirou fundo, alisou o vestido e se virou, falando:
          -- Boa tarde, Sen...
          Mas, assim que viu Kota, a frase morreu em seus lábios. Ela arregalou os olhos e falhou um passo para trás.
          -- Kota -- ela soprou, e então pigarreou para concertar a voz. -- Que surpresa. Não sabia que você viria.
          Amélia não fez menção de se aproximar dele, as mãos unidas na frente do vestido. Cautelosamente, Kota avançou até ela, tentando decifrar o porquê de ela ter reagido daquela maneira.
           -- Oi. Eu estava pensando em você hoje, e já faz um mês que... -- Ele parou, incerto sobre as palavras.
          -- Oh, sim. Me desculpe. As coisas estão... Malucas. O trabalho nunca acaba.
          Ele abriu um sorriso sem graça. Que estranhamento era aquele? Eles estavam agindo como completos desconhecidos!
          -- Como você está? -- Perguntou Amélia.
          -- Bem. Melhorando. Você?
          -- Bem também.
          Ela desviou o olhar para a janela. O corpo tenso denunciava a preocupação com alguma coisa.
          -- Senti a sua falta -- murmurou Kota.
          Amélia enfim olhou para ele, e mesmo à distância, Kota pôde ver a tempestade que os olhos guardavam.
          -- Também senti a sua falta.
          Se havia alguma restrição entre eles, Kota ignorou. Ele preencheu o espaço entre eles em um segundo, e no outro Amélia já era envolvida em um abraço. Kota enfiou o nariz na curva do pescoço da rainha e inspirou o perfume suave dela. Amélia suspirou, passando os braços ao redor de Kota também. Mas, no momento em que ele a olhou e se inclinou para beijá-la, Amélia se desvencilhou dele e impôs novamente aquela distância. Kota franziu o cenho.
           -- Como está a sua irmã? Não falo com ela desde o dia que partiram.
          Amélia mudou de assunto para tentar amenizar a tensão entre eles, mas era uma coceira que Kota não conseguiu ignorar.
          -- Ela está bem. Me contou hoje que está grávida.
          A rainha ergueu as sobrancelhas, então a expressão suavuzou e ela abriu um sorriso.
          -- É uma notícia maravilhosa. Ligarei para ela mais tarde para desejar os parabéns. -- Ela olhou para as próprias mãos por um instante antes de voltar a atenção para ele. -- Sou eternamente grata à America e Maxon por terem me ajudado lidar com essa confusão. E também agradeço por tudo o que fez por mim e pelo meu país.
          O sorriso resignado de Amélia fez Kota piscar, achando ter entendido errado.
          -- Você está... Me mandando embora?
          -- Temos vidas diferentes, Kota. Eu pertenço a este palácio, ao meu povo. E isso -- ela girou o dedo para indicar o lugar em que estavam -- não serve para você.
          -- Isso não é verdade.
          Ela suspirou.
          -- É sim, Kota. Nós nao servimos um para o outro. Eu aceitei isso, e agora você precisa aceitar também. 
          Kota recuou um passo, como se tivesse sido atingido por uma parede invisível. As palavras saíram tão claras, leves, tão... verdadeiras.
          -- Você pensou nisso desde o início? -- Ele não se importou com a mágoa que carregou a sua voz.  -- Quando fugimos juntos de Illéa e você continuou comigo, mesmo quando decidiu que iria lutar pelo seu país, você sabia que chegaria o dia em que iríamos acabar? Que eu não seria mais suficiente para você?
          -- Kota...
          -- O que eu sou para você, Amélia? Uma ferramenta para você manipular, usar e depois descartar?
          Ele viu a rainha prender a respiração e piscar, atordoada.Ali, uma pequena brecha na armadura que ela criara ao redor de si mesma. Mesmo em meio à raiva e à mágoa, Kota conseguiu enxergar essa falha.
          -- Você me amou? Quero dizer, alguma vez você me amou de verdade? -- Ele sussurrou. E se tudo tivesse sido uma mentira? O dia no parque de diversões, a carta que ela lhe enviara... E se não fosse real?
          Lentamente, ela balançou a cabeça em concordância.
          -- Então me diz o que está acontecendo. -- Amélia apenas continuou a olhar para ele. Então Kota mais uma vez avançou e segurou o rosto dela entre as mãos. -- Diga-me! Se estou realmente saindo da sua vida, acho que mereço uma explicação decente. Diga-me!
          Kota não se importou com o orgulho ao suplicar. A vontade dele era de sacudir Amelia até que ela acordasse e visse o quanto a ideia era ridícula. Os olhos azul-esverdeados dela brilharam para ele, e ela colocou as mãos finas sobre as de Kota. Foi nesse momento que a manga do vestido dela subiu, revelando o início de uma marca roxa no braço. Kota franziu o cenho, soltando rapidamente o rosto de Amélia para pegar o braço. Ela viu a intenção dele e tentou recuar, mas ele já a segurava firmemente e erguia a manga até a altura do cotovelo.
        O antebraço dela parecia uma coleção de hematomas. Manchas roxas salpicavam a pele em todo o lugar, e Kota se apressou para pegar o outro braço e encontrá-lo no mesmo estado. Ele balançou a cabeça, aturdido, e ergueu a cabeça para Amélia.
         Ela manteve os braços erguidos, as palmas das mãos viradas para cima, como se estivesse se oferecendo para receber o que quer que fosse. Ou se rendendo. E aqueles olhos... Neles agora só havia pesar.
         -- O que é isso? -- Perguntou Kota, quase engasgando.
         Amélia soltou um suspiro cansado.
         -- Eu tenho uma doença autoimune,  o que significa que o meu corpo está se destruindo por conta própria. Quando Marco Aurélio me envenenou, ele... O veneno fez com que meu organismo se tornasse mais frágil aos ataques. E embora você tenha me salvado naquele dia, preciso de doses cada vez mais fortes dos remédios. E logo chegará a hora em que eu simplesmente não responda mais à ação deles. Meu corpo vai começar a falhar, e então...
          Ela se interrompeu quando percebeu que os olhos de Kota brilhavam com lágrimas reprimidas. Ele recuou até bater as costas contra uma parede. Correu as mãos pelos cabelos, puxando os fios, enquanto respirava profundamente. Então deu um forte soco na parede atrás de si. A dor irradiou por todo o braço e ele sentiu alguns ossos estalarem, mas aquilo não era nada comparado ao que rasgava o seu coração. Amélia se aproximou um passo, e então mais outro e outro até que as suas respirações se misturassem no espaço entre eles.
         -- Isso não quer dizer muito -- Ela continuou. -- Sim, acaba dizendo, mas é tudo muito incerto. Posso viver mais duas semanas ou duas décadas. Nós não temos como saber.
        Os olhos dela agora tentavam transmitir um pouco de esperança para ele. Kota não sabia medir o quanto estava desolado. Era por isso que ela queria que ele fosse embora. Para que não ficasse sozinho logo depois de conquistá-la. Talvez ela não sobreviva ao final de tudo. Kota amaldiçoou Velásquez e se sentiu feliz pelo general estar morto. E Amélia... Ele não podia perdê-la.
        Não de novo. Não para sempre.
        Ele escutou o arquejo da rainha quando ele caiu de joelhos aos pés dela e abraçou a cintura, o rosto se escondendo na saia do vestido. Mas estão ela escorregou até estar também de joelhos à frente dele e o envolveu em seus braços. Os dedos de Amélia traçaram caminhos invisíveis no cabelo de Kota e ela inspirou, como se tentasse memorizar o cheiro dele.
        Kota não soube o exato momento em que começou a chorar. Os soluços sacudiram-lhe o corpo, mas ele não se importou. Amélia tampouco. Ela o embalou, segurando-o para impedi-lo de quebrar completamente. O tempo fugiu da contagem e eles continuaram ali, abraçados, ligados um ao outro como se o universo os tivesse criado dessa forma. Em certo ponto a porta do escritório foi aberta e Devon colocou a cabeça para dentro. Amélia apenas fez um sinal para dispensá-lo antes de se inclinar um pouco para ver os olhos de Kota. Ele já tinha parado de chorar, os olhos encaravam o nada, perdido na própria mente.
        -- Você está bem?
        Kota quis rir, porque "bem" era a última coisa que ele estava naquele momento. Mas ele entendeu que aquilo foi uma forma de trazê-lo à realidade, fazê-lo reagir.
        -- Você disse que não iria a lugar algum -- Ele murmurou.
        -- E é a verdade. Estarei aqui para o que precisar. A qualquer hora. -- Ela analisou o rosto dele. -- Você  me perguntou se eu te amei. Sim, eu te amei. E eu te amo, e eu vou te amar. Todos os dias. Mas não posso pedir que fique. Não seria justo. Você merece uma bela vida, muito mais do que posso oferecer.
        Kota franziu o cenho, recuando um pouco.
        -- Você é tudo o que preciso.
        -- Não, não sou. Você precisa de alguém que possa estar ao seu lado a todo momento, que possa ser a sua companheira pelo resto da vida. Você precisa de alguém que o ajude a passar por momentos ruins, e que compartilhe os momentos bons, alguém como...
        Alguém como Violet. O peito de Kota apertou um pouco. Sim, Violet se tornou uma ótima companheira para Kota, ela o fez rir, deixou-o maluco em certas horas, mas... Tinha um pequeno problema. Ele nunca amou Violet como amou Amélia. Violet podia ser a sua âmbar, mas Amélia era a sombra do ouro, a aurora da Primavera. Kota pensou em tudo o que ele enfrentou nesses últimos dois anos. Ele conheceu uma garota, se apaixonou por ela, cancelou um casamento, entrou em coma, fugiu do país, perdeu a garota que amava, se casou, então aprendeu a amar a esposa apenas para perdê-la também. Mas ele conseguiu trazer Amélia de volta para a vida dele. Ele enfrentou o medo, a dor e a própria morte para estar ao lado dela. Para ter alguma vida em sua simples existência. E a coisa mais assustadora era que ele faria tudo de novo, se o significado disso fosse estar com aquela linda garota enquanto o para sempre durasse. Era ela. Sempre fora ela. Não importava quanto tempo passassem separados, ele sempre iria amá-la e encontraria um jeito de voltar para ela.
      Kota se desvencilhou dos braços de Amélia e a encarou intensamente.
      -- Não posso dizer que não me afeta saber que a doença continua avançando. É verdade que eu esperava poder passar cinquenta, sessenta anos ao seu lado, mas isso não seria o bastante. Nunca seria o bastante, porque ainda que vivêssemos para sempre, o meu desejo seria estar com você por muito além disso. Sei que está tentando me proteger da dor, e sei que é isso o que tem feito todo esse tempo, mas não pode deixar que isso a impeça de fazer o que quer, de estar com quem quer. Quanto a mim, tudo o que eu preciso, tudo o que eu sinto, é você. O mundo nos quebrou e nos separou, mas apenas fisicamente. Porque meu coração está em suas mãos. Você tem sido a minha bússola desde o dia em que te conheci. Quando estou preso no escuro, não sinto medo, porque sei que você estará lá para me trazer a luz. Então se o tempo que temos é de um, cinco ou dez anos, eu aceito essa condição.
          Amélia fechou os olhos e duas lágrimas correram pelas bochechas. Kota limpou cada uma com delicadeza.
         -- A síntese de tudo isso: eu te amo. E se por algum dia você se esquecer disso, ou pensar em desistir, eu vou estar ao seu lado para puxar a sua força de volta.
         Os olhos pelos quais Kota se apaixonou o encararam novamente, então Amélia sorriu e se jogou sobre ele. Kota perdeu o equilíbrio e eles foram ao chão, ao mesmo tempo em que os lábios se encontravam em uma dança que era o selo de uma promessa de vida. Kota rolou para que Amélia ficasse embaixo dele, e ele cobriu o rosto dela de beijos.
         -- Nós vamos continuar procurando -- murmurou ele. --  Não desisti de você.
         Ela deu uma risadinha.
         -- Está pronto para isso? Eu tenho uma bagagem, sabe? E ela inclui comandar dois países, manter a União e trazer a paz. -- Ela franziu o nariz. -- E descobri recentemente que posso ser um pé no saco quando não consigo o que quero.
        Kota jogou a cabeça para trás e gargalhou.
         -- Eu acho que dou conta do recado, contanto que esteja com você.
        Os olhos dela pareciam duas estrelas brilhantes.
        -- Feito.   
          
                              ***
Penúltimo capítulo *-*
          
          
   
       

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