Leyla
Conduzo a cadeira de rodas de Rafael com dificuldade. A terra presente na estrada emperra as rodas de vez em quando, o que me faz suar por conta do esforço que preciso fazer.
O garoto tenta me ajudar com as mãos, mas sua força não é o suficiente para melhorar as coisas por aqui.
Ao chegarmos próximo ao rio, a situação piora, pois há muitas pedras de pequeno e médio porte, mas como eu consigo avistar as águas decido pegar o garoto no colo e caminhar até a margem.
Ele se entrelaça e apoia os braços em meu pescoço sem tirar os olhos da água.
- Conseguimos! - Digo ao posiciona-lo ao chão. - Agora vamos nos divertir.
Retiro sua sandália dos pés e pego o protetor solar para nos protegermos dos raios do sol.
- Não tem muita correnteza desse lado. - Falo enquanto passo o creme branco cuidadosamente no rosto de Rafael - Vi pela janela do quarto que a parte do rio que fica atrás da casa de seus avós tem mais pedras e correnteza, por isso optei por vir até aqui.
- Ótima escolha! - O menino afirma enquanto me presenteia com um sorriso largo.
- Agora retira a camisa Preciso passar no restante do seu corpo. - Peço gentilmente.
- Mas essa camisa tem proteção contra raios ultravioletas. - Questiona encolhendo os ombros.
- Mesmo assim. Melhor prevenir do que remediar. - Retruco firmemente. - Esqueceu como você ficou lá no Guajurá? - Rafael prontamente faz sinal de negação e retira o peça de banho. - Também não vamos nos estender no horário. Não quero que tenha febre novamente.
- Você é a cuidadora mais eficiente que eu poderia ter. - Afirma antes de sorrir e me dar um abraço que derrete meu coração ao mesmo tempo em que me deixa incomodada por lembrar da farsa da qual faço parte.
- Obrigada! - Retribuo o gesto antes de aplicar o protetor solar no restante de seu corpo.
Depois que Rafael está protegido, passo o creme branco por todo meu corpo e rosto e pego da bolsa uma boia vazia.
- É para você. - Aviso antes de aproximar minha boca para enche-la.
O garoto me observa atentamente enquanto eu puxo o ar de meus pulmões e aos poucos encho a boia azul marinho.
- Você vai me segurar? - Pergunta intrigado.
- Claro. Não vou soltar você nem por um segundo. - Respondo entre um sopro e outro.
Após concluir a tarefa, pego a boia com um dos braços e com dificuldade consigo pegar Rafael com o outro de maneira que consigamos entrar na água.
- Urgh! Está gelada! - O menino comenta sem retirar o sorriso do rosto.
- Aguenta firme. - Peço sentido a temperatura fria arrepiar meu corpo. - Logo você vai se acostumar.
Enquanto posiciono o garoto na boia noto sua atenção se voltar para algo atrás de mim. Viro curiosa e avisto Carlos Eduardo vir em nossa direção.
Volto para o que estava fazendo sentindo meu coração quase pular pela boca. Troco olhares rapidamente com Rafael e noto uma mistura de alegria e receio em sua face, mas não o culpo por isso.
- Posso me juntar a vocês? - Ouço a voz do patrão perguntar num tom aparentemente agradável.
- Claro, pai. - O menino responde de imediato me poupando de uma resposta.
Tento não olhar em direção a Carlos Eduardo. Somente seguro os braços de Rafael, fazendo-o deslizar lentamente pela água, mas não demora para que eu sinta um toque em minha cintura por baixo d'água.
O toque suave parece irradiar por todo meu corpo, fazendo com que o nervosismo se instale dentro de mim. A única reação que consigo ter é de me desvencilhar de suas mãos discretamente, sem que Rafael perceba.
Confesso que a atitude de Carlos Eduardo me surpreendeu, pois nunca imaginei que se daria ao trabalho de vir até aqui.
- Posso? - Pergunta dessa vez ao envolver meu corpo inteiro por trás com seus braços de modo que fique no controle da boia.
Permaneço em silêncio em meio a uma mistura de sentimentos. Ao mesmo tempo que me sinto feliz por ter seu corpo próximo ao meu, perante Rafael, parecendo não querer esconder de seu filho o gesto de intimidade, tenho receio de que esteja apenas tramando me humilhar novamente a qualquer momento.
Ao lembrar do que aconteceu no Guarujá imediatamente tomo coragem e me despreendo de seu toque novamente tentando não ser abrupta em minha atitude.
O garoto me encara rapidamente parecendo perceber a tensão no ar, mas disfarça e continua a aproveitar a diversão agora sob o comando do pai.
Mergulho e me afasto alguns metros dos dois e pela primeira vez desde que Carlos Eduardo se juntou a nós consigo fita-lo.
Nossos olhares se encontram quase que instantaneamente e a maneira como me examina me intriga, pois não me fita com seu semblante costumeiro, sisudo ou arrogante. Desta vez ele me observa de uma forma nada habitual. Está com a expressão leve e me oferta um sorriso no canto da boca enquanto deixa discretamente sua lascívia escapar.
Apesar de estar muito tentada a retribuir sua atenção, opto por resistir às suas investidas.
- Leyla, vem aqui. - Rafael me chama animado.
Sem escolha nado até um local próximo aonde os dois estão e volto toda a minha atenção para o menino.
- Por favor, me ajuda a nadar! - Pede ansioso.
- Não sei se devemos, Rafael. - Não estamos em uma piscina. Por mais que a correnteza esteja branda, prefiro não arriscar. - Pondero.
O menino comprime os lábios e assente com a cabeça.
Mas numa fração de segundo depois, Carlos Eduardo se manifesta.
- Não correrá riscos se for guiado pelo maior campeão de natação das olimpíadas interescolares de Belo Horizonte. - Fala enquanto retira cuidadosamente a boia do garoto. - Pelo menos há mais de 20 anos eu era. - Dá de ombros. - Mas não se preocupe, conseguirei te apoiar. - Conclui pegando o filho no colo.
Surpreendo-me com a cena que se forma a minha frente. Em todas essas semanas que estou trabalhando para os D'ávila é a primeira vez que presencio uma cena tão bonita, que conforta meu coração.
Ao ver a interação entre pai e filho, decido ir até a margem do rio de maneira que não possa atrapalha-los. É muito rico para Rafael ter esse momento com o pai, assim como deve ser importante para Carlos Eduardo.
Nos minutos seguintes permaneço sentada à margem observando os dois e é impossível não perceber a semelhança entre eles, mas o que é mais fantástico é enxergar que pode ter sentimentos bons de Carlos Eduardo para com o menino.
Não sei exatamente o que está acontecendo neste momento, mas fico feliz por presenciar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Trapaças do Coração
RomanceCarlos Eduardo D'ávila é atualmente dono de uma das maiores fortunas do país. Sua rede de supermercados ocupa o primeiro lugar do ranking nacional. Há alguns anos ele perdeu a esposa num acidente aéreo e seu único filho, Rafael, ficou paraplégico. E...