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Conversamos à tarde e noto que aos poucos ele se aproximou de mim, eu não o afastei ou reclamei, ele está fazendo isso o mais delicado possível e de certo modo, isso me agrada. Anoitece e ao invés de nos despedir como sempre, ele para na minha frente e olha para mim, parece estar nervoso.

- Eu vou te ver amanhã?

- Saberá amanhã.

- Certo. - Ele passa a mão na blusa e hesita antes de pegar minha mão e levar para depositar um beijo no meu dorso. - Boa... boa noite.

Enquanto caminho olhando para o meu dorso, acabo pensando nele. Micka é alguém inocente, que vê o mundo em sua beleza, que não provou da sua crueldade. Se eu o mantiver na minha vida, o que vai acontecer com ele? Eu não posso perder mais ninguém. Eu não quero que ele se machuque, não quero que algo aconteça com ele.

- Aí!

Bato a cabeça na porta de entrada, Hércules olha surpreso.

- Andar distraída nunca resulta em uma direção segura. - Hércules me diz terminando de afiar as flechas.

- Eu percebi. - Falo cínica e me sento para ajudar a separar as flechas. - Eu posso te perguntar algo? - Ele concordou. - Porque não me disse que tinha uma vila nas redondezas?

- Você se sentiria segura se eu te contasse que tem uma vila por perto? Cheias de pessoas desconhecidas, com intenções desconhecidas, com o passado desconhecido?

Fico quieta porque ele tem razão. Eu não ficaria tranquila sabendo disso. Na época a única pessoa que conseguia e que podia ficar ao meu lado era, e sempre vai ser ele. Hércules tem o hábito de manter segredos de mim, e eu não gosto disso.

- Como ele é?

Travo e fico nervosa, como ele sabe?

- Como... como você sabe? - Pergunto tentando não deixar transpassar meu nervosismo.

- Seu odor nunca mudou e luas atrás você entra com um odor diferente. Eu sou quieto, não tonto.

Meu... odor? Ele quis dizer meu cheiro? O cheiro dele ficou em mim? Eu não percebi. Eu estou nervosa, como se ele descobrisse um segredo meu. Não há nada acontecendo, eu não devia ficar nervosa ou constrangida.

- Ele é... uma mutação.

Ele parou de afiar as lâminas e não me encarou.

- Aberração. - Hércules diz com os olhos cerrados e posso ouvir seu desgosto.

- Ele não é isso! - O defendo.

- Sim, ele é! - Hércules se exalta. - Nossas espécies foram criadas para serem diferentes, manter nosso sangue limpo da incerteza e impureza humana, ou qualquer outra espécie!

- Você disse que não acreditava na linhagem pura. - Falei desconfiada. - Era outra mentira?

- Eu disse que não havia necessidade. Não que eu não acreditava.

- Você percebe o quão primitivo é isso? O quão insensato isso é? Insensato não, ridículo é a palavra correta!

- Pense o que quiser lótus, mas nossas raças não se misturam, ou aberrações como essas podem nascer.

- Hércules ele não é uma aberração!

- Ele é e sempre será uma aberração. Negue o tanto que quiser.

Ele volta a afiar as lâminas, e eu sei que ele não vai mais tocar nesse assunto.

- Você iria apresentá-lo?

O conto da Princesa Perdida (REVISÃO)Onde histórias criam vida. Descubra agora