Leyla
Sinto-me sozinha durante o restante do tempo que permaneço no hospital, mas a cada enfermeiro ou médico que entra no quarto, meu coração dispara na esperança de que possa ser Carlos Eduardo.
Torço internamente para que ele consiga me perdoar, ao mesmo tempo que tenho consciência de que isso é praticamente impossível.
Aproveito a solidão para me arrepender ainda mais de tudo o que eu fiz desde que saí de Renascença e tento imaginar o quão necessário e doloroso será meu retorno para aquela cidade.
Não tenho mais condições psicológicas de permanecer em São Paulo e mesmo que eu tivesse, eu preciso parar de fugir do que me machuca. Preciso encarar de frente o meu passado para quem sabe, poder finalmente me curar.
Após o médico de plantão me visitar e conceder minha alta, Doutor Wagner entra no quarto novamente e me fita com um olhar enigmático.
- Você vai ficar bem? - Ele pergunta ao me observar levantar da cama.
- Vou tentar. - Solto o ar pesadamente após ouvir minhas próprias palavras.
- Pegue. Isto é para você. - Me estende a mão com uma sacola de papel.
- Obrigada. - Pego o pacote e verifico o que está dentro.
- É uma roupa nova e alguns itens de higiene pessoal. Sua roupa estava repleta de sangue. - Comprime os lábios e repousa as mãos no bolso do jaleco. Seu semblante está mais brando do que da última vez que nos vimos.
- Onde estão minhas roupas sujas? - Pergunto lembrando imediatamente da carta que estava em um dos bolsos do uniforme.
- Normalmente são colocadas no armário. - Dr. Wagner aponta para o móvel planejado em uma das paredes do quarto.
Um silêncio sepulcral se instala entre nós e sinto-me incomodada por perceber o olhar analítico de Wagner cair sobre mim mais do que eu gostaria.
- Apesar de tudo o que você fez ou tentou fazer, existe algo em você que não me deixa acreditar que é uma pessoa má. - Ele arqueia a sobrancelha e continua em fitando com atenção.
- Você está certo, Doutor. Não sou uma das melhores pessoas desse mundo, mas há pouco tempo descobri que tenho coração. - Ironizo encarando minhas mãos cruzadas sobre o lençol que cobre meu corpo.
- Posso saber o que você pretende fazer a partir de agora? - Pergunta tentando parecer desinteressado.
- Pretendo encarar de frente quem eu sou. Voltei a ser a Catarina e devo confessar que pelo menos neste exato momento me enxergar como Catarina seja mais leve do que ser a Leyla. - Dou de ombros e sinto uma fisgada no local do ferimento, que me faz fazer uma careta.
- Espero que dê tudo certo. - Ele dá um passo em minha direção e me estende a mão com semblante de pesar.
- Obrigada Doutor. - Agradeço sentindo estranheza por sua empatia e compreensão. Abro um breve sorriso e retribuo seu gesto cordial.
Doutor Wagner vira às costas e me deixa pensativa sobre a cama, porém, de alguma forma suas palavras me deram força e coragem para voltar a Renascença, reencontrar e encarar quem eu deixei para trás.
Levanto da cama bruscamente e me sinto um pouco tonta, então me apoio na ponta do colchão e respiro fundo tentando retomar o equilíbrio.
Retiro a bandagem adesiva que cobria o furinho de acesso das medicações intravenosas e sigo para o banheiro. Caminho até a pia e me olho no espelho durante alguns segundos. Meu semblante está péssimo; abatido e pálido.
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Trapaças do Coração
RomanceCarlos Eduardo D'ávila é atualmente dono de uma das maiores fortunas do país. Sua rede de supermercados ocupa o primeiro lugar do ranking nacional. Há alguns anos ele perdeu a esposa num acidente aéreo e seu único filho, Rafael, ficou paraplégico. E...