Deitada na cama de uma torre alta no castelo de Corona, Mal não conseguia dormir. Observava ao seu lado o marido em um sono profundo, desejando poder fazer o mesmo. Mas como? Tanto sobre ela. Uma guerra causada por ela, que não parecia ter fim. Sua família apareceu, Heitor buscando vingança e Maligno também. E ela entre o fogo cruzado por todos os lados. Uma e Harry haviam ido embora. Evie e Arkin estavam com os anões na tentativa de obter mais informações e salvar os parentes do falecido Doug. Jay e Saphira partiram para Arendelle em busca das escrituras de Atlântida com a ajuda de Erling e Jack. Alguns andares abaixo, Mulan ainda se recuperava do último ataque recebido. Seus aliados mais importantes se dissiparam e apenas restava Ben, ao seu lado. Sempre.
Passou a mão com leveza sobre o rosto do amado. Será que poderiam fugir e viver escondidos? Ben jamais aceitaria. Não enquanto tivessem que lutar para proteger os outros. Às vezes, Mal desejava que o marido não fosse tão bom. Porém, sabia que era impossível. A essência benevolente era o que fazia Ben ser quem era.
Desviou o olhar para observar a chuva forte pela janela. Fazia muito tempo desde a última vez que havia visto uma tempestade daquelas, com tantos raios e trovões. Era o clima perfeito para refletir o interior de Mal naquele momento. Uma turbulência de emoções. Fechou os olhos e virou de costas para a janela. Em sua mente, veio uma lembrança da infância. Ela, pequena, com medo da tempestade e tremendo de frio, mas Heitor a abraçava com força e lhe dizia que tudo ficaria bem. Ela queria seu irmão de volta. O irmão de suas memórias de infância. Por que Heitor não podia voltar a ser aquele? Heitor nunca foi inteiramente bom, mas também nunca foi inteiramente mau. Poderia ajudá-la a deter Maligno, parar a guerra, e ter o mundo da forma como sempre sonharam. Mas ele escolheu outro caminho, o de ir contra ela. De matar aqueles que ela amava. A começar pelo próprio Heitor de suas memórias de infância.
Do choro silencioso da rainha, as lágrimas escorriam e caíam sobre o travesseiro. Mal abriu os olhos para enxugar as lágrimas e respirar fundo. Um trovão seguido por um relâmpago fez seu corpo gelar e sentir a morte de perto. A luz do relâmpago entrou no quarto, relevando uma silhueta de alguém agachado na janela. Mal virou para ver quem era e apesar da escuridão da noite a luz verde dos olhos denunciou a identidade de Heitor.
Novamente um relâmpago. A luz permitiu que Mal visualizasse o gesto de Heitor. O dedo indicador nos lábios. Ela obedeceu.
Heitor adentrou o quarto. Os olhos vidrados em Mal. A mulher se pôs de pé. O coração parecia que iria saltar para fora do peito.
– O que você, com esse cérebro minúsculo, estava pensando? – Heitor falava em um sussurro, alto o suficiente para Mal ouvir, mas não acordar Ben. – Iria me atrair para uma armadilha? Pensou mesmo que eu seria idiota de ir ao encontro de Maligno? Em um terreno que você prepararia? – O ódio era nítido na voz do rapaz. – Eu não sei o que me aborrece mais. Se é você achar que eu cairia em algo tão estúpido, ou se é você achar que pode usar Maligno para me atrair.
Mal estava sem resposta. Sem ar. Não tinha para onde ir. Sabia que não poderia enfrentar Heitor, não era forte o bastante. Se fosse do desejo do irmão, ela morreria ali.
– Você... Você acabou com toda a diversão da nossa brincadeira infantil. – Heitor riu entre os dentes. – Você achou que podia brincar com os adultos, tolinha. Quer ser tratada como adulta? Vamos lá.
– Mal! – O grito de Ben invadiu o quarto. Mal só conseguiu ver o rapaz ser arrastado pela janela por Helena. A filha do Capitão Gancho calou Ben com a mão e desapareceu com ele. Mal só conseguia agora ouvir a risada maldosa da mulher.
Antes que Mal pudesse reagir e ir atrás do amado, um soco pesado a atingiu no rosto, a desnorteando. Não teve tempo de entender o que aconteceu, pois logo em seguida o pé de Heitor a atingiu do outro lado do rosto e Mal foi a chão cuspindo sangue.
– É tão patético, não acha? Eu sequer preciso dos meus poderes para te derrubar. – Heitor disse, enquanto Mal buscava forças para reagir. Ela acumulava energia e seus olhos brilharam em verde claro, mas Heitor a acertou com outro soco e a parou. – Não, não, não, irmãzinha. Você quis mexer com gente grande, agora vai ser tratada como uma.
– Por que Ben? – Mal perguntou em choro. – Sou eu quem você quer. Não o machuque, por favor.
– Pobre Mal. Não entendeu como funciona seu destino e o do rei. Titio Maligno não contou? – Heitor riu. Mal tentou levantar, mas Heitor desferiu um chute na costela da mulher e ela caiu. – Você não vai ficar quieta para eu contar? Não seja rude. – Heitor então se sentou nas costas de Mal e empurrou a cabeça dela contra o chão com força, para imobilizá-la. – Se você tentar algo, você nunca mais verá seu príncipe encantado. Então vamos lá, onde eu estava? Seu destino e o do rei... A história dessas duas linhagens não começou com vocês dois. Começou há muitos anos, quando nossa querida mãe tinha acabado de perder asas. O rapaz que roubou seu coração não ficou satisfeito apenas com isto e lhe tirou as asas. Como pode imaginar, Malévola o caçou e o matou. Foi quando ela entendeu que não existia final feliz para vilões. Após a morte do rapaz, Malévola foi morar em um castelo na floresta, fazendo as loucuras dela. Já nosso tio, jovem e romântico, amava os humanos e passeava na vila que muitos anos mais tarde veio a se tornar parte do reino de Auradon. Como você deve ter notado, ele tinha a pele verde e por isso usava um feitiço para ficar em uma cor que não fizesse todos correrem por suas vidas. Maligno então se apaixonou por uma moça, mas não era uma moça qualquer. Ela tinha um coração puro e era a mais inteligente da vila. Seu nome, como você já deve imaginar, era Bela. Os dois se apaixonaram e viviam um romance escondido, pois Maligno sabia que se Malévola descobrisse, ela acabaria com o final feliz do irmão. Mas claro, ela descobriu. Então, durante um encontro dos dois pombinhos, sentados na floresta, Malévola removeu o feitiço da pele de Maligno. Bela obviamente se assustou, seu amado ficou verde e com um par de chifres. Malévola riu tão alto que os dois a ouviram. Claro que era engraçado. Bela finalmente havia visto a aparência asquerosa de Maligno. Nosso tio, em desespero, tentou reverter o feitiço, mas não adiantou. Ele escondeu o rosto como se o gesto fosse ajudar. Maligno estava devastado, afinal perderia sua amada. Porém, ele sentiu a mão de Bela em seu ombro e sua voz dizendo que não se importava com sua aparência. Romântico, não? – Heitor riu em deboche. – Malévola odiou. Mas você conhece nossa querida mamãe. Tomada pela inveja, ela armou um plano magnífico, devo admitir. Ela enfeitiçou o velho pai de Bela para que fosse até o castelo do monstruoso rei amaldiçoado. Bela foi atrás do pai e o monstro, com um pequeno empurrão de Malévola e aquele cetro, negociou com Bela. Em troca da liberdade do pai, ela deveria ser sua prisioneira. Quando Maligno descobriu, voou para resgatar Bela. O que nossa querida mãe fez? Ela mesma arrancou as asas de Maligno. Uma punição, ela disse. Por trair a família. Maligno ficou preso durante anos até que um dia Malévola teve a bondade de o libertar. Foi assim que Maligno achou. Ela o soltou quando o rei monstruoso, que agora era humano, teve sua primeira filha. A mãe? Bela. Maligno voltou para Bela, mas ela o rejeitou, óbvio. Era casada e tinha uma filha. Essa foi a primeira vez que Maligno tentou matar o rei Fera. Ele não obteve êxito e então roubou-lhe o seu bem mais precioso. A pequena Beth. Pobre Beth. Seu único erro foi ter nascido naquela família. – Heitor soltou um longo suspiro. – O rei Fera ficou furioso e assustado, e decidiu punir todos os vilões. A Fada Madrinha ressuscitou todos os vilões e criou a barreira. Foi culpa dele, Mal. Por causa do nosso tio, fomos condenados.
Heitor se levantou, deixando Mal livre para se movimentar.
– Beth se tornou o bem mais precioso de Maligno. E ela morreu por causa disso. Me parece que este é o destino da família de Ben. Morrer pelas mãos da nossa família. – Heitor ficou de pé na janela, pronto para partir. – É engraçado. Você e Maligno se parecem tanto. Dois fracos, que nunca terão poder suficiente para proteger aqueles que amam. Abandonados por aqueles que compartilham laços de sangue. Quando eu matar Ben amanhã, ao lado de Bela, eu espero que te leve a loucura igual a Maligno. Eu vou arrancar suas asas, Mal.
Dito isso, Heitor pulou para fora. Mal correu até a janela, o procurando, mas não encontrou o rapaz. Após toda aquela revelação, Mal não aguentou a carga emocional. Foi ao chão chorando. Os gritos de desespero competiam com os trovões da tempestade.
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Descendentes 4
AdventureApós a destruição da barreira e reconstrução da ponte, alguns vilões e descendentes encontraram seu lugar no mundo e tentaram viver em paz. Porém nem todos ficaram felizes com os vilões a solta e com razão. A maioria dos vilões não quis um "felizes...