Desço do meu Chevette 1993 em péssimo estado de conservação, e respiro fundo quando ponho os olhos sobre a luxuosa mansão a minha frente.
Paro por alguns segundos e apenas observo a beleza da propriedade do outro lado da rua. A sensação que tenho é a de que estou diante de uma daquelas casas que até hoje só tinha visto nos filmes de Hollywood e a curiosidade de saber como ela é por dentro me impulsiona a tocar a campainha, ao mesmo tempo que, um leve frio na espinha me faz lembrar o que vim fazer aqui.
Antes mesmo que o segurança desça da guarita e venha me abordar, abro o envelope que trago em mãos e confiro pela milésima vez os documentos exigidos para entrevista de emprego.
Olho para meu certificado falso de enfermagem e me pergunto se conseguirei me infiltrar nessa casa. Não tenho graduação em nível superior. Larguei a escola ainda no ensino médio e nunca procurei me qualificar em nenhuma área profissional.
Mas, não deve ser tão difícil cuidar de um garoto paraplégico. Afinal, passei algum tempo tomando conta da minha mãe que morreu condenada a uma cadeira de rodas. Confesso que eu não fui uma filha exemplar, nem estive presente em seus últimos dias de vida, mas Deus sabe que tive minhas razões. Com um padrasto daqueles o que eu mais queria era sair daquela cidadezinha o mais rápido possível sem deixar rastros e nem ao menos olhar para trás.
Abandonar minha família talvez tenha sido a decisão mais difícil que tomei em toda a minha vida, mas somente a partir do dia em que fugi de casa me senti livre do cativeiro psicológico no qual vivia.
Além daquele canalha, a única pessoa que continuou ao lado da minha mãe até seu último suspiro foi minha irmã, Alzira; a única parente consanguínea que tenho atualmente, além de seus filhos. Desde que pulei a janela do nosso quarto, sorrateiramente no meio da madrugada, nunca mais a vi e só sei notícias dela através de uma conta falsa que criei numa rede social. Algumas vezes por semana visito seu perfil e somente por isso sei que Alzira continua levando uma vida simples, ao lado do bobão que ela escolheu para ser seu marido e com quem namorou praticamente a vida inteira. Nas raras vezes que posta fotos ou é marcada em alguma publicação, vejo o quanto é linda, embora sua beleza seja desafiada pela falta de cuidados que a rotina da roça lhe condena.
Sinto saudades das nossas conversas, não posso negar, mas não me vejo retornando para aquele lugar aparentemente esquecido por Deus. Quero arrancar da minha mente todo o inferno que tive que enfrentar até criar coragem para abandona-la junto de minha mãe. Tudo o que tenho agora são as lembranças. Algumas agradáveis, mas outras que se transformaram em pesadelos terríveis que me atormentam até hoje. Ainda bem que Mateus conseguiu me convencer a largar aquela vida medíocre e segui-lo sem destino certo até chegarmos aqui.
Estamos juntos há quatro anos, e durante esse tempo, estivemos em vários lugares até que ele me convenceu de virmos para São Paulo. Convenceu-me que na que na maior cidade do país teríamos maiores oportunidades.
Quando falo em oportunidades, não me refiro a bons empregos e possibilidades de estudo. Refiro-me a ficarmos ricos de maneira mais fácil. Temos vivido de pequenos golpes e confesso que estou cansada de fugir de um lado para o outro quando as coisas começam a desandar. Vez ou outra quando não temos nenhum nada em vista, trabalhamos de maneira honesta. Apesar de nos arriscarmos, nunca respondemos por nenhum processo, mas desta vez precisamos forjar documentos falsos para que ninguém tenha acesso a nossas verdadeiras identidades. Ele conseguiu esse emprego como motorista de Carlos Eduardo D'ávila e rapidamente viu a possibilidade de nos darmos bem em cima da fortuna do ricaço.
Dessa vez planejamos algo grande e arriscado. Queremos dar um cheque mate na pobreza e conquistar a vida de luxo que sempre sonhamos.
Eu sempre soube usar muito bem os atributos físicos que Deus me deu. Chamo atenção por onde passo pelo contraste exótico dos meus olhos azuis com minha pele morena. Meus cílios volumosos e avantajados me ajudam a ter um olhar provocante. Meus seios fartos colaboram com os decotes que costumo usar para atrair minhas vítimas.
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Trapaças do Coração
RomanceCarlos Eduardo D'ávila é atualmente dono de uma das maiores fortunas do país. Sua rede de supermercados ocupa o primeiro lugar do ranking nacional. Há alguns anos ele perdeu a esposa num acidente aéreo e seu único filho, Rafael, ficou paraplégico. E...