Chapter 268 Este coração tão indigno não merece proteção

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Arco 5 Capítulo 268 Este coração tão indigno não merece proteção

A névoa da alvorada ainda não havia se dissipado quando Jun Wu despertou, dando um peteleco na aba do chapéu de palha que antes cobria parte de seu rosto.

Seus músculos encontravam-se rijos de frio, algo dolorido por ter cochilado de mal jeito, ele se ergueu silenciosamente, tudo estava calmo.

Esse era o problema.

Calmo demais.

Sem sons sinistros, sem pesadelos, até mesmo o vento parecia ausente.

Jun Wu não era fácil de enganar quando se tratava de Bai Wu Xiang, após quebrar a linha do tempo, invadir o esconderijo da Calamidade três anos à frente e resgatar, tirar do domínio dele a pessoa que ele aprisionara... O Branco sem face não se conformaria, ele não ficaria silente, tão pouco ausente.

Tinha certeza que antes de subirem a montanha, Bai Wu Xiang devia estar no mínimo um passo à frente.

Como estava protegendo Huan Shui, tinha combinado com Xie Lian e Hua Cheng, os dois iriam até o Monte Tong Lu verificar se o esconderijo da Calamidade Vestida de Branco ainda estava em uma das três grandes montanhas chamadas de “Velhice”, “Doença” e “Morte”.

Tinha sido muito astuto fazer o que parecia uma fortaleza em montanhas tão altas, que se moviam dentro de Tong Lu de modo muito incomum, então o esconderijo se tornava móvel, ele nunca estava no mesmo lugar.

Jun Wu sabia que a fortaleza tinha se desfeito três anos à frente, mas era bem provável que ela ainda estivesse inteira nessa linha de tempo.

Em face desses pensamentos, aproximou-se da rede e observou Huan Shui dormindo de lado dentro dela, a borboleta fantasma pousada delicadamente no ombro dele, as asas fechadas como se dormitasse também.

O deus menor se perguntou há quanto o rapaz não tinha uma noite de sono assim, visto que parecia profundamente adormecido e certamente, iria acordar com fome.

Jun Wu coçou um pouco a própria testa, ele não era bom em cozinhar, mas ele podia caçar algo melhor do que um punhado de castanhas d'água.

Decidido a ser breve, ele se assegurou de fortalecer o talismã nas portas do templo, nada que carregasse energia escura poderia entrar.

**************

“Volto em breve para buscá-lo.”

Era como a voz de um vulto em sua mente, dita num cochicho profundo através de um bambu oco.

Ecoando e despertando seus sentidos no mesmo instante, fazendo Huan Shui sentar na rede algo sobressaltado.

Seus lábios se entreabriaram junto com seus olhos alarmados, um murmúrio baixo e insignificante escapou e até a borboleta fantasma pareceu se alterar um pouco, voando ligeiramente sem rumo por segundos.

Huan Shui olhou em volta no aposento e não havia ninguém.
O Daozhang não estava por perto, a esteira já tinha sido guardada e quase que pensou que o próprio Jun Wu fosse parte de alguma ilusão, mas essa sensação se desfez, assim que viu no canto a sacola de tecido que pertencia a ele.

O rapaz deixou a rede, após respirar fundo.

Quase que perguntou para a borboleta: “Você também ouviu isso?”

Que parvo... Como ela poderia responder ou mesmo entender a pergunta?

Ou apenas ouvir uma voz que parecia estar em sua mente?
Mentalizando para si mesmo que estava sendo tolo, a voz que tinha ouvido poderia apenas fazer parte de algum sonho que não se lembrava após ter acordado.

Espreguiçando e alongando o corpo, Huan Shui cogitou que o Daozhang não devia estar longe, ele lhe parecia muito sistemático e controlador para lhe dar qualquer brecha para fugir, ou seguir um caminho distinto do dele.

Ouvindo o canto dos pintassilgos além das castanheiras, ainda tinha em mente a voz de seu pai sendo categórico ao expulsá-lo da montanha... Por que Shan Ling tinha dito que ele ficaria feliz com sua volta?

E havia o fantasma de sua mãe... Huan Shui não entendia porque ela tinha aparecido em sua antiga forma física para o Daozhang.
Este deus menor havia conhecido sua mãe em vida?

Com tantas perguntas se acumulando, sentindo seu estômago vazio, retirou o erhu com o arco de cima do tampo de madeira e abriu o baú quase mecanicamente.

Por cima de tudo e bem dobrado, estava um de seus robes de cultivo, mesclando o verde e o branco, em tons de verde musgo.
Sentindo uma fisgada dentro de si, tal como um anzol preso na carne, Huan Shui se deu conta que aquela roupa remetia a alguma lembrança esquecida... O que aconteceria se ele vestisse?

Ele lembraria a que estava relacionada?

Jun Wu diria algo assim que colocasse os olhos em sua direção?

Quando Shui retirou o robe de cultivo de dentro do baú, todas essas questões se perderam instantaneamente.

Ele descobriu que por baixo do robe dobrado estavam duas conchas, a máscara de prata e o chapéu de palha com véu.

Seu coração acelerou encarando aqueles objetos e Huan Shui desviou por segundos o olhar deles, a mirar para trás de si... Era justo como se esperasse que alguém estivesse ali e lhe oferecesse a mão.

Contudo, não havia ninguém.

Mas, ele sabia.

Bai Wu Xiang havia estado no templo Jianguang antes dele, todos os objetos que seu olhar esquadrinhava com uma ansiedade torturante estavam ligados a linha de tempo do futuro que havia sido desfigurado por seu resgate.

Seus dedos apertaram o tecido do robe e quando se deu conta disso, seu olhar recaiu no verde musgo da veste meticulosamente dobrada... Se Bai Wu Xiang teve trabalho de colocar esse traje sobre todos os objetos que estavam intimamente ligados aos dois, com certeza havia um significado maior.

Talvez... A calamidade desejava que ele vestisse o robe?

Em primeira instância, não fazia sentido.

Huan Shui não conseguia encaixar em sua mente uma ocasião relevante que tivesse usado o robe, que envolvesse Jun Wu ou Bai Wu Xiang, no passado ou no futuro que tinha vivido.

Ele deixou o traje dobrado num canto no interior do baú e segurou entre seus dedos uma das conchas.

O momento passou diante de seus olhos, entre a areia e as ondas, seus dedos puxando aquela concha oval, branca e bege, decorada com espirais.

Ele ainda podia sentir o aroma da maresia da praia de Ming Yue, a textura da areia fofa na sola dos pés.

A praia onde Bai Wu Xiang procurava de quatro em dias por sua alma, na forma de um fantasma sem face carregando um candeeiro.

Huan Shui fechou os olhos e suspirou, tão miseravelmente vergonhoso em suas resoluções.

“Você me derrotou na montanha que eu amava, usando as pessoas que eu mais considerava para me ferir... É tão humilhante mesmo pensar em pisar em Zhen Yan, quando as pessoas tinham tanta expectativa... Eu sou tão risível, tão patético... Que ainda escolho ficar ao seu lado depois de tudo.”

Mesmo que seus vazios íntimos agora tivessem um nome, um rosto e voz.

Não se considerava mais digno de lembrar... Tão pouco de ser protegido.

 Tão pouco de ser protegido

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Jun Wu - A Terceira Face do Príncipe • Livro 2Onde histórias criam vida. Descubra agora